Edição 26 - 01.10.21
Cultivar pasto é como produzir grãos, precisa aproveitar bem a área de pastagens. Para o pecuarista de leite, esse cuidado pode significar mais rentabilidade em um negócio mais sustentável
Por Romualdo Venâncio
O Brasil tem vocação para a criação de gado a pasto, tanto pelos fatores naturais, como o clima tropical que favorece o desenvolvimento das gramíneas, quanto por aqueles aprimorados a partir da ciência, como o melhoramento genético das plantas e dos bovinos. No caso da pecuária leiteira, esse potencial tem ainda uma vantagem estratégica, porque permite a produção de matéria seca em volume e qualidade suficientes para qualquer tamanho de fazenda. Mas há desafios importantes a serem superados para que tais benefícios possam ser aproveitados plenamente. “É preciso aprender a manejar o pasto”, alerta André Novo, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste. “Gramíneas crescem muito rápido, então é fácil perder o ponto de colheita”, acrescenta.
A “colheita” do capim, no caso, é o próprio pastejo das vacas. “Quando o pecuarista tem o pasto bem manejado, não precisa de maquinário, cortar o capim e plantar todo ano”, diz André Novo. Dessa forma, elimina também a necessidade de transporte e armazenagem do capim, o que contribui para a redução de custo. O animal colhe a produção direto no pasto e o estoque está na própria terra, dentro dos piquetes. A eficiência desse processo está diretamente relacionada à precisão no controle da entrada do gado no piquete, do tempo de permanência ali e da hora de ser retirado.
Uma boa maneira de fazer a gestão da taxa de lotação dos pastos e dessa logística do rebanho pelos piquetes é mantendo o monitoramento permanente. O acompanhamento pode ser feito por observação, pelo limite do número de dias e até com dispositivos específicos, como a régua de manejo de pastagens desenvolvida pela Embrapa. “O capim cresce diferente a cada semana, ainda mais no verão, com chuva e boa iluminação. Então o produtor precisa estar no pasto semanalmente para avaliar”, diz André. Esse cuidado com as pastagens envolve ainda a preparação do solo, feita com a adubação correta, a escolha da gramínea mais adequada àquela área, a logística e o conforto dos animais. “O sol é muito amigo do pasto, mas nem tanto das vacas, que acabam tendo de pastejar nos períodos mais frescos do dia”, explica o pesquisador.
TECNOLOGIA NA PRÁTICA
Outro desafio para que as técnicas de produção de leite a pasto sejam utilizadas corretamente, e gerem assim os resultados esperados, é garantir a transferência de tecnologia. Ou seja, levar treinamento ao campo de forma que o conhecimento seja implementado na prática, e da forma adequada. André Novo comenta que em relação à difusão de tecnologia, a etapa anterior nesse processo, há muitas ações sendo feitas por meio de palestras, cursos e outros eventos, em um movimento coletivo e até social.
O Programa Balde Cheio, da Embrapa, é uma iniciativa que junta essas etapas e fecha o ciclo de aplicação das boas práticas pecuárias – vai do desenvolvimento da pesquisa à aplicação no campo. “Temos mais de 180 parcerias no Brasil todo, com pequenos laticínios, sindicatos rurais e outras entidades. A gente vai até lá e treina o técnico que vai multiplicar esse conhecimento. Mas ele precisa entender um pouco de gestão e do sistema produtivo”, afirma.
O conhecimento sobre gestão é essencial em todas as áreas da fazenda, mas vale ressaltar que é igualmente importante para administrar as etapas de evolução do negócio. De maneira geral, o Balde Cheio atende pecuaristas com áreas menores e que conseguem intensificar a produção no mesmo espaço após aplicar as orientações do programa. Em outras palavras, a taxa de lotação aumenta, e esse maior volume de animais por hectare pode demandar uma revisão da infraestrutura. “Às vezes o produtor faz o manejo do pasto com cerca elétrica, trabalhando com um equipamento mais simples, que funciona bem, tem bom aterramento. Mas com um número maior de vacas pode ser insuficiente, e ele insiste em manter esse mesmo dispositivo”, comenta.
A cerca elétrica é uma das ferramentas que podem contribuir para que a produção de leite a pasto seja mais eficiente, tanto do ponto de vista produtivo quanto de rentabilidade, independentemente do tamanho da propriedade. Para Ernesto Coser Netto, médico veterinário, gerente comercial da Datamars S.A. no Brasil e um entusiasta dessa tecnologia, é possível e necessário evitar que o gado escolha onde pastejar. Segundo ele, é o pecuarista quem define e direciona os animais para o local correto, evitando desperdícios e garantindo o máximo aproveitamento das gramíneas. “O produto de quem planta soja é o grão, e o de quem planta pasto é a folha. Não se desperdiça grãos como acontece com as folhas”, diz Ernesto. “Se tem pasto rapado ou passado na fazenda, é porque o gado está controlando e não os gestores.”
O MELHOR DOS MUNDOS
Há anos Ernesto roda o País difundindo e defendendo os benefícios da produção de leite a pasto para a pecuária nacional, e o impacto da tecnologia de cerca elétrica para a gestão das pastagens. O veterinário faz questão de dizer que nada tem contra os sistemas produtivos com o gado confinado, com a alimentação baseada em ração, mas acha inadmissível o Brasil desperdiçar pasto. “Mesmo em fazendas tecnificadas encontramos situações de baixa eficiência de pastejo”, diz. “Em muitos casos, essa falha do pasto mal manejado acaba sendo corrigida com suplementação.”
Muitas fazendas brasileiras têm como modelo de produção os sistemas de confinamento utilizados em diversas partes do mundo, principalmente nos Estados Unidos, Canadá e alguns países da Europa. São projetos com vacas de raças de origem europeia, de alto potencial produtivo e criadas em galpões, geralmente free stall ou compost barn, e que exigem cuidados especiais em relação a conforto, sobretudo o térmico.
Essa escolha, claro, é definida de acordo com o plano de negócio de cada empresa, com os objetivos de cada empreendimento. O Grupo Sekita (São Gotardo, MG), por exemplo, que está na segunda temporada da série Top Farmers da PLANT PROJECT, passou a investir em um rebanho leiteiro muito mais por conta dos dejetos que coletaria dos animais, com o objetivo de reduzir os custos de fertilizantes em suas atividades agrícolas, do que pela produção de leite em si. No ano passado, a empresa coletou quase 25,3 milhões de litros, e apareceu no Levantamento Top 100 Milkpoint como terceira maior produtora de leite do Brasil.
Esse é um grande diferencial do desenvolvimento da pecuária de leite no País: há condições para se aproveitar o que há de melhor nos principais sistemas de produção do mundo. Desde os confinamentos dos Estados Unidos, o maior produtor global, até o pastejo intensivo da Nova Zelândia, o país que mais exporta leite no mundo. O modelo neozelandês, inclusive, já vem sendo replicado em fazendas brasileiras, seja trazido pelos nativos que vieram investir aqui, seja adotado pelos produtores nacionais. “O Brasil pode utilizar os dois modelos, pois temos grãos, clima tropical e muitas áreas. Rodando pelo País, encontramos fazendas com galpões melhores do que os dos norte-americanos, mas não tão bem-estruturados como os da Nova Zelândia”, compara Ernesto.
Para o veterinário, a produção de leite a pasto no Brasil poderia ser tão eficiente quanto no país da Oceania, ou até mais, considerando as diferenças entre um país tropical e outro de clima temperado. “Temos mais tempo de luz do sol do que eles, e em todo o País, uma condição melhor de produzir comida para o gado. Sabemos tudo sobre pastejo, sabemos corrigir solo, melhorar plantas e animais, só não estamos tendo sucesso nesse manejo”, diz Ernesto. A análise ganha destaque diante do quadro atual em relação ao custo de produção, com o aumento dos preços dos grãos. De acordo com levantamento do Centro de Inteligência do Leite da Embrapa Gado de Leite, o índice de custo de produção de leite (ICPLeite/ Embrapa) mostra alta de 39% nos últimos 12 meses, contados a partir de junho, quando o estudo foi concluído. Nesse mesmo período, o custo do concentrado (ração) aumentou 68%.
SUSTENTABILIDADE
O manejo correto e eficiente das pastagens na pecuária leiteira tem ainda um benefício ambiental. O motivo mais evidente é o aumento da produtividade, com mais animais na mesma área e, consequentemente, maior volume de leite produzido por hectare. Ou seja, menor necessidade de abertura de novas áreas para expansão da atividade. A associação co m outras tecnologias pode trazer ainda ganhos mais expressivos. “Quando se tem um pasto bem manejado, o número de raízes é muito grande e o acúmulo de carbono no solo torna-se muito significativo, e profundo”, afirma André Novo, da Embrapa. “No ILPF [Integração LavouraPecuária-Floresta], por exemplo, melhora muito.”
Muito tem se falado sobre a recuperação de áreas de pastagens degradadas como uma forma de aumentar os níveis de sustentabilidade da agropecuária nacional. E alguns estudos já demonstram que há mudanças positivas em relação a esse tema. O Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig/UFG) realizou um estudo que mostra redução de 26,8 milhões de hectares de pastagens degradadas, entre 2010 e 2018, em áreas onde foi adotado o Plano ABC (Plano Nacional de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono). Esses dados referem-se à pecuária como um todo, envolvendo leite e corte.
A recuperação de pastagens também pode ser avaliada em ganhos financeiros. De acordo com o estudo Retomada Verde Inclusiva, realizado pelo Instituto ClimaiInfo, com apoio do Observatório do Clima e GT Infraestrutura, a degradação dos pastos em todo o País representa prejuízos de R$ 9,5 bilhões. Este é o valor que seria necessário para recuperar, até 2030, os cerca de 72 milhões de hectares de pastagens em estado agudo de degradação ou que precisarão de medidas de recuperação nos próximos três anos.
Ernesto Coser Netto, da Datamars, acredita que todos esses benefícios do processo de recuperação de pastagens poderiam ser mais bem aproveitados se a prevenção se tornasse uma prioridade. “E se evitássemos que ocorresse a degradação dos pastos?”, questiona.
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