Edição 26 - 01.09.21
Foi dada a largada para os ensaios clínicos da ButanVac em pessoas voluntárias. Os testes da nova vacina, desenvolvida pelo Instituto Butantan contra a Covid-19, aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no início de julho, começaram a ser aplicados pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto (SP). Também serão feitos pela Faculdade de Medicina da USP, localizada na capital paulista. São esses ensaios que mostrarão a efetividade do produto e em quantas doses será feita a imunização. O primeiro lote, com 18 milhões de doses da vacina, começou a ser produzido já no final de abril.
Essa boa notícia para a população brasileira que aguarda sua vez de se vacinar – e quer ver a imunização avançar mais rápido – tem relação direta com o agronegócio. Contribuir com a ciência é uma fronteira. A matéria-prima para a fabricação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) é 100% nacional, vem de ovos produzidos em granjas instaladas no interior de São Paulo, exclusivamente dedicadas a este fim, o que garante mais autonomia. O IFA para a ButanVac é obtido por meio de um processo semelhante ao da vacina contra a influenza (combate os vírus H1N1, H3N2 e B). Em um ovo com 10 a 11 dias de vida embrionária, insere-se uma determinada quantidade do patógeno, que infecta as células do embrião e se multiplica. A seguir é retirado o líquido alantoico que envolve esse embrião, já carregado de uma concentração viral. Após uma série de procedimentos, ele se tornará, de fato, o IFA.
“Hoje, recebemos 500 mil ovos por dia para atender as duas linhas de produção, e esse material segue especificações bem rígidas quanto ao controle das aves, das granjas e dos incubatórios”, afirma Douglas Macedo, gerente de Produção da Fábrica Influenza e ButanVac. O Butantan surpreendeu seus fornecedores com o aumento da demanda para atender os dois projetos. Apenas para um deles, a Globoaves, a demanda aumentou em mais de 20 vezes. “O processo da vacina da gripe começa em setembro e vai até abril, e vínhamos fornecendo pequenos volumes, entre 5 mil e 10 mil ovos por dia. Daí, este ano, veio a solicitação de 20 milhões de ovos, volume que entregamos entre abril e junho. Foi um misto de surpresa e orgulho”, diz Roberto Kaefer, diretorpresidente da empresa, que abastece o
Butantan há 15 anos. Para suprir essa necessidade diária, o Instituto conta com mais duas fornecedoras: Pluma Agroavícola e Novogen Avicultura.
Esse meio milhão de ovos rende 6 mil litros do líquido alontoico, volume que passa por diluição e sobe para 8 mil litros. No final do processo, o rendimento é de 3 litros de um material extremamente concentrado. “Esse material também passa por outros procedimentos, inclusive diluição, e conseguimos chegar ao final do lote produtivo com algo entre 180 e 200 litros do IFA”, diz Macedo. Em uma conta mais simples, a expectativa é de que cada ovo entregue ao Butantan renda duas doses da nova vacina contra a Covid-19, ou seja, o total de ovos entregues diariamente pode render 1 milhão de doses.
CONTROLE RIGOROSO
As granjas são exclusivas para atender o Instituto Butantan exatamente porque há exigências bem particulares em relação aos ovos. “Esse controle envolve as condições de alojamento das aves e do incubatório, as linhagens utilizadas, o tamanho e o peso dos ovos, tudo é pensado para a produção da vacina”, comenta Macedo. Essa questão ganha ainda mais relevância para garantir o padrão do material biológico vindo de três empresas diferentes. Há especificações inclusive em relação a nutrientes e medicamentos que devem ou não ser utilizados no manejo dos animais, pois podem impactar no rendimento da fabricação do IFA.
Na opinião de Kaefer, não há setor mais monitorado do que esse dos ovos controlados. Segundo o executivo, além do monitoramento nas duas pontas do processo – na própria empresa e no Butantan –, há inspeções feitas por técnicos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA-SP) e do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Eles vêm até as granjas retirar material para análises, é algo muito sério”, acrescenta. O zelo para manter as instalações livres de qualquer tipo de contaminação envolve até proteção externa. “Todo o cercamento da nossa granja em Itirapina (SP) é feito com uma lâmina de 70 cm para impedir o acesso de roedores.”
A segurança em relação ao manejo nutricional das aves vem de outra parceria de 15 anos da Globoaves, esta com a DSM. A companhia global, com foco em inovações tecnológicas em nutrição, é responsável pelas soluções que contribuem para garantir a qualidade final do produto. Níveis adequados de minerais e vitaminas, por exemplo, asseguram a melhor composição da casca e otimizam a formação vascular do embrião, essencial para sua viabilidade na primeira semana de incubação. “Além de produzirmos esses e outros ingredientes, temos a capacidade de misturá-los da forma que melhor se adéque às necessidades de nossos clientes”, afirma Rodolfo Pereyra, diretor de Negócios para Nutrição e Saúde Animal no Brasil, Paraguai e Uruguai da DSM.
Antes de saírem das granjas, todos os ovos passam pela ovoscopia, uma inspeção visual. O exame é realizado dentro de uma sala escura, com a passagem de uma lâmpada acesa sobre os ovos para avaliar a condição de vascularização, a presença de sujeira ou trincas, conferir se há ou não o embrião, se a câmara de ar está posicionada corretamente. “Quando chegam aqui, fazemos essa mesma avaliação em uma amostragem de 5% da carga total. É uma checagem que ajuda a verificar também a condição do transporte”, diz Macedo.
A logística, aliás, é outro ponto fundamental no controle de qualidade dos ovos. As empresas fornecedoras fazem um cálculo de trás para a frente, contando a partir do dia e da hora em que será feita a inserção do vírus no ovo. “Eles começam a gerenciar o tempo para saber em qual dia vão incubar o ovo e quando vão tirá-lo do incubatório e colocá-lo no caminhão”, comenta o gerente do Instituto Butantan. “Por isso, qualquer oscilação que tenhamos em nossa programação, preciso avisá-los com 15 dias de antecedência.”
O transporte é feito em veículos adequados para garantir segurança e conforto da carga. “Em vez de câmaras frias, os caminhões têm calor, com temperaturas entre 30 e 40 °C. E há todo um controle a ser acompanhado pelo motorista, um relatório completo referente às partes interna e externa, do início ao fim do trajeto”, explica Kaefer. A escolha da localização das granjas no interior de São Paulo é estratégica para ampliar a segurança e reduzir riscos nessa entrega. Macedo afirma que os motoristas costumam sair bem cedo das unidades aviárias, geralmente de madrugada, para que a viagem seja feita de forma bastante tranquila. “Caso venha muito rápido ou ocorram grandes turbulências durante o caminho, pode afetar o embrião, causar algum estresse que prejudica o rendimento.”
Tudo o que sobra dos ovos utilizados para a fabricação do IFA das vacinas passa por um processo de descontaminação e é descartado de maneira adequada. Segundo Macedo, esse material é transformado em pó em outra fábrica, anexa a essa unidade de produção da vacina, e depois encaminhado a uma empresa especializada no gerenciamento desse tipo de resíduo.
PREVENÇÃO DE LONGO PRAZO
Diversas discussões científicas sinalizam que ainda conviveremos com a vacinação contra a Covid-19 por um bom tempo, seja como dose de reforço, seja de forma sazonal. “Até porque há países em processo de iniciar a imunização. Então, o vírus está circulando por aí ainda muito ativo”, comenta Macedo. Até por conta dessa necessidade além das fronteiras do Brasil que o projeto da ButanVac foi pensado considerando a exportação, tanto do IFA quanto da vacina pronta. “Essa é uma possibilidade que se abre quando a população brasileira estiver vacinada.”
Surge aí mais uma oportunidade de mostrar a importância do agronegócio nacional, de suas cadeias produtivas e do universo das inovações científicas. Pereyra, da DSM, comenta que este é um momento especial dentro de outro bem complicado. A empresa não tem uma relação direta com o consumidor final, mas está no meio de uma cadeia produtiva que fornece alimento para a população, um dos motivos pelos quais ela não parou durante a pandemia. “Acionamos nosso sistema de emergência, dos escritórios até as plantas fabris. Fizemos revezamento de turmas, isolamento quando necessário, e conseguimos nos dar bem por causa do engajamento de todas as partes”, afirma.
Diversos grupos da sociedade não puderam mesmo interromper suas atividades, para que o País continuasse a rodar. É exatamente o caso do agronegócio, que assegura a chegada da comida à mesa da população brasileira – e de vários outros países – e tem também muita gente na linha de frente. “Ainda há uma boa parte da população que não está vacinada, e as pessoas precisam sair para que o negócio não pare em muitos segmentos. Estão fazendo um sacrifício, se expondo para manter o mínimo funcionando, e devem ser ressaltadas”, acrescenta Macedo, do Instituto Butantan.
ETAPAS DE PRODUÇÃO DO IFA – VACINA BUTANVAC
- Recebimento e descarregamento dos ovos
- Controle da qualidade dos ovos
- Inoculação do vírus e incubação
- Coleta do líquido alantoico
- Processo de purificação do produto
- Inativação
- Filtração e acondicionamento em câmara fria
- Envio para o prédio de formulação e envase
Fonte: Portal do Governo do Estado de São Paulo
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