03.03.23
Eletricidade em campo
Os desafios tecnológicos da indústria para avançar com a eletrificação da frota de máquinas agrícolas e buscar soluções para zerar as emissões
Por André Sollitto
Grande aposta da indústria automobilística para zerar as emissões de CO2 na atmosfera, os carros elétricos vêm conquistando espaço nas ruas do planeta em ritmo acelerado. Em 2022, esses veículos devem superar 13% em vendas. No ano passado, eram apenas 9%. Mesmo no Brasil, onde as vendas ainda são mais tímidas, de apenas 2,3%, a situação vem mudando. Além disso, seu uso foi fundamental para que as emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis crescessem menos de 1% neste ano. Um relatório elaborado pela Agência Internacional de Energia (AIE) aponta que 300 milhões de toneladas adicionais foram lançadas em 2022 à atmosfera, totalizando 33,8 bilhões de toneladas anuais. Ainda é muito, mas é bem inferior aos 2 bilhões de aumento registrados em 2021, quando o mundo começou a retomar suas atividades após os dramáticos eventos da pandemia.
Se nas avenidas e estradas os elétricos vêm ampliando sua participação na frota, no campo a situação ainda é diferente. A eletrificação do maquinário agrícola é um desafio para a indústria e as soluções têm chegado devagar. Grandes empresas do setor já anunciaram que estão desenvolvendo projetos na área, mas tudo é embrionário. A fabricante japonesa Kubota, por exemplo, já apresentou o X, um trator elétrico autônomo capaz de coletar dados sobre a lavoura enquanto trabalha. Mas trata-se de um modelo conceitual, ainda em fase de testes. A startup HummingBirdEV vem testando modelos elétricos com fazendeiros da Califórnia desde 2020, e no ano passado passou a experimentar um sistema de recarregamento rápido das baterias que funciona no meio do campo. Já a gigante John Deere anunciou, sem muito alarde, que trabalha em uma linha de pequenos equipamentos e maquinário elétricos prevista para chegar ao mercado somente em 2026. Foi obrigada a se posicionar depois que um relato compartilhado à exaustão nas redes sociais afirmava que um fazendeiro do Meio-Oeste norte-americano foi convidado para substituir sua frota tradicional por versões eletrificadas já em 2023. A companhia negou e garantiu que não há planos de produzir grandes EVs, como também são conhecidos os veículos elétricos, tão cedo.
O ritmo da eletrificação das frotas agrícolas é mais lento porque existem alguns problemas complicados de solucionar, ao menos a curto prazo. Um dos principais envolve a enorme geração de eletricidade necessária para abastecer o maquinário. Ao contrário de carros de passeio comuns, tratores, semeadeiras e outros equipamentos são enormes e exigiriam muito mais energia. E isso requer uma infraestrutura robusta que poucas propriedades rurais têm atualmente. Há ainda um agravante: colheitadeiras, por exemplo, trabalham por 12, 15 horas diárias no auge da colheita. Parar o serviço para recarregar as baterias seria simplesmente inviável, e os custos para garantir uma autonomia dessas seriam absolutamente proibitivos.
Existem iniciativas para tentar contornar as dificuldades. Nos Estados Unidos, o Green New Deal – uma série de políticas públicas inspiradas no New Deal implementado no governo de Franklin D. Roosevelt para recuperar a economia norte-americana após a Grande Depressão –, estabelece que é preciso reduzir as emissões na agricultura. “Trabalhar em colaboração com agricultores e pecuaristas nos Estados Unidos para eliminar a poluição e as emissões de gases de efeito estufa do setor agrícola, tanto quanto for tecnologicamente viável”, diz o documento, sem especificar o uso de veículos elétricos. No Reino Unido, há projetos mais específicos. O governo local destinou 80 milhões de libras para a pesquisa e o desenvolvimento de EVs na iniciativa Driving the Electric Revolution Challenge, administrada pelo Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial, que contempla testes específicos para a agricultura.
Um dos setores mais promissores é o uso de robôs e drones elétricos para a realização de pequenas tarefas. Em estruturas de agricultura vertical, essas máquinas vêm realizando a colheita de tomates, cogumelos e outros insumos cultivados em ambientes controlados. Os equipamentos não precisam de uma quantidade enorme de energia para funcionar e podem ser recarregados rapidamente. Mesmo assim, existem algumas barreiras. Robôs e drones costumam ser muito dependentes de conexões de internet de banda larga, que ainda não são comuns na maior parte das propriedades rurais. Além disso, não são suficientes para realizar trabalhos em grandes lavouras. Ou seja, o problema com o maquinário pesado persiste.
Nesse cenário, os estudos e iniciativas atuais apontam para uma convergência de tecnologias. Em vez de adotar baterias e sistemas elétricos em grandes máquinas, a solução pode ser a adoção de outras fontes de energia que não emitem gases poluentes. Fabricantes já estão desenvolvendo células de energia movidas a hidrogênio. A japonesa Kubota anunciou que pretende lançar o primeiro modelo até 2025. E já existem startups trabalhando em seus próprios equipamentos do tipo. Há também um movimento que há anos vem ganhando força: a utilização de combustíveis renováveis para abastecer tratores e outras máquinas. Aqui, no Brasil, o biodiesel é um substituto interessante para outros combustíveis fósseis.
Além disso, a eventual adoção de parte de máquinas elétricas nas fazendas, sejam robôs, drones ou maquinários de pequeno porte, poderá ser acompanhada da ampliação da geração de energia por meio de fontes renováveis, como painéis solares ou estruturas eólicas. Há uma barreira de integração entre a estrutura já existente de geração de energia com os sistemas que não emitem carbono, mas o processo de adaptação não é impossível. Há até iniciativas de desenvolvimento de maquinário movido diretamente a energia solar, uma solução promissora para a agricultura em pequena escala em regiões com menor infraestrutura de energia, como em alguns países da África.
O agro tem como um de seus objetivos a neutralização das emissões de carbono. E isso vem sendo feito em diversas frentes. A eletrificação da frota de equipamentos é apenas uma delas. A realidade, no entanto, mostra que, diferentemente dos carros, o processo deverá acontecer em velocidade um pouco distinta, e envolve uma diversidade de possibilidades.