OS SEGREDOS DA ANDALUZIA

Na histórica região espanhola onde são feitos os vinhos Jerez, a dupla conhecida como Equipo Nava


Edição 41 - 21.04.24

Na histórica região espanhola onde são feitos os vinhos Jerez, a dupla conhecida como Equipo Navazos inova ao apostar na qualidade de barris individuais e explorar o terroir local 

Por André Sollitto

A comunidade da Andaluzia, no Sul da Espanha, onde ficam as províncias de Sevilha, Málaga e Cádiz, é um importante polo econômico do país. A região concentra 70% da produção de azeite nacional, mas também é conhecida pelas ricas lavouras de arroz, trigo e frutas e pela pujante atividade pecuária. Além disso, suas jazidas de chumbo, cobre, ferro, quartzo, prata e mármore geram bilhões de euros em faturamento para mineradores. Apesar de todos esses atributos, o que tornou a Andaluzia famosa é sua produção de Jerez, um dos vinhos mais cobiçados do planeta. 

A história dos vinhos locais é quase tão antiga quanto a ocupação da Andaluzia – a bebida é produzida na região desde a época dos fenícios, há cerca de 3 mil anos. Ao longo dos séculos, os métodos foram sendo aperfeiçoados, e a primeira legislação oficial, que estabelecia regras para o envelhecimento e o cultivo, data de 1483. Embora seja difícil de confirmar, a Valdespino, um dos maiores nomes de Jerez, afirma que suas operações comerciais começaram em 1430. Com isso, é a mais antiga ainda em atuação. Há outros grandes grupos, além de produtores artesanais, concentrados principalmente em duas regiões: Jerez de la Frontera e Sanlúcar de Barrameda, mais próxima do mar.  

Os vinhedos da Andaluzia, plantados exclusivamente com três variedades – Palomino, Moscatel e Pedro Ximenez (PX) –, desfrutam de vantagens ambientais e geográficas. O clima na região é ameno, com temperaturas mais altas, mas a proximidade do oceano fornece as condições ideais de umidade. Os solos são formados majoritariamente por uma variedade de calcário conhecida como albariza, de tonalidade branca, que facilita a absorção de água e favorece o desenvolvimento das raízes das videiras. Elas são cultivadas em modelo de treliças, o que contribui para a boa saúde das plantas. Uma vez que as melhores uvas são colhidas, a segunda parte do trabalho começa.  

É na adega que a mágica acontece. O processo de evolução biológica usado na produção dos vinhos envolve o chamado véu de flor, uma camada de leveduras que protege a bebida da oxidação e impede que o vinho vire vinagre. Ele é obtido ao preencher os barris com até cinco sextos de sua capacidade, mantendo uma pequena quantidade de oxigênio dentro. No caso do Manzanilla, o véu perde força e o vinho passa por um leve processo de oxidação. Já o Amontillado é um Fino que perdeu a flor e foi novamente fortificado antes de envelhecer por uma década. 

O processo de envelhecimento em barris de carvalho americano também é complexo. Os produtores armazenam os barris em fileiras – geralmente são três, mas podem chegar a 12. A camada de baixo é conhecida como “solera”, enquanto as de cima são as “criaderas”. No momento de engarrafar, o líquido da solera é retirado, padronizado e colocado em garrafas. A fileira de baixo, então, recebe o líquido da primeira criadera logo acima, e assim por diante. O processo é contínuo, o que permite uma padronização eficiente e a manutenção da qualidade mesmo em grandes quantidades. É por isso que produtores responsáveis por grandes volumes, como a própria Valdespino e a Tio Pepe, dois dos nomes mais populares da região, entregam rótulos de alto padrão, mesmo colocando no mercado milhões de garrafas por ano. 

Entender esse complexo sistema é fundamental para perceber que há uma revolução em curso, encabeçada pela dupla Jesús Barquín, professor de criminologia apaixonado por vinhos, e Eduardo Ojeda, ex-diretor técnico da Valdespino. Juntos, são conhecidos como Equipo Navazos. A grande sacada dos dois foi perceber o potencial dos barris individuais. Em vez de padronizar e engarrafar, eles compram barris especiais de produtores parceiros, e fazem edições limitadas, identificadas por números. Segundo eles, a posição na adega, dentro do sistema de solera, influencia a bebida final. É uma visão mais ampla sobre o potencial do terroir de Jerez, não limitado apenas ao solo onde o vinho foi produzido, mas que leva em conta também a maneira como amadureceu em um local específico dentro da sala de barricas.  

Aos poucos, a dupla foi expandindo a oferta. Há, claro, diferentes estilos clássicos de Jerez, como Amontillado e Fino, mas também uma linha de vinhos não fortificados feitos com as variedades emblemáticas da região, como Palomino e Pedro Ximénez. Registre-se também a produção de espumantes elaborados com Chardonnay, uma das uvas clássicas usadas em Champagne, e Xarel-Lo, variedade que entra na composição dos espumantes espanhóis de Cava. Nos últimos anos, Barquín e Ojeda têm lançado alguns rótulos que refletem a qualidade individual de vinhedos da região – são os chamados “crus de Jerez”, como Pago Miraflores La Baja. Alguns dos rótulos da Equipo Navazos são importados para o Brasil pela Cave Léman, por preços entre R$ 172 e R$ 871. 

Mergulhar na riqueza vinícola da Andaluzia não é tarefa fácil. As variedades tradicionais de Jerez são bastante complexas, e os aromas provenientes do processo de oxidação são muito diferentes e podem surpreender até mesmo os enófilos. Por isso, mesmo sendo tão antigo, o Jerez ainda é visto como “novidade” em cartas de restaurantes e nos catálogos das importadoras. Para divulgar os vinhos da Andaluzia, existem eventos globais, como a Sherry Week, realizado frequentemente no Brasil, que reúne degustações, aulas e outras iniciativas. A proposta é mostrar a versatilidade desses vinhos e seu enorme potencial de harmonização. 

 

Os tipos de Jerez 

Conheça as variedades produzidas na região 

 

– Fino 

Variedade de vinho branco e seco feita com a uva Palomino. Deve ser envelhecida por no mínimo dois anos, mas é geralmente engarrafada após sete anos de maturação. 

 

– Manzanilla 

Embora tecnicamente idêntico ao Fino, o vinho Manzanilla é produzido exclusivamente na região de Sanlúcar de Barrameda, mais próxima do mar, e o clima costeiro torna os rótulos mais leves.  

 

– Amontillado 

É um vinho envelhecido por mais tempo, exposto ao oxigênio, após o fim do processo de desenvolvimento, conhecido como “véu de flor”.  

 

– Palo Cortado 

As regras para o Palo Cortado são ambíguas. É um meio-termo entre um Amontillado e um Oloroso, mas não há legislação específica. Em comparação com um Amontillado, passa menos tempo sob o véu de flor.  

 

– Oloroso 

É feito a partir da seleção de uvas menos delicadas que as usadas no Fino. É envelhecido sem o véu de flor, de forma oxidativa, e fortificado até atingir 17° ou 18° de álcool.  

 

– Pedro Ximénez 

Variedade doce, feita exclusivamente com uvas Pedro Ximénez (PX). 

 

– Moscatel 

Variedade doce, feita exclusivamente com uvas Moscatel, colhidas tardiamente e secas ao sol por até três semanas, o que concentra ainda mais os açúcares.  

 

– Cream 

Nome amplo usado para diferentes vinhos doces de Jerez, geralmente produzidos a partir de uma base de Oloroso que recebe a adição de vinhos naturalmente doces, como Moscatel e Pedro Ximénez.