Edição 37 - 14.07.23
Para fisgar o público de alta renda, vinícolas de renome na Europa e na América do Sul investem em experiências turísticas cada vez mais sofisticadas
Por André Sollitto
Quando a Quinta do Portal abriu as portas de seu centro de visitantes, em 1996, havia poucas opções de enoturismo na região do Douro, em Portugal. A vinícola tinha sido oficialmente criada em 1994 e, por ser tão nova no mercado, buscou algo inovador que pudesse efetivamente cativar os clientes. Entre outras iniciativas, a empresa decidiu criar um espaço para que turistas pudessem parar e provar os vinhos ali produzidos. Entusiasmada com o projeto, a família Mansilha Branco, dona da propriedade, contratou o arquiteto português Siza Vieira, vencedor do Prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura, para desenhar uma nova adega. O edifício, inaugurado em 2010, se transformou em ponto turístico por si só.
Em seguida, os donos inauguraram o hotel cuja temática, obviamente, é o vinho, com quartos que têm nomes de castas usadas na produção da bebida. O antigo centro de visitantes foi convertido em um restaurante e, assim, a Quinta do Portal adotou de vez sua vocação turística.
Atualmente, o espaço recebe pessoas de vários lugares do mundo e é reconhecido como uma referência do enoturismo de luxo. Alguns visitantes querem passar apenas uma noite em meio à paisagem deslumbrante do Douro, considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Outros preferem mergulhar na produção dos vinhos, discutindo com o enólogo cada etapa do processo. “Entendemos que era preciso fazer algo vocacionado ao amante do vinho, mas não só”, afirma Manuel Castro Ribeiro, diretor-geral da Quinta do Portal. “Por isso, há uma clara divergência do que fazemos em relação ao enoturismo tradicional.” Além da experiência na vinícola, há trilhas desafiadoras para ciclistas, passeios de barco pelo Douro e outras atividades focadas na família. Trata-se de um exemplo de como o enoturismo avançou em poucas décadas. Agora, além de atrair os aficionados do vinho, oferece experiências luxuosas para um público mais abrangente.
Portugal tem se especializado em oferecer um perfil de acomodações que mesclam requinte e atividades familiares. O Douro, em especial, é um dos principais destinos. Além da beleza natural da região, seus vinhos são famosos no mundo inteiro pela qualidade. Não à toa, a região tornou-se um dos destinos favoritos dos brasileiros. “Talvez por termos a mesma língua, ou talvez por partilharmos de uma gênese histórica, os brasileiros sentem-se muito à vontade conosco e nós, com eles”, afirma Sandra Dias, diretora de enoturismo da Quinta da Pacheca.
Localizada na cidade de Lamego, na margem leste do rio Douro, a vinícola funciona desde 1738 e também foi pioneira em buscar meios de receber os turistas. Primeiro, vieram os estrangeiros, especialmente franceses, ingleses e suíços. Hoje em dia, a infraestrutura conta com um prédio clássico, a antiga propriedade da família convertida em hotel, ou ainda acomodações mais modernas e convencionais. Para os mais aventureiros, há dez quartos instalados em enormes barris de madeira no meio dos vinhedos. Não é preciso abrir mão do luxo, no entanto, para aproveitar a bela vista. Mesmo em formato de barris, os dormitórios são equipados com todo o conforto necessário.
Outros países de tradição vitivinícola, como a França, também têm uma rede de turismo de luxo focada em experiências ao redor do vinho. É possível se hospedar em villas na região da Provença, no sudeste do país, famosa pelas belezas naturais e pelo delicado vinho rosé. Ou, melhor ainda, contratar uma agência como a Bordeaux Concierge, que desenvolve pacotes sob medida para cada cliente, planejando as estadias em hotéis sofisticados e degustações dos rótulos exclusivos de Bordeaux, Champagne ou Cognac.
Para uma experiência verdadeiramente inusitada, a vinícola espanhola Marqués de Riscal, que desde 1858 produz rótulos importantes na região de Rioja, associou-se à rede de hotéis Marriott. Desenhado pelo arquiteto canadense Frank O. Gehry, também vencedor do Pritzker por trabalhos como o Museu Guggenheim Bilbao, o Hotel Marqués de Riscal tem um visual estonteante e uma estrutura luxuosa, incluindo suítes VIP com uma vista para La Rioja e para o País Basco, além de restaurante com uma estrela no guia Michelin, spa e espaço para eventos e casamentos.
Mais perto do Brasil, a Argentina tem sido um destino procurado em razão do custo/benefício oferecido pelos vinhos produzidos por lá. Recentemente, o país elevou a qualidade do enoturismo local para oferecer experiências mais luxuosas. A Bodega Catena Zapata – que, além da importância histórica, produz alguns dos melhores vinhos do país – inaugurou no final do ano passado o restaurante Angelica Cocina Maestra. Em poucos meses, tornou-se o mais disputado do país por preparar menus de alta gastronomia em múltiplas etapas, harmonizados com os rótulos próprios. A Kaiken segue caminho semelhante. A vinícola abriu o Ramos Generales, restaurante com menu assinado pelo chef Francis Mallmann, mestre do churrasco argentino conhecido pelas receitas que prepara usando diferentes técnicas com fogo.
Todas as atrações dividem o espaço com o protagonista dos passeios – o vinho –, mas tornam a experiência mais completa. Há um certo esnobismo envolvendo o vinho, e as complexidades de denominações, variedades de uvas e técnicas de produção afastam novos públicos. Ao oferecer o prazer da viagem, com passeios divertidos, boa comida e visual exuberante, as vinícolas abrem caminho para um novo perfil de visitante, que, cativado, vai associar cada garrafa às boas lembranças do período de lazer. “O vinho sempre foi um ponto de contato, um tema de conversas ao redor de uma refeição”, diz Manuel Castro Ribeiro, da Quinta do Portal. “O que fazemos é mostrar que existe em torno de cada garrafa uma história para ser contada.” O enoturismo de luxo está aí para confirmar essa teoria.