A VEZ DAS MULHERES

Pesquisa mostra o aumento da presença feminina no agronegócio e reforça o papel vital delas na re


Edição 40 - 07.01.24

Pesquisa mostra o aumento da presença feminina no agronegócio e reforça o papel vital delas na renovação do setor 

 

Por Romualdo Venâncio  

Na década de 1960, a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Johanna Döbereiner liderou os estudos que levaram à viabilização da fixação biológica de nitrogênio (FBN) no cultivo da soja, descoberta que mudou a história da produção nacional da oleaginosa. Desde então, a cada safra o Brasil vem economizando bilhões de dólares com fertilizantes químicos, o que abriu caminho para que chegasse ao topo da produção global do grão. Mais do que a contribuição agronômica, Johanna deixou cravada a importância da mulher na pesquisa agropecuária.  

O avanço feminino no agro é um processo irrefreável, inclusive na liderança de diversas instituições ligadas ao setor. A própria Embrapa, um dos órgãos de pesquisa mais importantes do agronegócio no mundo, agora é presidida por uma mulher – Silvia Massruhá assumiu o cargo em 1º de maio de 2023 –, algo inédito em 50 anos de história da instituição. Assim como Johanna e Silvia, há diversos outros exemplos de mulheres que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento do agro nacional. 

Um retrato desse movimento pode ser conferido na segunda edição da pesquisa “Mulheres que Inovam o Agro”, realizada pela AgTech Garage, um dos principais hubs de inovação do agronegócio do País e que pertence à consultoria PwC. O estudo aponta como as mulheres inovam, quais são seus perfis e onde estão. O número de participantes em 2023 – cerca de 800 – é quase sete vezes maior do que o da primeira edição, que foi respondida por 120 mulheres. De acordo com a editora-chefe de Conteúdo do AgTech Garage, Marina Salles, o projeto surgiu pela curiosidade – ou inquietação – de entender a razão de não haver tantas mulheres em cargos de liderança no agronegócio.  

Entre as características que se destacaram nos resultados da pesquisa estão o grau de instrução das participantes: 41,6% têm pós-graduação, enquanto 12,4% possuem mestrado e 10,5%, doutorado. Sobre os campos em que se formaram, a maior parte (35,6%) é de Ciências Agrárias e o segundo grupo mais numeroso, o de Ciências Humanas (32,3%). Em relação às áreas de atuação, as administrativas estão no topo da lista (37%), seguidas por prestação de serviços (34%) e desenvolvimento de tecnologias (22,9%).  

A quantidade de participantes em posição de liderança reflete o que vem ocorrendo com o agronegócio como um todo, ainda que seja significativo o desequilíbrio entre o número de homens e mulheres nessas cadeiras. Das 838 entrevistadas, 21,1% se descreveram como proprietárias ou cofundadoras; 6,6% são diretoras; 10,7% são coordenadoras; e 18,9% ocupam cargos de gerência. A gerente de Marketing para a América Latina da startup Arable, Juliana Chini, reconhece, em sua própria área de atuação, a relevância do mapeamento para que se possa entender melhor quem são essas profissionais. “Se você junta os segmentos agro e tecnologia, a maioria das vagas ainda está ocupada por homens”, diz.  

Oito entre dez mulheres entrevistadas pela pesquisa disseram se sentir acolhidas trabalhando no agronegócio. No entanto, o acolhimento pode ser reflexo de como elas se percebem em relação a outras mulheres. O apoio mútuo, de fato, traz sensação de conforto e segurança. “E também derruba aquele preconceito de que as mulheres são competitivas entre si”, afirma Franciele Trentini, gerente de Inovação da agência OCP Brasil.

A oitava edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agro (CNMA), realizada em São Paulo (SP) nos dias 25 e 26 de outubro, e que reuniu cerca de 3,3 mil participantes, é exemplo dessa integração. As congressistas eram de 26 estados brasileiros, de países como Argentina, Bolívia e Paraguai, além da Europa e América do Norte. O encontro se transformou no maior evento da América Latina voltado às mulheres do setor.  

Na contramão do empoderamento, vem um histórico desafio, e não só do agro, mas da sociedade como um todo. Nove entre dez participantes do estudo já passaram por alguma situação de machismo no ambiente de trabalho. Mais da metade (53,7%) afirmou já ter enfrentado um caso de manterrupting, quando o homem interrompe constantemente uma mulher de maneira desnecessária, impedindo que ela expresse suas ideias. O termo é a soma das palavras em inglês man (homem) e interrupting (interrupção).  

Diversas outras atitudes machistas foram citadas nas respostas, a despeito do grau de instrução, tamanho da corporação, elo da cadeia ou posição hierárquica. A identificação do problema só foi possível porque houve um cuidado na forma de abordar o tema. Principalmente, explicando de forma clara o que e como são esses comportamentos. “Foi um ponto vitorioso nessa edição”, diz Marina Salles. “Procuramos explicar melhor os problemas para que fossem reconhecidos.”  

Como outros preconceitos, o machismo está presente na sociedade de forma estrutural. Em muitos casos, nem é entendido como tal. “Infelizmente, há homens que não sabem que estão cometendo machismo e mulheres que não reconhecem a situação”, afirma Juliana Chini. Ela diz que não percebia as atitudes preconceituosas no início de carreira. A situação mudou. Hoje em dia, não aceita ouvir comentários considerados machistas. Mais que isso, conversa a respeito. “Falo que me senti ofendida e alerto que outras mulheres podem se sentir dessa forma também”, diz. 

 As empresas estão atentas às mudanças da sociedade. “Deixamos muito claro em todos os nossos treinamentos que não toleramos assédio ou discriminação”, diz Simone Beier, diretora de Recursos Humanos da americana Cargill, uma das maiores empresas de alimentos do mundo. Para que haja a devida compreensão do cenário, a companhia investe em políticas de orientação, educação e conscientização. Simone chegou à empresa em 2016 e foi quem liderou a criação de um comitê de diversidade. “Já havia algumas estratégias globais nessa direção, com mais força nos Estados Unidos, mas no Brasil eram iniciativas isoladas”, afirma. 

A preocupação passa também pelas metas globais da empresa. Uma delas, assumida em 2015, é atingir a paridade em termos de participação de homens e mulheres em cargos de liderança até 2030. No Brasil, a presença feminina entre as lideranças chega a 36%. No geral, entre os 11 mil funcionários, é de 34%. Nas áreas funcionais – como departamentos jurídico, financeiro e centro de serviços –, essa divisão já está muito próxima da paridade. “Temos desafios ainda nos setores de operações e comerciais”, diz a executiva. “São frentes em que criamos ações específicas tanto para contratação quanto para desenvolvimento.” A boa notícia é que, de fato, as mulheres estão cada vez mais presentes no agronegócio. Isso é ótimo para o setor, mas melhor ainda para toda a sociedade.