A PASSARELA É VERDE

Grifes nacionais lançam coleções concebidas a partir do couro vegano, uma tendência que começa


Edição 39 - 29.10.23

Grifes nacionais lançam coleções concebidas a partir do couro vegano, uma tendência que começa a ganhar espaço também nos looks internacionais 

Por César H. S. Rezende 

Design brasileiro” é a frase que acompanha a etiqueta de qualquer produto da Misci. Criada em 2018 pelo estilista Airon Martin, a marca tem no Brasil e, sobretudo, na sustentabilidade a sua fonte de inspiração. Tome-se como exemplo a sua nova coleção, lançada em junho de 2023 na Pina Contemporânea, prédio recém-inaugurado da Pinacoteca de São Paulo. As jaquetas, calças e blazers expressam, segundo Martin, “questões como desmatamento e reflorestamento, destacando a necessidade de resgate da latinidade como forma de reparação”. Foi nessa linha que um dos looks mostrados na passarela chamou a atenção: uma maxifolha em tom terroso, que rapidamente se tornou um dos produtos preferidos pelos consumidores da marca. 

Também chamada de “BeLeaf”, a maxifolha é um couro vegano produzido pela Nova Kaeru, empresa brasileira de couros sustentáveis. O produto apresenta propriedades semelhantes ao couro animal, como resistência, durabilidade e toque macio. “Não é a transformação de fibras vegetais em um composto sintético assemelhado ao couro”, diz Eduardo Filgueiras, sócio-diretor da Nova Kaeru. “Na verdade, é a própria folha, como ela existe na natureza, colhida do pé da orelha-de-elefante, normalmente usada em paisagismo.” 

A orelha-de-elefante é uma planta robusta e de crescimento rápido. Pode atingir até 3 metros de altura, com folhas que podem medir até 1 metro de comprimento. As folhas são largas e arredondadas, com um tom verde-escuro brilhante. Por ser uma planta tropical, a folha prefere ambientes quentes e úmidos, em solo fértil e bem drenado. A rega deve ser abundante, mas sem encharcar o solo. “É uma planta de beira de rios e matas”, diz Filgueira. “Entre as técnicas agrícolas que testamos, sobressaiu-se a agricultura regenerativa. Apostamos na plantação entre bananeiras, mamões e árvores nativas.” 

Além de sua origem natural, o processo fabril que leva à transformação do couro é orgânico. Dessa forma, os resíduos sólidos da fabricação são destinados à compostagem – e, daí, de volta ao campo, nas plantações da própria orelha-de-elefante, como adubo. “A água usada na fabricação do BeLeaf tem gasto mínimo, caracterizando um circuito fechado, de reaproveitamento”, completa o executivo. 

Não foi a primeira vez que uma coleção da Misci foi pautada pela sustentabilidade. Há dois anos, a empresa lançou um chinelo com material conhecido como Therpol, matéria-prima da seringueira, e um composto químico de base alimentar, sem PVC. No caso do uso do BeLeaf, a Misci já vinha testando o material havia um bom tempo.  

Segundo a Misci, a preocupação com o meio ambiente não é uma bandeira levantada apenas por estar em voga. A empresa diz que, desde a sua fundação, tem buscado colocar no foco a flora e a fauna do Brasil. “Nós subestimamos a potência do País em relação à sustentabilidade”, afirma Airon Martin. “Atualmente, estamos fazendo parceria com algumas comunidades na Amazônia, de modo a entender quais possibilidades podemos trabalhar em relação a novos materiais.” 

A valorização da brasilidade não é uma estratégia adotada apenas pela Misci. Marcas como as cariocas Farm e Osklen utilizam a mesma estratégia. Além da estamparia que remete ao Brasil, com cores, flores e frutos tipicamente nacionais, a Farm utiliza uma variedade de materiais reciclados e biodegradáveis em seus produtos, como algodão orgânico, poliéster reciclado e bambu. No caso da Osklen, a conexão com a sustentabilidade se deve ao criador da marca, Oskar Metsavaht, um ativista de causas ambientais.  

A expectativa da Nova Kaeru é de que o couro vegano esteja disponível para mais estilistas e marcas a partir do próximo ano. Marcas de luxo internacionais como Loewe, Louboutin e Christopher Esber já estão usando o couro vegano, em uma tendência que parece irrefreável nestes novos tempos de preocupações ambientais. A moda verde veio para ficar.