Uma rota alternativa no Cerrado

Uma rota alternativa no Cerrado   Projeto para expansão da fruticultura promove a organizaçã


15.02.23

Uma rota alternativa no Cerrado

 

Projeto para expansão da fruticultura promove a organização de novas cadeias produtivas para inclusão de pequenos produtores na região 

 

Por Evanildo da Silveira

 

Em breve, o pequi, fruta típica e mais conhecida do Cerrado, terá companhia. Nos próximos dois ou três anos, deverão se juntar a ele o açaí, o mirtilo e outras frutas vermelhas – as chamadas berries –, como a amora-preta, a framboesa, o morango e a jabuticaba, por exemplo. Elas farão parte, junto com as preexistente na região, como mamão, goiaba, maracujá, laranja e uva, da Rota da Fruticultura do Distrito Federal (Ride-DF), uma das Rotas de Integração Nacional, criadas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

O projeto é financiado e coordenado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). “Nosso objetivo é estruturar um novo polo de fruticultura no Centro-Oeste, diferente dos já existentes no Brasil”, diz Luiz Curado, da Codevasf e coordenador da Rota. “Queremos organizar a cadeia produtiva de frutas no Cerrado.” A ideia é tornar a região da Ride-DF uma referência nacional no plantio comercial, ou seja, não extrativista, de várias espécies silvestres, entre elas o açaí, que é típico da Amazônia. Centenas de mudas de variedades dessa fruta, desenvolvidas pela Embrapa, como a BRS Pará e a BRS Pai d´Égua, já começaram a ser distribuídas para agricultores familiares do DF, de Goiás e Minas Gerais.

Segundo o pesquisador da área Genética e Biotecnologia, Fábio Gelape Faleiro, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária localizada em Planaltina (DF), que participa do desenvolvimento da Rota, o projeto tem ainda outras metas. “As principais são aumentar a produção e o fornecimento de frutas para o mercado interno e externo e gerar emprego e renda na região”, enumera. “Além disso, buscamos diversificar e implantar novas culturas e fomentar e motivar novos agricultores na produção de frutas no DF e entorno.”

A Rota da Fruticultura, que é desenvolvida em parceria também com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), começou a ser planejada, estruturada e ter as metas definidas no primeiro semestre do ano passado e foi lançada no dia 12 de junho de 2021. Depois foram realizados seis encontros de mobilização em cidades polos da Ride-DF, que é composta por 29 municípios de Goiás, quatro em Minas Gerais, além do Distrito Federal. Segundo Curado, ela abrange uma área do tamanho de Pernambuco, com cerca de 27 mil pequenas propriedades da agricultura familiar, cada uma com 20 hectares em média, o que dá um total de 540 mil hectares. “Dessas, 11,8 mil são de assentamentos do MST [Movimento dos Trabalhadores sem Terra], oriundos da reforma agrária, numa área de mais de 180 mil hectares”, conta.

Em maio deste ano foi lançada a segunda etapa do projeto e a partir de agosto foi dado início aos plantios, com mudas de açaí, que são fornecidas aos produtores pela Ride-DF. “Nossa meta para este ano é de 1.000 hectares da fruta em mil propriedades, ou seja, 1 hectare em cada uma”, diz Curado. “Até o fim de 2023, nosso objetivo é chegar a 4 mil hectares.” 

A partir daí, a Rota não vai mais fornecer as mudas. Na verdade, elas não são dadas. Quando o agricultor fizer a primeira colheita, ele vai devolver duas para cada uma que recebeu. Elas serão fornecidas a dois novos produtores, que também devolverão duas, e assim por diante. A implantação da cultura do mirtilo e de outras frutas seguirá o mesmo modelo.

Além de fornecer as mudas, a Rota já doou cerca de 40 caminhões-baús, 30 câmaras frias e 45 minitratores. “São equipamentos essenciais para essas cooperativas e assentamentos”, assegura Curado. “Seus produtores costumam colher nos fins de semana para entregar as frutas na segunda-feira. Agora não precisarão mais fazer isso. A qualidade de vida deles melhorou muito com as câmaras e os caminhões.”

Para a produtora de mirtilo, Marlene Luiza Mendes, proprietária do sítio Ouro Azul, no município de Planaltina, em Goiás, o projeto “é transformador”. “Tem mudado a minha vida e a da minha família”, comemora. “No rótulo das nossas embalagens, foi autorizada a utilização da logomarca da Rota da Fruticultura, o que dá credibilidade e confiança na comercialização.” 

Marlene conta que tomou conhecimento do projeto em fevereiro deste ano, quando foi ao Sindicato Rural do município solicitar a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. “Ficamos sabendo das ações da Rota e que o mirtilo era uma das berries, cujo cultivo seria estimulado”, conta. “Nos interessamos pela iniciativa e dois dias depois recebemos a visita do Luiz Curado.”

Depois disso, ela e o marido e seus dois filhos adquiriram 2 mil mudas de mirtilo e as plantaram em uma área de 2 mil metros quadrados do sítio, que tem 3 hectares. “Agora, começamos a colher a primeira safra”, diz Marlene. “A produção semanal já chegou a 150 quilos e nossa expectativa é de colher 2 toneladas na safra deste ano, pagando o investimento no segundo ano de colheita.”

Para entender produtores como Marlene, a Rota também está finalizando um mapeamento de toda a sua extensão produtiva, conhecendo de perto o fruticultor, seu perfil, o que planta, qual volume e onde comercializa. “Este conjunto de informações está sendo importante para o planejamento de uma produção crescente, voltada para consumo interno e externo, com qualidade e rentabilidade”, explica Faleiro. 

Além disso, ações especiais estão sendo realizadas nos municípios goianos, mineiros e cidades do Distrito Federal, envolvendo a montagem de unidades demonstrativas de referência tecnológica e de produção, buscando a união de segmentos profissionais e o fortalecimento das cadeias produtivas das frutas.

Segundo Faleiro, a região do Cerrado é propícia para o cultivo de várias espécies frutícolas tropicais, subtropicais e temperadas. Estima-se que 33% das frutas produzidas no Brasil vêm dessa região. “Há nela mais de 1 milhão de propriedades rurais, das quais mais de 80% são pequenas propriedades, onde a fruticultura é uma excelente alternativa para geração de emprego e renda”, diz. “Vários fruticultores estão direta ou indiretamente envolvidos no projeto da Ride-DF.” 

A expectativa é de que a primeira fase do projeto vá contribuir para a atração de novos investimentos para as cadeias produtivas das frutas na região. Dentro dessa perspectiva, o objetivo é trabalhar para a abertura de novos mercados no Brasil e no exterior, apoiar o fruticultor no planejamento, na produção e comercialização dos produtos e incentivar a formação de associações e cooperativas e a agroindústria. “Além disso, pretendemos continuar as ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação e transferência de tecnologia, com base em demandas reais do setor produtivo”, explica o pesquisador da Embrapa.

A previsão é de que os cultivos comecem a dar frutos de forma plena em três anos. “Até lá, sugerimos aos agricultores um trabalho de consórcio com outras culturas”, diz Faleiro. “A BRS Pará foi a primeira cultivar de açaizeiro para terra firme desenvolvida pela Embrapa e lançada em 2005. Já a BRS Pai d’Égua foi lançada em 2019 com o objetivo de ampliar o cultivo em terra firme. O diferencial desta variedade é a distribuição bem equilibrada da produção anual – um fator importante para superar a sazonalidade da produção de frutos.”

O pesquisador da Embrapa lembra que a ciência e a tecnologia transformaram a agricultura no Cerrado. Até a década de 1970, por exemplo, o Brasil importava alimentos e atualmente produz para mais de 1 bilhão de pessoas (aproximadamente cinco vezes a população do País). Várias tecnologias desenvolvidas ao longo dos anos foram importantes para a tropicalização de diferentes espécies de grãos e foi fundamental também para fazer o mesmo com as frutas. 

Faleiro ressalva, no entanto, que cada região tem suas particularidades em relação ao sistema de produção de frutas e os ajustes tecnológicos necessários devem ser feitos no dia a dia dos pomares. “O sucesso da fruticultura em ambiente tropical depende de um conjunto de ações de pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologia e também da vocação e da força do produtor rural”, explica.

Hoje, graças ao uso de novas tecnologias de sementes, mudas e cultivo desenvolvidas pela Embrapa, o Cerrado produz frutas tropicais, subtropicais e temperadas com sucesso. Um exemplo citado por Faleiro é a alta produtividade da cultivar de maracujá-azedo BRS Gigante Amarelo em estufa. “A média da região do DF é mais de 100 toneladas por hectare por ano, o que é sete vezes maior do que a produtividade média nacional”, informa. “Nós temos tecnologia para produção de cultivo protegido de várias frutíferas, o que garante grande produtividade, longevidade do pomar, alta qualidade dos frutos, produção na entressafra, menor ocorrência de doenças e pragas e é uma alternativa para rotação de culturas.”

 A produtora de mirtilo Marlene está entusiasmada com os resultados que já obteve com sua participação no projeto. “Embora ainda estejamos no início da colheita da primeira safra, já estivemos na AgroBrasília – Feira de Tecnologia e Negócios do Agro e na Exposição Agropecuária de Brasília (ExpoAbra), a convite da Rota, expondo e comercializando os nossos produtos”, conta. “Vendemos o fruto in natura, em bandejas com 125 gramas; em pacotes congelados de 1 quilo, além de geleia com e sem açúcar. Também são comercializadas mudas de mirtilo no atacado e no varejo. A Rota é uma iniciativa fantástica.”