CAMPO MINADO

Lei antidesmatamento da União Europeia leva produtores brasileiros a ampliar iniciativas voltadas p


Edição 38 - 05.09.23

Lei antidesmatamento da União Europeia leva produtores brasileiros a ampliar iniciativas voltadas para a sustentabilidade 

Por Paula Pacheco 

Em junho passado, entrou em vigor uma legislação desenhada pela União Europeia que tem tirado o sono dos exportadores do agronegócio. As novas regras obrigam empresas a comprovarem que produtos como café, soja, madeira, carne, óleo de palma, cacau, borracha e derivados como móveis ou chocolate não têm nenhuma relação com o desmatamento ou degradação de florestas. A norma será implementada em 18 meses, a contar de 29 de junho.  

Apesar das incertezas sobre os efeitos da lei antidesmatamento no agronegócio, o Brasil abriga uma série de iniciativas que passam longe de qualquer tipo de ameaça. São atividades que buscam manter uma relação amigável com o meio ambiente, seja por meio da agricultura regenerativa ou com a geração de créditos de carbono. 

Um desses produtores é o paulista Fernando Beloni, de 54 anos, da AgroBeloni, que se dedica ao plantio de café em Patrocínio, município da região mineira do Alto Paranaíba. Em 2021, seu café foi o primeiro do mundo a obter a certificação Regenagri® (programa internacional que tem como objetivo garantir a saúde e a preservação do solo e de quem vive nele), emitido pela empresa britânica Control Union. Com isso, a produção de Beloni foi reconhecida pelas boas práticas agrícolas, que incluem o uso adequado de tecnologias no campo e o manejo responsável. 

Beloni e sua família já produziam batata e cebola em Vargem Grande do Sul (SP). Com o tempo, o agricultor percebeu que as duas culturas podiam ser danosas ao solo, que precisava ser revirado na fase de preparação para o plantio e, assim, perdia a proteção natural. Ao migrar para Patrocínio, região com maior altitude, viu a oportunidade de mudar a relação com a terra. “Foi necessário fazer muitas pesquisas para encontrar as melhores plantas de cobertura e os insumos biológicos para as plantações”, diz Beloni. “O café foi o que respondeu melhor à novidade.” 

Com as plantas de cobertura, como o trigo-mourisco e o guandu-anão, associados ao descarte do cultivo de batata e cebola, foi possível começar a produzir compostos orgânicos. Assim, o uso de fertilizantes químicos caiu 40%. O produtor ressalta que as plantas de cobertura servem também para ajudar na fixação de nitrogênio e suas flores colaboram para a atração de inimigos naturais do solo.  

O cafeicultor também investiu em uma fábrica de insumos biológicos, responsável por produzir fungos, bactérias e leveduras que são aplicados nas folhas dos cafezais e no terreno para o controle de pragas. “São formas de cultivo que fazem bem para o solo e para os funcionários, que evitam o contato com insumos químicos”, afirma. 

As iniciativas na AgroBeloni foram implantadas aos poucos, à medida que o produtor tinha acesso às informações. Hoje em dia, ao fazer as contas, Beloni constata que o custo de produção caiu entre 10% e 15%. Por enquanto, o agricultor não consegue confirmar se houve um aumento de produtividade, o que deve levar mais tempo. “Estou fazendo a transição aos poucos para não comprometer a colheita”, diz. 

O certificado trouxe frutos financeiros. Um de seus clientes é um torrador de café da França, que o procurou perguntando sobre o selo de agricultura regenerativa. No entanto, a diferença de valor ainda é pequena, entre 5 e 10% em relação ao produto convencional. Nos últimos meses, o cafeicultor conta ter sido procurado por clientes da Itália, Japão e Estados Unidos. Por enquanto, são conversas, mas que podem resultar em negociações mais favoráveis. 

Outro exemplo de valorização destacado por Beloni é a presença do seu produto na Saint Espresso, uma rede inglesa com oito cafeterias. Os clientes podem comprar os pacotes de café, inclusive pelo e-commerce, ou consumir a bebida nas lojas. No site, uma embalagem com 200 gramas é vendida por 12 libras, ou cerca de R$ 73. No ano passado, o produtor foi convidado para falar sobre a agricultura regenerativa para um grupo selecionado de convidados da rede.  

Além do trabalho nas quatro fazendas que possui (duas delas dedicadas ao café), Beloni faz parte de um grupo na Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado (Expocaccer) que estuda formas de ampliar os projetos de agricultura regenerativa e a redução das emissões de CO2 na região de Patrocínio. Os produtores contrataram a Imaflora para fazer o balanço das emissões. A expectativa é de que o resultado seja zero ou até negativo. “Queremos mostrar que há muito trabalho legal sendo feito”, afirma Beloni. Animado, o produtor espera dobrar a área plantada nos próximos quatro anos.  

Em outra região de Minas Gerais, próxima a Juiz de Fora, mais precisamente no município de Coronel Pacheco, o produtor Leonardo Resende, de 46 anos, optou pela pecuária regenerativa. Sua propriedade, de 381 hectares, conta com 150 animais e tem 250 hectares ocupados pelo plantio de eucalipto. Em 2000, Resende era recém-formado em Administração de Empresas e começou a pesquisar formas de aumentar a produtividade da propriedade da família.

Com o apoio técnico da Embrapa, migrou para o modelo conhecido como silvipastoril “Eu não tinha muita ideia de como fazer, de como colocar duas atividades no mesmo espaço e ao mesmo tempo”, diz Resende. “Mas notei que o modelo começou a beneficiar o solo, aumentando a retenção de carbono e alterando as infiltrações de água, além de melhorar a presença de macro e micronutrientes.” 

Não foi fácil fazer a transição para um modelo híbrido de produção. “A certeza que tenho hoje é de que a conta vai ficar cada vez mais cara se continuarmos a privilegiar o uso de químicos, em vez de aderirmos aos ciclos naturais”, diz o proprietário da Fazenda Triqueda. “Vai ser necessário gastar cada vez mais insumos, que vão poluir, degradar e não trarão os mesmos benefícios.” Apesar de acreditar que tomou a decisão correta, Resende ainda não vê o reconhecimento do mercado.  

Como ele diz, “a história é bonita da porteira para dentro”. Com a combinação entre eucaliptos e pecuária, já é possível registrar um aumento de 30% na produtividade do leite e 10% na carne de corte.  

“Pessoas para comprar tem, mas o valor agregado não é tão simples de conseguir”, admite. “Dependendo do produto, é preciso unir forças com outros produtores para ganhar volume e tentar melhorar a negociação.” 

Em Campo Novo do Parecis (MT), o casal Dulce Ciochetta, de 59 ano, e Romeu Ciochetta, de 62, dono do Grupo Morena, também trouxe conceitos da sustentabilidade para o dia a dia do negócio. A virada de chave veio do relacionamento com o Rabobank e a Aliança da Terra, organização dedicada a projetos para auxiliar a produção agrícola e agropecuária sem descuidar da proteção do meio ambiente. 

Em 2010, o Rabobank apresentava questionários que avaliavam o compromisso ambiental, social e econômico, em uma época em que ainda não se falava em ESG. “Aquilo começou a nos despertar para o tema”, diz Dulce. “Vimos que não tínhamos destino para algo do dia a dia, como o óleo, e começamos a buscar informações sobre essas questões.”

Outra iniciativa foi a captação de água da chuva com a construção de cisternas. Em um primeiro momento, Dulce viu na solução um jeito de diminuir a inconveniência de ter lama em volta dos barracões. Depois, com o projeto amadurecido, percebeu que ali estava uma forma de usar a água captada na irrigação.  

A primeira iniciativa para captar a água da chuva foi improvisada com o uso de uma grande lona. Hoje em dia, o Grupo Morena tem seis grandes reservatórios e capta mais de 22 milhões de litros de água. O volume é usado nas pulverizações de defensivos agrícolas, que ocorrem entre outubro e janeiro. “Se o produtor pensar apenas em ganhos materiais imediatos quando vai adotar uma ação atrelada a um projeto ambiental, ele não vai fazer”, diz Dulce. Tem muitas coisas que são adotadas ao longo do tempo que simplesmente não há como medir financeiramente.” 

Com o passar do tempo, o Grupo Morena agregou novas atividades à propriedade, como o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que ajudou no uso de áreas marginais graças à implantação conjunta de pastagens e eucaliptos. A prática aumenta o bem-estar animal e protege o solo.

Segundo a produtora, o plantio de eucalipto foi feito em áreas arenosas que não entregavam bons resultados no cultivo da soja. Com a construção de usinas de etanol na região, os cavacos do eucalipto passaram a ser usados na biocombustão. Já o material orgânico produzido pelo gado é destinado à compostagem e se torna adubo para as plantações. 

O uso de energia solar também passou a fazer parte das práticas do grupo. Há quatro anos, foi implantado um sistema responsável por fornecer cerca de 70% de toda a energia consumida na propriedade, que adotou a automação do sistema de termometria e aeração na unidade de armazenagem, conseguindo assim reduzir em cerca de 30% o consumo de energia.  

Até as abelhas foram “convocadas” para ajudar o grupo mato-grossense a alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU). Por sugestão de um funcionário, foi iniciada a cultura dos insetos a partir da instalação de caixas com colmeias em áreas próximas às reservas. Com a ação das abelhas, é possível melhorar o equilíbrio do ecossistema, estimulando o equilíbrio da biodiversidade. 

Os projetos sustentáveis trouxeram reconhecimento para o grupo. A soja do Grupo Morena possui o certificado Round Table on Responsible Soy (RTRS) para o período entre 2021 e 2026. Também tem o SB Seal ESG (2022 a 2023) e nos anos 2021/22 contou com o selo Empresa B Certificada, concedido a negócios voltados a uma economia mais inclusiva, regenerativa e equitativa. “Certificações e selos são bons para melhorar nossos processos internos e funcionam como balizadores para nossas práticas”, diz Dulce.  

A dependência das vendas do agronegócio brasileiro para a União Europeia é significativa. No caso da soja, o bloco representa 14,5% das vendas para o exterior. Os euros também encomendam 51% da produção do café verde brasileiro, conforme dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).  

Diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori alerta para os riscos da Lei Antidesmatamento. “O impacto é extremamente relevante, já que a União Europeia é um destino importante”, diz. Um dos pontos questionados pela entidade é o fato de a lei europeia se sobrepor à legislação brasileira. “Para os europeus, não há diferença entre desmatamento legal e ilegal”, diz Mori. “Ou seja, estamos falando de um conjunto de países legislando sobre um único país. Somos soberanos, no entanto a UE quer aplicar uma legislação extraterritorial.” 

A diretora da CNA detalha a questão do desmatamento. Segundo ela, a regra da UE não respeita os diferentes níveis de desenvolvimento dos países. Os mais ricos já não têm floresta para abrir. Por sua vez, os menos desenvolvidos possuem áreas a serem exploradas, mesmo preservando os biomas.  

“É uma legislação punitiva, unilateral, que não reconhece os esforços do Brasil e não respeita a legislação local, como o Código Florestal”, diz. 

Rodrigo Rodrigues, VP para Soluções de Agronegócio da consultoria Falconi, adverte que o posicionamento da UE é uma nova barreira não tarifária, já que não leva em consideração uma série de iniciativas do País, como o fato de ter 45% de sua matriz energética limpa.  “O importador está com a faca no pescoço, porque as multas serão pesadíssimas, impactando no custo de produção”, avalia Rodrigues.  

Enquanto o governo brasileiro e as entidades do agro buscam formas de diminuir o impacto da nova regulamentação, os grandes agricultores que dependem do mercado europeu buscam encontrar caminhos próprios para produzir de forma cada vez mais sustentável. Isso é ótimo para eles, mas melhor ainda para o planeta.