PAUSA PARA O CAFÉ

Maior produtor do mundo, Brasil implementa uma série de medidas para reduzir os impactos das mudan


Edição 38 - 14.08.23

Maior produtor do mundo, Brasil implementa uma série de medidas para reduzir os impactos das mudanças climáticas na cultura cafeeira 

Por Túlio França 

Uma das bebidas mais consumidas do mundo, o café faz parte da história e do imaginário do Brasil. De origem africana, começou a ser cultivado em terras brasileiras nas primeiras décadas do século 18 e, já no século seguinte, se tornou o principal produto da pauta exportadora.

À época, o País era responsável por 80% da produção cafeeira global. De lá para cá, a diversificação do agronegócio colocou outros produtos à frente – é o caso da soja, que se firmou como protagonista das exportações nacionais. A despeito disso, o Brasil permanece como maior produtor global, seguido por Vietnã e Colômbia. Agora, contudo, um novo desafio se impõe: as mudanças climáticas, que podem provocar profundas transformações no cultivo da planta. 

Um estudo realizado pela revista científica Plos One constatou que as condições de cultivo do café devem ser as mais afetadas pela crise do clima nas próximas três décadas, ao lado do caju e do abacate. De fato, o cenário é preocupante. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, a temperatura do planeta poderá aumentar até 3 graus Celsius até 2050, o que exigirá medidas emergenciais de adaptação do manejo agrícola.  

Os protagonistas do setor estão atentos à nova realidade. Guilherme Amado, líder do Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável no Brasil e no Havaí, diz que as mudanças climáticas são o maior desafio atual e já impactam inclusive a disponibilidade de cafés de alta qualidade. O executivo lembra que, após a grande crise hídrica de 2014 e 2015, a Nestlé Nespresso teve de repensar a sua própria especificação de cafés. “Foi um grande sinal do que estaria por vir dentro do cenário das mudanças climáticas”, diz. “Agora, cada vez mais as regiões cafeeiras brasileiras têm enfrentado dias com mais de 30 graus e isso é péssimo para a planta, pois ela efetivamente trava. Todos os processos fisiológicos são afetados e, por consequência, a qualidade e a produtividade das lavouras.”  

O fenômeno tem se intensificado. “Na última década, nós tivemos seca, geadas e má distribuição das chuvas”, diz Alexandre Monteiro, gerente de ESG da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé). O ano de 2021 foi especialmente desafiador. Além de seca intensa, foi marcado por fortes geadas no País. O fenômeno, quando mais ameno, apenas queima a superfície do café, causando pouco dano à planta e aos frutos. As fortes geadas, contudo, são capazes de dizimar lavouras inteiras.  

Diante desse contexto, o cafeicultor brasileiro busca formas de manter a produção sustentável, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. Segundo André Dominghetti Ferreira, pesquisador da Embrapa Café, o principal elemento para a produção cafeeira é a disponibilidade hídrica. Com as recentes secas, o produtor que conseguiu irrigar sofreu menos danos. “Se tiver possibilidade de irrigar, o cafeicultor vai ter ganhos de produtividade”, diz o especialista. Para reduzir os estragos dos eventos mais extremos, o pesquisador salienta a importância da arborização: “Ela diminui os extremos da temperatura”. 

As ações de mitigação dos impactos dos extremos climáticos passam pelo restabelecimento dos sistemas naturais em áreas agrícolas. “A natureza tem que ser a maior acionista da fazenda”, enfatiza Guilherme Amado, do Programa Nespresso. A chamada agricultura regenerativa se propõe a isso: melhorar a saúde do solo e promover a biodiversidade por meio do uso de bioinsumos, rotação de culturas, plantas de cobertura e integração na produção de alimentos.  

Com sede no município de Patrocínio (MG), o Consórcio Cerrado das Águas (CCA) trabalha, desde 2019, de forma colaborativa para a conservação ambiental. Por intermédio do Programa de Investimento no Produtor Consciente, são oferecidos aos agricultores serviços especializados em três frentes: restauração, práticas agrícolas climaticamente inteligentes e gestão eficiente de recursos hídricos.

“Não é uma assistência técnica, mas uma metodologia de facilitação”, diz Fabiane Sebaio, secretária executiva do CCA. “Nosso olhar de longo prazo é melhorar a disponibilidade de água, seja no ar, no solo, nos rios ou no subterrâneo.” Todas as atividades têm o objetivo maior de atenuar os efeitos das mudanças climáticas. “A transformação vem quando o produtor percebe que aquilo realmente pode trazer melhorias, seja no recurso hídrico, econômico ou na qualidade do café”, acrescenta. 

A agricultura regenerativa aplicada à cafeicultura traz uma inegável vantagem competitiva para o Brasil. Segundo especialistas, o País está bem posicionado para cumprir as requisições de mercados externos, principalmente a União Europeia, que exigem a adoção de práticas sustentáveis em seu processo produtivo.

Para Orlando Editore, head de café da consultoria Datagro, a nação mais preparada para atender as demandas sustentáveis da cafeicultura é o Brasil. “Muitas ações estão sendo feitas para que o ecossistema produtivo fique mais resiliente às mudanças climáticas”, afirma Editore. O pesquisador da Embrapa André Dominghetti confirma tal percepção. “Vários países vêm buscar cultivares no Brasil”, diz. “Nosso programa de melhoramento genético é muito robusto e representa uma vantagem competitiva que nenhum outro lugar tem.”  

Minas Gerais é o maior produtor de café do Brasil, com predominância da variedade arábica (Coffea arabica), seguido por Espírito Santo, cuja produção é composta majoritariamente pelo conilon (Coffea canephora). “Se o Espírito Santo fosse um país, ele seria o segundo maior produtor de café conilon do mundo”, diz Marcelino Bellardt, diretor-geral da cooperativa capixaba Nater Coop. Vietnã, ressalte-se, é o maior produtor da variedade. Completam a lista São Paulo, Bahia, Rondônia e Paraná. Em 2022, o País produziu 50,92 milhões de sacas de 60 kg, sendo 32,7 milhões da espécie arábica e 18,1 milhões de conilon, conforme dados da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab). O volume foi 6,7% superior ao de 2021.  

Para 2023, a Conab estima um aumento de 7,5% na produção. “Por ser uma cultura perene, a estiagem e as geadas ocorridas em 2021 influenciaram o desempenho das lavouras de café em 2022, não permitindo que as plantas atingissem seu potencial”, diz Edegar Pretto, presidente da Conab. “Como as condições climáticas em 2022 foram melhores, é possível verificar uma recuperação da produção, principalmente nas áreas de café arábica.” 

Mesmo com os imensos desafios trazidos pelas mudanças climáticas, a cafeicultura brasileira tem demonstrado notável capacidade para superar obstáculos. O desenvolvimento de novas tecnologias e a convergência de iniciativas entre instituições de pesquisa, empresas e produtores criaram as condições ideais para o Brasil permanecer entre os líderes na produção global de café. E o melhor: com produtos de qualidade e que respeitam o meio ambiente.