Campo iluminado

Ampliação do Mercado Livre de Energia, com acesso também para consumidores de média tensão, cri


Edição 42 - 12.05.24

Ampliação do Mercado Livre de Energia, com acesso também para consumidores de média tensão, cria oportunidades para diferentes áreas do agronegócio 

Por Romualdo Venâncio 

No final da década de 1990, o processo de privatização deu início a uma grande transformação no sistema de telefonia do País. A mudança trouxe descentralização da prestação de serviços, incentivo à concorrência, avanços tecnológicos, benefícios e estímulo a investimentos. Segundo a Conexis Brasil Digital, entidade que reúne as empresas de telecomunicações e conectividade, o setor recebeu, entre 1998 e o primeiro trimestre de 2023, R$ 1,036 trilhão em recursos. Esse é um exemplo do que pode ocorrer também com o mercado nacional de energia elétrica.  

A perspectiva tem se fortalecido porque, no dia 1º de janeiro deste ano, entrou em vigor a Portaria 50/2022, do Ministério de Minas e Energia (MME), que permite a migração de consumidores de média tensão para o Mercado Livre de Energia (MLE), também chamado de Ambiente de Livre Comercialização (ALC).  Na prática, consumidores de energia elétrica de alta e média tensão podem deixar o mercado cativo, no qual a venda da eletricidade e do serviço de abastecimento é feita direta e exclusivamente pelas distribuidoras de energia. No MLE, os clientes escolhem de qual comercializadora vão comprar a eletricidade. O fornecimento, registre-se, continua sob responsabilidade das distribuidoras.  

A abertura possibilita encontrar o melhor negócio, tanto do ponto de vista de custo, que pode ser reduzido em até 40%, quanto da adequação do contrato, com negociações sob medida. Além disso, pode-se optar pela compra de energia de uma fonte 100% renovável, fator que ajuda a iluminar o caminho das metas de sustentabilidade. Estima-se que a alteração permita que 72 mil unidades consumidoras ingressem no mercado livre, entre os quais encontram-se proprietários de comércios e empresas de pequeno e médio portes. Esse grupo engloba também pequenos e médios produtores rurais, além de outras áreas do agronegócio. 

Embora tenha sido bem recebida por quem tem envolvimento direto com o setor de energia elétrica, a notícia chegou com bastante atraso. O Mercado Livre de Energia existe no Brasil desde 1995, e a expectativa era de que dali a oito anos todos os consumidores poderiam acessá-lo, inclusive os de baixa tensão. Ou seja, o plano estaria concretizado já em 2003. Mas isso não ocorreu. “Segundo o Ministério de Minas e Energia, é factível que a abertura total ocorra em 2030, mas nós acreditamos que é possível já em 2026”, afirma Luiz Fernando Leone Vianna, vice-presidente Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia. 

Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel) mostrou que empresas dos setores rural, comercial e industrial poderiam reduzir em até R$ 10,7 bilhões por ano seus custos com eletricidade. Os três segmentos reúnem aproximadamente 11 milhões de unidades consumidoras, das quais 4,5 milhões estão no meio rural. Para esse grupo específico, a economia seria de R$ 2,8 bilhões por ano, em comparação com os custos atuais com eletricidade. 

Enquanto o cenário não se concretiza, é fundamental conhecer as condições e as vantagens trazidas pelo Mercado Livre de Energia. Uma das mais relevantes é a customização. “O agricultor poderá buscar soluções de comercialização de energia da mesma maneira que procura soluções de insumos agrícolas, como os defensivos”, diz Vianna. O executivo chama a atenção para a possibilidade de contratar energia elétrica de acordo com o ritmo de produção. “Uma queijaria, por exemplo, que tenha maior ou menor produção, dependendo do período, pode definir a compra da energia elétrica a partir dessa demanda”, afirma o executivo. “A questão da sazonalidade no agronegócio combina muito com o comércio customizado.” 

Vianna está familiarizado com o setor. Até porque, desde 2008, o Grupo Delta atua também no segmento de etanol, com uma unidade de armazenamento do combustível em Ribeirão Preto (SP). Em um complexo de 50 mil metros quadrados, a empresa mantém 15 tanques com capacidade total de estocagem de 96 milhões de litros. Em 2010, com a inauguração da Delta Biocombustíveis, em uma área de 70 mil metros quadrados no município de Rio Brilhante (MS), a companhia passou a contar com a fabricação de 600 mil litros de combustível limpo por dia, a partir de gordura animal e óleo vegetal. Outra unidade, com 50 mil metros quadrados e capacidade total de 1 milhão de litros, começou a operar em 2019, em Cuiabá (MT).  

O acesso do MLE aos consumidores de média tensão reforça a fina sintonia entre o setor de energia e o agronegócio. É o caso da Genial Energy, companhia do grupo Genial Investimentos, que inaugurou um escritório na capital mato-grossense, no final de 2023, com o intuito de ampliar seu atendimento a clientes do agro, segmento no qual já atua há dois anos e meio. Se o MLE já oferece condições de personalizar a comercialização de energia, a Genial Energy pretende ir além. “Queremos que o cliente esteja embarcado no sistema financeiro”, diz Sergio Romani, responsável pela Genial Energy.  “Além de reduzir o custo de consumo de energia, podemos oferecer um seguro para a empresa ou para seus funcionários, a possibilidade de câmbio e outras soluções financeiras. 

O executivo destaca ainda que, ao migrar para o mercado livre, o consumidor se liberta das bandeiras tarifárias, ferramenta criada pelo governo para ajudar a pagar a conta no momento em que o custo de fornecimento é maior. Para Romani, os benefícios da combinação de melhores serviços com menor custo podem se converter em reinvestimento, alimentando um ciclo virtuoso. “Ficamos muito tempo andando de lado no setor elétrico, mas agora vamos dar uma guinada”, diz. “Estamos no momento em que o consumidor será beneficiado.”  

A ampliação do acesso ao Mercado Livre de Energia cria a possibilidade de os produtores rurais recuperarem o benefício conquistado em 2013, conhecido como Tarifa Rural. A iniciativa criada pelo governo federal à época garantia um desconto de até 30% na conta de energia. Contudo, o Decreto federal nº 9.642, de dezembro de 2018, eliminou o subsídio tarifário. “Com o MLE, será possível retomar essa economia”, afirma Fábio Marcelino gerente comercial da Raízen Power. “Poderemos desenvolver soluções para o fornecimento de energia de forma personalizada.”  

A explicação do executivo é sustentada pelo vínculo que a empresa tem com a produção rural. Criada em 2023, a Raízen Power é o braço da Raízen no segmento de energia, e surgiu exatamente para reforçar a atuação da companhia no setor. A ampliação dos negócios começou a se concretizar, de maneira mais abrangente, em 2018, quando a Raízen comprou 70% da comercializadora de energia WX Energy. “No ano passado, o que fizemos foi apresentar uma nova marca, pois a atuação no setor já existia”, diz Marcelino. “A Raízen atua no segmento de energia elétrica desde a sua fundação, gerando eletricidade a partir do bagaço de cana-de-açúcar.”  

A gigante do setor sucroenergético vem há tempos se preparando para a abertura do mercado livre, e não apenas para a mudança que entrou em vigor no início deste ano. A meta da companhia é alcançar, até 2030, 10% de market share em todo o MLE, oferecendo energia limpa e barata. “Por isso, investimos tanto no segmento e na construção de um portfólio cada vez mais amplo”, afirma o profissional da Raízen Power. Ele faz questão de reforçar o conceito de que o entendimento e a transparência da comercialização têm fundamental importância no processo de evolução da abertura do MLE. De acordo com o executivo, o Brasil já tem uma boa infraestrutura, tem avançado no quesito regulamentação, mas precisa garantir a conscientização do consumidor de que há outras opções de consumo de energia limpa e renovável.  

Esse entendimento passa por uma comunicação específica para cada grupo de consumo, com linguagem adequada sobre a comercialização e o produto. Da mesma forma que é feita a negociação, atendendo às peculiaridades de cada demanda. “O consumidor vai passar a ter uma fatura de energia elétrica, e não apenas uma conta de luz”, diz Marcelino. Não há dúvida: daqui por diante, o agronegócio brasileiro ficará cada vez mais iluminado.