TEMPERO NORDESTINO

Região conhecida como Sealba, que abrange os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, sinaliza um novo


Edição 41 - 21.04.24

Região conhecida como Sealba, que abrange os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, sinaliza um novo horizonte para o agronegócio do País 

 

Por Romualdo Venâncio 

A partir de 2019, um novo polo produtivo entrou no radar do agronegócio brasileiro. A região composta por 171 municípios de Sergipe, Alagoas e Bahia – por isso batizada com o acrônimo de Sealba – passou a ser monitorada mais de perto. São 5 milhões de hectares próximos da parte litorânea, distribuídos pelos biomas Mata Atlântica e Caatinga, dos quais mais de 2 milhões apresentam alto potencial produtivo para agricultura, sobretudo o cultivo de grãos, e pecuária.  

A data em questão é o ano em que a Embrapa Tabuleiros Costeiros, localizada em Sergipe, lançou o documento “Sealba: região de alto potencial agrícola no Nordeste brasileiro”. O estudo mostra como a instituição realizou a identificação e a delimitação dessa região, baseadas principalmente em disponibilidade hídrica, até porque a produção agrícola é principalmente de sequeiro.  

Cada município integrante do Sealba apresenta, em pelo menos 50% de seu território, volume mínimo de chuva de 450 mm entre abril e setembro. O índice máximo da região é de 1.400 mm. O distinto período das águas, e por consequência também de plantio, em relação à maior parte das áreas agrícolas do Brasil, é um diferencial, pois possibilita melhores preços na colheita, dependendo da cultura.  A partir dessa condição hídrica, e de vários outros pontos, a instituição mostra cientificamente qual é o potencial produtivo do Sealba, as atividades mais promissoras – tanto as já consolidadas quanto as que podem ser implantadas –, as vantagens comerciais (a exemplo da proximidade a portos), as oportunidades e os maiores desafios.  

O objetivo do trabalho vai além desse propósito. Ao apresentar a localidade como estratégica para se tornar um grande polo agrícola da região Nordeste e do Brasil, a Embrapa também propõe, ou pelo menos sugere, um necessário debate sobre formulação de políticas públicas para incentivar a pesquisa na região, transferência de tecnologias e investimentos em unidades de armazenamento e logística, entre outras. “A marca foi definida com o intuito de contar a história da região e criar expectativa para os agentes do agronegócio”, diz Márcio Rogers Melo de Almeida, mais conhecido por Roger Melo, analista em Gestão Estratégica da Embrapa Tabuleiros Costeiros. Para o analista, o detalhamento do Sealba é uma “profecia autorrealizável”: quando o trabalho de inteligência territorial demonstra, com apontamentos científicos, o potencial daquela área, desperta um olhar diferente para o espaço que já existia.  

Essa é a razão pela qual Melo pensa diferente de quem define o Sealba como “uma nova fronteira” do agronegócio brasileiro. “Já estava tudo aqui, praticamente antropizado, e a ideia de fronteira é a antropização”, afirma o analista, que também é doutor em Economia. A definição de Melo, afinal, é resultado de uma análise mais ao pé da letra. No entanto, será difícil mudar a denominação se o mercado já tiver comprado a ideia de “nova fronteira”.  

Conforme levantamento da Embrapa feito em 2022, a área plantada do Sealba passou de 756,5 mil hectares, entre produção de grãos, fruticultura, cultivo de cana-de-açúcar e de tubérculos. Há grande expectativa sobre a dobradinha milho e soja. O primeiro já é uma realidade, mas a oleaginosa ainda não é tão representativa.  

O milho é o grão mais plantado na região, com área superior a 288 mil hectares e produção e 1,35 milhão de toneladas. Sergipe lidera o cultivo, com quase 153 mil hectares e 718 mil toneladas produzidas. No Sealba, o milho é uma cultura de verão. Não há, pelo menos por enquanto, a segunda safra, chamada de milho safrinha. “Não há janela climática”, afirma Melo.  

O analista da Embrapa ressalta que o milho deu um grande salto de produção na região a partir de 2005, o que se deve sobretudo às novas opções genéticas, transferência de tecnologia, qualidade de solo, condições edafoclimáticas e “pela inércia de avanço da produção no resto do Brasil”, segundo ele. O segundo grão mais cultivado é o feijão, com 33,8 mil hectares e 16,6 mil toneladas produzidas em 2022. Os números da soja, naquele mesmo ano, foram de pouco mais de 3,7 mil hectares cultivados e produção de 11,4 mil toneladas.  

A perspectiva é de que a soja se torne uma opção lucrativa para a sucessão ou rotação de culturas – teme-se os impactos do milho como monocultura. A Embrapa Tabuleiros Costeiros já vem trabalhando na busca por soluções para a aplicação desses manejos, inclusive por meio de parceria com a Embrapa Soja. Uma possibilidade é a oleaginosa entrar em áreas de renovação da cana-de-açúcar, cultivada principalmente em Alagoas. Enquanto os números gerais da cana no Sealba em 2022 foram de 320,1 mil hectares e 19,2 milhões de toneladas, os dados dos alagoanos chegaram a 279,6 hectares plantados e 17 milhões de toneladas. 

Diferentemente do milho, que já está consolidado e pronto para seguir avançando, a soja depende de um processo de implantação. “Há todo o custo do aprendizado, faltam áreas, existe a questão da topografia para entrada de máquinas e é preciso contar com a adesão das usinas”, diz Melo. No ano passado, ele defendeu uma tese de doutorado sobre o tema na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. O título do trabalho é “Produção de soja na região do Sealba alagoano: uma análise dos determinantes e dos limites de sua expansão”. 

As apostas no milho e na soja são naturais pela importância dessas culturas na cadeia nacional de commodities. Porém, o Sealba apresenta uma variedade muito maior de possibilidades de cultivo, em sintonia com os avanços do agronegócio global. O movimento mundial em busca da chamada transição energética abre cada vez mais espaço para combustíveis renováveis como o etanol. A cana já representa a maior área plantada naquela região e o potencial de evolução é notório, até mesmo pela presença de usinas e destilarias. 

Registre-se que o Sealba tem o maior polo citrícola do Nordeste. Apenas a laranja ocupa 82,7 mil hectares e produz 1,03 milhão de toneladas, sendo que a maior concentração da atividade está na porção baiana da região. Ainda no campo das frutas, destaque para a produção de coco, mais extensa também na Bahia; o cultivo da banana, sobretudo no norte de Alagoas; além de maracujá, abacaxi, mamão e manga. Há também o caju, já mais característico da Caatinga, com boa participação de cooperativas para o beneficiamento das castanhas.  

Entre os tubérculos, a mandioca é o principal item, cultivada em praticamente todos os municípios do Sealba – são 70,3 mil hectares plantados com produção de 818,7 milhões de toneladas. Apesar dos índices bem diferentes, a batata-doce também é uma opção de cultura que pode avançar, com 8,7 mil hectares e produção de 103 mil toneladas.  

As safras de oportunidades tendem a ganhar terreno. Um sinal desse avanço é a consolidação do Sealba Show, que chegou à sua terceira edição em 2024. O evento, realizado em Itabaiana, na região agreste de Sergipe, abre o calendário nacional de feiras agropecuárias e reúne diversos agentes do agronegócio. Em 2023, o Sealba Show recebeu 45 mil visitantes e 160 grandes marcas nacionais e internacionais, além de ter registrado R$ 220 milhões em negócios. “A Embrapa trouxe as informações, criou a expectativa e os agentes da cadeia agropecuária se movimentaram”, diz Roger Melo. A semeadura do futuro parece seguir firme na região.