INSPIRAÇÃO BRASILEIRA

Chefs internacionais mergulham na citricultura paulista em busca de referências para receitas que c


Edição 38 - 08.10.23

Chefs internacionais mergulham na citricultura paulista em busca de referências para receitas que combinam sabor intenso e sofisticação

Por André Sollitto

As estufas e os campos da fazenda D.R.O Ervas e Flores, em Cerquilho, no interior paulista, abrigam um verdadeiro tesouro gastronômico. No local, é possível encontrar hortaliças variadas, de azedinha a mostarda, ou flores como a clitoria, muito procurada pela coquetelaria por conferir uma coloração azul aos coquetéis.

Nos últimos anos, a propriedade também se tornou conhecida pelas variedades incomuns de frutos, como o limão yuzu, muito utilizado na gastronomia asiática, ou o raríssimo limão-caviar, que não tem suco, mas é recheado de pequenas esferas, semelhantes a ovas de peixe, que explodem na boca. “Importamos as primeiras mudas da Austrália, em 2004, e fizemos os microenxertos iniciais em tubos de ensaio”, afirma Deborah Orr, dona da D.R.O. A árvore pode levar até 15 anos para produzir frutos maduros, e cada pé rende cerca de 800 gramas de limão-caviar por ano. Hoje em dia, Orr é a fornecedora de hortaliças e saladas para diversos restaurantes do estado, como os premiados D.O.M. e o Maní.

A produtora também foi responsável por acolher um grupo de chefs internacionais que veio ao Brasil para fazer uma imersão no plantio do limão. Convidados pela Krug, uma das principais Maisons produtoras de espumantes na região de Champagne, na França, eles colocaram o pé na terra para se inspirar e criar receitas que tinham o limão como base, mas que possuíssem como característica o potencial de harmonização com o rótulo produzido naquele ano. O projeto, chamado Single Ingredient, está na oitava edição e já contemplou cebola, pimenta, peixe, cogumelos, ovos, batatas e tomates.

No ano passado, o escolhido foi o arroz. O limão é a primeira fruta escolhida. Entre todas as variedades disponíveis, o que despertou o fascínio dos chefs foi o limão-cravo, também conhecido como caipira. Não se sabe sua origem com precisão, mas acredita-se que é um híbrido entre tangerina e limão que veio da Índia.

Na citricultura paulista, é muito difundido por causa de sua natural resistência à seca e pela alta produtividade que confere às plantas. Sua folha é utilizada como tempero e seu abundante suco pode temperar saladas. Além disso, o limão-cravo vai bem com caipirinhas ou pode ser tomado puro. “Os chefs ficaram loucos quando viram o limão caipira”, diz Orr. Embora seja encontrada com facilidade nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, essa aromática e saborosa variedade é praticamente desconhecida na Europa e na América do Norte.

Além dos chefs responsáveis pelos restaurantes que compõem as chamadas Embaixadas Krug, como o brasileiro Orlando Melo, do Kinoshita, a excursão trouxe ao País Julie Cavil, chef de cave da Krug e responsável por elaborar o blend anual do principal rótulo da Maison. Trata-se de um processo altamente artesanal que envolve a prova de centenas de vinhos produzidos a cada ano, além de amostras da biblioteca de safras anteriores que a Krug mantém.

A prática é adotada por todas as principais vinícolas de Champagne com o objetivo de assegurar um perfil aromático e de sabor que não dependa do clima ou da qualidade da safra de cada ano. Os rótulos são produzidos exclusivamente com três variedades de uvas: Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier. São as castas clássicas de Champagne muito usadas na elaboração de espumantes ao redor do mundo, inclusive no Brasil. A edição lançada neste ano, a 171ª desde que a vinícola começou sua produção, foi elaborada a partir de 131 vinhos de 12 safras distintas.

O mais recente é de 2015, e o mais antigo, de 2000. O processo de produção começou em 2015 e envolve a mistura de todas as safras distintas. Segundo Cavil, o objetivo é valorizar a expressão de determinado ano, mas mantendo o padrão pelo qual a bebida é conhecida. O ano de 2015, por exemplo, foi marcado por um calor acima do normal combinado com um período de seca seguido por fortes chuvas.

As uvas atingiram a maturidade ideal e foram colhidas entre o final de agosto e meados de setembro. Para equilibrar o perfil, 42% do vinho final é composto por exemplares antigos. Tanto a iniciativa Single Ingredient quanto a viagem dos chefs ao interior de São Paulo para ver de perto a citricultura paulista fazem parte de uma tentativa da Krug de mostrar que seus rótulos, tradicionalmente associados a momentos de celebração, também têm um grande potencial à mesa como acompanhantes de todo tipo de refeição.

O problema, no entanto, é que um método de produção tão detalhista e demorado tem um preço. No Brasil, uma garrafa de Krug Grande Cuvée é vendida por cerca de R$ 2 mil, valor inacessível para a maior parte da população. Ainda assim, a demanda é enorme. Há uma procura maior do que a quantidade que a Maison oferece ao mercado brasileiro. A estratégia de distribuição é feita na França e leva em conta o perfil de cada mercado. Aos poucos, o Brasil se consolida como destino certo dessas exclusivas garrafas.