Edição 26 - 01.09.21
Por André Sollitto
Quem navega pelos serviços de streaming em busca de um filme que retrata a vida no campo e o trabalho do agronegócio vai ter alguma dificuldade para encontrar boas opções. Pior: vai ficar com a impressão de que o setor é destrutivo e está contribuindo para a devastação do planeta. Onde estão as boas histórias do agro no streaming?
À primeira vista, pode parecer que o cinema nacional, ao contrário de outras manifestações artísticas brasileiras, como a música e a literatura, simplesmente não busca inspiração no campo. O que é estranho, já que a cultura do campo faz sucesso. Na música, por exemplo, o sertanejo domina as paradas: em março de 2021, 56 das 100 músicas mais tocadas nas rádios eram sertanejas, em suas mais variadas vertentes. Na literatura, um dos maiores fenômenos recentes de público e crítica, como Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, olha para o trabalho no campo e dá voz a duas irmãs, descendentes de escravizados libertos que continuam trabalhando na lavoura.
Nem sempre a situação foi essa. O Cinema Novo, principal movimento da sétima arte aqui no País que se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970, foi buscar boas histórias que dialogavam com a realidade brasileira daquele tempo justamente no campo. “Nesse momento, uma grande faixa da população brasileira era analfabeta. “O cinema tinha uma função educativa muito importante. O governo de Getúlio Vargas havia percebido isso e criava curtas de caráter educativo”, afirma Mariana Lucas Setúbal, professora de documentário da Faap. “O Cinema Novo vai utilizar essa função, mas será marcado pelo tempo histórico de grandes efervescências: Revolução Cubana, Guerra do Vietnã, independência de países da África… Então, a questão do campo está muito presente e é necessária para entender os filmes desse período.”
Basta olhar para obras fundadoras do Cinema Novo, que lidam com a população rural e os problemas enfrentados por ela de alguma forma. É o caso do documentário Aruanda, de Linduarte Noronha, sobre os quilombos e o Nordeste canavieiro; Os Fuzis, de Ruy Guerra, de 1964; a adaptação de Vidas Secas, o clássico romance de Graciliano Ramos, dirigida por Nelson Pereira dos Santos, em 1963; e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.
Essas produções, segundo Mariana, trabalham com estereótipos sociais. “Os personagens são representantes de classe. Muitas vezes não têm nem nome”, diz. Isso até Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, importante documentário que narra, de forma semidocumental, a vida do líder camponês João Pedro Teixeira. “Foi um marco de transição que abandonou a postura anterior e passou a se debruçar sobre os personagens”, afirma Mariana.
Mas, à medida que a sociedade se transformava e a população deixava o campo e seguia em busca de melhores oportunidades na cidade, o cinema também passou a buscar inspiração em personagens e histórias ligadas ao cenário urbano. “Antes, havia um contingente populacional significativo que morava no campo. Após o governo militar, a situação se inverteu”, diz Mariana. A violência urbana e as populações à margem das grandes metrópoles passaram a dominar uma parte da produção cinematográfica nacional.
E, nesse cenário, a distância entre o campo e a cidade aumentou também de forma cultural. A população urbana perdeu um pouco da dimensão e da realidade do trabalho feito pelos produtores rurais. A partir dos anos 2000, produções como Food, Inc., que faz uma investigação da cadeia de produção de alimentos nos Estados Unidos, e Cowspiracy: O Segredo da Sustentabilidade, sobre a produção agropecuária, se tornaram populares por revelar algumas das piores práticas do setor em tom de denúncia. São essas obras que o espectador encontra nos serviços de streaming e fica com uma péssima impressão do agronegócio.
Isso não quer dizer que as boas histórias do agro brasileiro não estejam sendo contadas. Elas estão, mas sob alguns enfoques específicos. Um deles é a produção da comida. A primeira edição do Matula Film Festival, realizada de forma on-line em maio deste ano, reuniu filmes que abordam métodos e tradições alimentares do Brasil e do mundo. Na programação estavam O Mineiro e o Queijo, de Helvécio Ratton, sobre a produção de queijo em Minas Gerais; Walachai, de Rejane Zilles, sobre uma pequena comunidade agrícola no Sul do País que fala um antigo dialeto alemão, mesmo sem ter nenhuma relação direta com a Alemanha; e o grego Tomates, Molho e Wagner, da diretora Marianna Economou, sobre a história de dois primos que querem invadir o mercado mundial com seus tomates orgânicos. “Nessas produções, a questão do campo aparece atrelada a um espaço de guardião de certa tradição popular que foi perdida com o avanço da modernização e da industrialização”, afirma Marianna.
Outro enfoque importante é o da preservação ambiental. Existem festivais específicos se dedicando ao tema, como a
Mostra Ecofalante, que neste ano chega à 10ª edição e acontece entre agosto e setembro. Muitas das produções selecionadas abordam a questão indígena e o desmatamento da Amazônia com um olhar menos sensacionalista que os filmes disponíveis nas plataformas de streaming mais populares. “Os documentários contemporâneos trazem muito das demandas de contar a história de uma indústria mais responsável, mais saudável, de uma economia cíclica”, afirma Marianna. Ainda assim, faltam produções que mostrem o lado do produtor.
A pandemia facilitou, de certa forma, o acesso a esses festivais. Mas há um problema crônico de distribuição dos filmes no Brasil e da preservação da memória cinematográfica. As plataformas, em geral, buscam apenas o que vende. Então é fácil encontrar os grandes blockbusters brasileiros, mas mesmo obras clássicas são difíceis de encontrar.
A história do nosso cinema dá pistas de como a situação chegou a esse ponto. Durante o governo militar, o projeto da Embrafilme ajudou a dar fôlego à produção e todo tipo de filme foi feito, de pornochanchadas a obras mais sérias, como Eles Não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman, lançado em 1981, quando o regime já perdia força.
Quando Fernando Collor assume o governo, acaba com a Embrafilme e a produção sofre um baque. “Dos 140 filmes que eram feitos em média por ano, o cinema nacional lançou apenas dois em 1992”, afirma Marianna. A situação demora a ganhar fôlego novamente e hoje enfrenta outras dificuldades causadas não apenas pela pandemia como também pelo esvaziamento das políticas de incentivo. Por isso, encontrar as boas histórias do agro e do campo brasileiro é uma tarefa complicada. Preparamos uma lista com alguns títulos disponíveis para começar essa jornada.
Vidas Secas – Streaming Globoplay
A clássica adaptação da obra de Graciliano Ramos feita pelo diretor Nelson Pereira dos Santos acompanha uma família pobre que vive em meio à seca no Nordeste e precisa lutar todos os dias por comida e trabalho.
Deus e o Diabo na Terra do Sol – Streaming Telecine Play
Uma das principais obras do movimento conhecido como Cinema Novo, o filme de Glauber Rocha mostra a disputa de um sertanejo contra os latifundiários da região. Inspirado em faroestes, foi o representante do Brasil no Festival de Cannes de 1964.
Aruanda – YouTube
Documentário de Linduarte Noronha faz um registro da vida dentro do quilombo Olho d’Água da Serra do Talhado, na Paraíba, e retrata a produção canavieira na região. O filme de 1959 foi marco importante do estilo documental brasileiro.
Querência – Streaming Netflix
Obra de Helvécio Marins Jr. lançada em 2018 faz parte de uma nova leva de produções que se debruçam sobre as tradições e a vida no campo. Na trama, um vaqueiro que usa o tempo livre para fazer o que ama: ser locutor de rodeios.
O Mineiro e o Queijo – Streaming Vivo Play (para alugar)
Como o nome já indica, este filme de Helvécio Ratton lançado em 2011 se propõe a registrar a produção artesanal de queijos em Minas Gerais, um patrimônio nacional, e como mais de 30 mil famílias vivem dessa tradição até hoje.
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