SOLO FÉRTIL PARA O SORGO

Por que a produção do cereal é a atividade agrícola que mais cresce no País Por Paula Pacheco O


Edição 40 - 21.01.24

Por que a produção do cereal é a atividade agrícola que mais cresce no País

Por Paula Pacheco

O produtor Mateus Franciscato, os dois irmãos e o pai administram a Fazenda Recreio, em Anaurilândia, no Mato Grosso do Sul. A propriedade da família, egressa do interior de São Paulo, é dedicada à soja. Mas a oleaginosa não é a única que ocupa as terras próprias, arrendadas há 14 anos. No começo, a safrinha contava apenas com o plantio do milho. A partir de 2020, foi a vez de outra cultura entrar em cena – agora, 70% da área plantada entre janeiro e março é de sorgo, com a possibilidade de aumento para as próximas safras, a depender das condições de mercado, segundo Franciscato.

Originado na África e em parte da Ásia, o sorgo só perde para outros quatro cereais – trigo, arroz, milho e cevada – em termos de volume global de produção. No Brasil, a cultura começou recentemente a entrar no radar de produtores de sementes e agricultores. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a outubro de 2023 apontam que o cultivo de sorgo granífero (dos cinco grupos, o mais plantado no Brasil) é a atividade agrícola que mais cresce no País. Neste ano, a área plantada aumentou 24% em relação a 2022 e a estimativa é de que a produção suba quase 50%. “Em 2023, a safrinha foi muito boa”, diz Cícero Menezes, pesquisador da Embrapa. “A chuva foi regular e contribuiu para o aumento da produtividade do sorgo.”

Ainda segundo o IBGE, a produção do sorgo em outubro totalizou 4,2 milhões de toneladas, o que significou um aumento de 2,7% em relação ao volume divulgado em setembro e de 47,2% em relação ao obtido no mesmo mês de 2022. Frente a 2022, houve aumento de áreas plantadas na região Norte (56,1%), Sudeste (75,2%) e Centro-Oeste (38,4%). Apesar do desempenho de 2023, a projeção para 2024 aponta para a possibilidade de perda de ritmo.

A estimativa da produção do sorgo para o ano que vem é de 3,8 milhões de toneladas, ou uma queda de 10% em relação a 2023. Segundo as previsões, o recuo deverá ocorrer em todas as regiões de plantio. A exceção é o Nordeste, com projeção de aumento de 1,6%. Goiás e Minas Gerais, os principais produtores do cereal, devem apresentar, respectivamente, uma redução de 10,9% e de 13,5% devido ao menor rendimento médio das culturas.

O pesquisador da Embrapa diz que a projeção de queda para 2024 levou em consideração uma expectativa mais otimista para o clima. Com períodos prolongados de pouca chuva em parte do País e de aumento pluviométrico em outras regiões, os produtores podem ficar cautelosos com a proximidade do período da safrinha, a partir de janeiro, e segurar um pouco mais de tempo o plantio para optar pelo sorgo, que tem uma janela de semeadura maior que a do milho. “A área de sorgo é diretamente relacionada à do milho”, diz Menezes. “Assim, é muito mais fácil estimar um pouco menos de produção de sorgo e depois subir a projeção. Com os atrasos que sabemos que estão ocorrendo em estados como Mato Grosso, Goiás e Bahia, acho improvável que a área de sorgo de 2024 vá diminuir.”

Para Glauber Silveira, diretor executivo da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), a demora para a expansão do sorgo no Brasil tem a ver com a forma como o cultivo foi feito no passado. Muitos produtores acreditavam que a resistência da planta dispensava os cuidados normais típicos de qualquer cultura. “Como o manejo era feito de forma errada, muitos mitos foram criados”, diz Silveira. “Acreditava-se, por exemplo, que o sorgo roubava nutrientes do solo, prejudicando a soja que viria na sequência.”

Por causa das características peculiares do sorgo, o representante da Abramilho acredita que o cereal pode atender não apenas aos planos de negócios de grandes produtores, mas também aos dos pequenos e aos da agricultura familiar, e servir inclusive na alimentação animal. Isso porque o manejo é mais simples do que o milho, que precisa ser triturado.

O trabalho educacional também passa pelas empresas que vendem as sementes, que estão atentas ao novo comportamento do produtor brasileiro em relação ao sorgo e não querem desperdiçar a oportunidade de aumentar a receita com a oferta de novas variedades. A Corteva Agriscience é uma das principais fornecedoras de sementes de sorgo no mercado brasileiro. A multinacional começou a perceber um movimento mais aquecido no mercado a partir de 2019. Até então, conta Lisane Castelli, líder do portfólio de sorgo da empresa, o interesse pela cultura oscilava de acordo com o clima, a expectativa do produtor e o preço do milho.

Quando o agricultor sai da janela ideal do plantio do milho, o sorgo se torna uma alternativa. Mas há outro fator fundamental, segundo Lisane, que pesa na expectativa de crescimento sustentável do sorgo: o clima. “Qual é a cultura agrícola do Brasil que sobrevive a essas altas temperaturas que vemos hoje?”, pergunta a executiva. “É o sorgo, que é resistente a condições extremas e utiliza menos água.” A empresa segue realizando aportes para o desenvolvimento de novas variedades de sementes. “Temos investido cada vez mais em melhoramento genético e produzindo mais em áreas menores”, diz a executiva. “O processo de trazer plantas melhores, mais tolerantes a pragas e doenças, tem de ser permanente.”

Apesar da adesão crescente à cultura, o trabalho de divulgação do sorgo, feito pela equipe de campo da Corteva, é permanente. Os profissionais tratam não apenas das questões comerciais, mas fazem orientações para o produtor alcançar a melhor produtividade. Franciscato, dono da Fazenda Recreio, conta que não tinha nenhum conhecimento sobre o sorgo além do que via no campo pela janela do carro ao passar por uma plantação. Foi então que vendedores de duas empresas ofereceram sacas de sementes para testes na fazenda da família e assim começou o plantio.

Aos poucos, o produtor buscou mais informação, participou de um simpósio da cooperativa Copasul e passou a trocar informações com quem já plantava o sorgo, além de consultar agrônomos. A grande vantagem, segundo Franciscato, é a previsibilidade proporcionada pela planta, já que ela é mais rústica e menos exigente do que o milho. “Se o milho enfrentar 15 dias de veranico, já perde a produtividade, o que não se vê no sorgo”, compara.

Levar informação sobre o sorgo também tem sido um esforço da Embrapa, endossado pelas pesquisas realizadas pela empresa sobre a cultura. Os trabalhos da Embrapa vão do desempenho do sorgo em diferentes regiões do País – como o Sul, Nordeste e Centro-Oeste – ao uso do produto na alimentação humana. Sem a presença de glúten, a cultura pode ser uma alternativa para a indústria da panificação.

Aos poucos, a indústria de proteína animal também tem investido na compra do sorgo como complemento ao milho para alimentar aves, suínos e bovinos. A cultura traz inúmeras vantagens – uma delas é porque custa menos, o que aumenta a margem do criador e das empresas do setor de carnes. “O sorgo pega carona com o preço do milho, já que o valor pago pela cultura é, em média, 80% do desembolsado pelo grão”, diz Anderson Paranzini Faria, gerente da Sementes Bonamigo. “O que se vê é que há muito espaço para mais do que dobrar a produção de sementes.”

Uma das características do sorgo é seu ótimo desempenho mesmo em áreas arenosas, conforme explica Paranzini. Mas as qualidades da planta, diz o especialista, também depende do comportamento do mercado – quanto vai demandar e quanto vai pagar pelo produto. “Hoje em dia, o mercado está favorável, mas ainda não há um movimento para nos tornarmos grandes exportadores, como se vê em outras culturas”, diz Faria. A empresa produz atualmente entre 300 e 400 toneladas de sementes de sorgo. Para a próxima safra, a expectativa é aumentar em mais 170 toneladas esse volume.

A indústria de sementes também tem feito uma aproximação maior com as empresas que hoje dependem do milho, tanto para alimentação animal quanto para usinas de produção de etanol. No Centro-Oeste, já há usinas que adaptaram suas instalações para incluir o sorgo no processo de conversão para o etanol. Em outubro, a Inpasa Brasil, uma das primeiras indústrias de etanol de milho do País e atualmente a maior produtora de combustível limpo e renovável à base do grão da América Latina, anunciou um novo projeto no Maranhão.

A nova unidade, em Balsas, também vai usar o sorgo, assim como a usina em Sidrolândia (MS), que começa a operar no segundo semestre de 2024. A empresa anunciou recentemente que já está realizando negociações de produção com a sua equipe comercial para a próxima safra. Nos dois projetos, a ideia é fomentar o plantio de sorgo na região para garantir o fornecimento. Não há dúvida: o sorgo tem pela frente um campo fértil para prosperar no Brasil.