28.11.16
Uma visita especial a oito vinícolas do sul da França, de onde saem as melhores e mais famosas safras de rosé do planeta
Por Simone Amorim, da Provence – França
Há aproximadamente 2 mil anos, quando o Império Romano chegou ao sul da França (região que na época tinha o nome latino de Provinciae e hoje é conhecida como Provence), o regime dos Césares descobriu que as tribos locais produziam vinho desde seis séculos antes, graças aos ensinamentos de colonizadores gregos que desembarcaram na cidade portuária de Marselha.
Parece uma das histórias do personagem Astérix, herói dos quadrinhos que não se cansa de enaltecer as glórias da Gallia (como o país foi batizado pelos romanos). Mas é a pura verdade. Como mostra o painel na entrada da vinícola Domaines Ott, faz 2.600 anos que esses irredutíveis gauleses fermentam uvas e engarrafam uma das bebidas mais apreciadas em todo o mundo. No último verão europeu, PLANT esteve em oito châteaux e domaines da Provence para revelar alguns segredos desses famosos rosés.
A França é um dos maiores produtores de vinho e sempre se destacou por seus champanhes, bordeaux e borgonhas, entre muitas “marcas” bastante reconhecidas. Após a década de 1970, com o boom turístico da Riviera (Saint-Tropez, Cannes, Nice), os rosés voltaram à cena. E, desde então, eles vêm conquistando cada vez mais mercado. Em 2005, as 582 vinícolas da Provence (das quais, 61 cooperativas) exportaram 8 milhões de garrafas – número que saltou para 31 milhões no ano passado. Outros 143 milhões de unidades são vendidas e bebidas em território francês (em 1990, os rosés representavam 10% do consumo no país e, hoje, somam 31% – quase um terço).
Turismo e vinhos
Por ano, 8,1 milhões de hectolitros são produzidos nos pouco mais de 200 quilômetros que separam o Mar Mediterrâneo dos Alpes (o equivalente a 36% do total mundial). Em 2015, o preço médio da garrafa para os distribuidores ficou em € 4,20 (ante € 1,98 dez anos antes). O turismo tem papel significativo nesse contexto: estudo da Wine Intelligence aponta que 84% das pessoas que visitam as caves levam vinhos para casa. No ano passado, 30 milhões de garrafas foram comercializadas diretamente ao consumidor final, o que equivale a 17% das vendas.
São três as sub-regiões que garantem o direito de usar a expressão Appellation d’Origine Contrôlée e a sigla A.O.C: Côtes de Provence (73,5% do total), Coteaux-d’Aix-en-Provence (16,5%) e Coteaux-varois-en-Provence (10%). Como todos os grandes vinhos, o sucesso dos rosés provençais depende de três fatores: o solo, o clima e as habilidades dos vinicultores. No caso do solo, há quatro formações geológicas principais: os contrafortes de arenito argilosos de Sainte-Victoire, o planalto de calcário de Haut-Var, o bloco arenoso ao redor do Massif des Maures e a área de granito ao longo da costa.
O clima favorece a vinificação por cinco motivos bem conhecidos: os invernos são suaves (para os padrões europeus, é claro), a variação de temperatura entre o dia e a noite é grande, chove pouco (em geral, nos meses de primavera e outono), a média de sol chega a 3 mil horas por ano e o mistral (vento que sopra do continente para o Mediterrâneo) reduz a umidade dos parreirais e, com isso, mantém os cachos saudáveis com um mínimo de tratamentos químicos.
Habilidades dos produtores
Por fim, as habilidades dos produtores vêm sendo aprimoradas há mais de dois milênios. Nos châteaux tradicionais, os ramos são limpos manualmente, a coleta (também manual) é feita sempre nas horas mais frescas do dia e a prensa e a maceração merecem controle total de temperatura. As uvas usadas nos rosés da Provence são das variedades grenache (garante corpo e amplitude à bebida), cinsault (leveza), carignan (acidez) e mourvèdre (aroma). Elas servem de base para tintos, mas, neste caso, são misturadas em diferentes porcentagens e composições.
Após a trituração, o suco (incolor) e as cascas (que contêm pigmentos naturais concentrados) não podem ficar muito tempo em contato. É essa delicada fase que define a intensidade e o brilho da cor (do rosa pálido ao rosa claro), o sabor frutado e os aromas florais e de especiarias e ervas que caracterizam esses grandes vinhos (leia sobre cada uma das vinícolas visitadas na reportagem nas legendas que acompanham as fotos).
Com teor alcoólico que oscila de 13 a 16 graus, eles devem ser degustados jovens, a temperatura entre 8 e 12 graus, para acentuar sua acidez e vivacidade. E, como uma boa taça pede uma boa comida, a harmonização se faz com pratos típicos da região: bouillabaisse e bourride (sopas de peixes e frutos do mar), aïoli (maionese à base de alho e azeite de oliva), carré de cordeiro, vitela assada, camarões grelhados e foie gras.
Além disso, graças à mescla do componente ácido dos brancos com os aromas e taninos dos tintos, os melhores exemplares engarrafados na Provence são conhecidos por combinar com ingredientes que, normalmente, “não se casam com o vinho”: alcachofras, azeitonas, sardinhas, espinafre e entradas com sabores picantes. Saúde!