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Treinamento em recuperação de pastagens é vantajoso tanto para pecuaristas quanto para as florest


11.01.23

Treinamento em recuperação de pastagens é vantajoso tanto para pecuaristas quanto para as florestas do Brasil

Por Sarah Brown* 

Segundo um estudo recente, treinar pecuaristas brasileiros na recuperação de pastagens degradadas pode reduzir as emissões de dióxido de carbono, diminuir o desmatamento para fins agrícolas nos biomas da Amazônia e do Cerrado e aumentar suas rendas.

Publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences, o estudo revelou que os agricultores no Cerrado que receberam treinamento em grupo e assistência técnica individualizada conseguiram melhorar a produtividade da atividade pecuária e aumentar sua receita em 39%, um modelo que, segundo os pesquisadores, pode ser replicado na Amazônia.

O programa de treinamento com duração de dois anos também foi associado a uma redução de 1,19 milhão de toneladas de emissões de dióxido de carbono através da combinação do sequestro de carbono e do total de emissões diretas e evitadas.

“Melhorar a qualidade das pastagens já é suficiente para ajudar a produtividade e o meio ambiente”, afirmou o autor principal do estudo, Arthur Bragança, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ao Mongabay por telefone. “As áreas recuperadas terão mais matéria orgânica para o gado comer e para o sequestro de carbono. Mais matéria orgânica absorve mais carbono.”

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, um terço da qual vem de fazendas de médio porte como aquelas envolvidas no estudo. A expansão agrícola é a principal causa de desmatamento na Amazônia, com até 70% das terras desmatadas sendo supostamente usadas para pecuária.

 

A degradação da terra pode levar à diminuição da produtividade, perda de cobertura vegetal e menos matéria orgânica no solo, de acordo com Bragança. Até 100 milhões de hectares (247 milhões de acres) de pastagens no Brasil são considerados degradados – área maior que a Venezuela – o que é uma preocupação ambiental, pois a degradação da terra é um dos maiores contribuintes para as mudanças climáticas, segundo a IUCN.

A pesquisa se concentrou numa iniciativa de crédito do governo brasileiro conhecida como programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). O programa visa reduzir as emissões de carbono por meio de empréstimos a juros baixos para agricultores que desejam implantar práticas agrícolas sustentáveis, como integração lavoura-pecuária-floresta, fixação biológica de nitrogênio e recuperação de pastagens.

O estudo analisou o impacto de treinar 1.369 pecuaristas em restauração de pastagens através do programa ABC. Um grupo não recebeu treinamento, 395 produtores receberam 56 horas de treinamento e 311 fizeram o curso de capacitação e receberam assistência técnica personalizada, que incluiu visitas mensais de técnicos de campo.

Os dados revelaram que os pecuaristas que receberam treinamento e assistência técnica foram os únicos que apresentaram melhorias significativas na produtividade, receita e níveis de emissões de carbono. O curso sozinho não teve impacto.

“A maior parte da política agrícola brasileira baseia-se na concessão de subsídios e crédito aos produtores”, explicou Bragança. Ele acrescentou que, embora o crédito seja importante, sua pesquisa revelou que os produtores rurais somente fizeram mudanças sustentáveis em suas propriedades depois de receber treinamento individualizado. “Isso sugere que o problema não está na falta de recursos, e sim na falta de informação”, disse Bragança.

Benefícios ambientais

De acordo com o estudo, hoje, apenas 20% dos produtores brasileiros têm acesso à assistência técnica que poderia ajudá-los a implantar o manejo sustentável em suas fazendas. “Manter políticas que melhorem o acesso pode ser uma das formas de aumentar a produtividade e ajudar o meio ambiente, além de proporcionar segurança alimentar e mais renda”, explicou Bragança.

Especialistas também explicam os efeitos negativos dos programas de compensação por terras degradadas.

“Em todo o país, mas especificamente na Amazônia, a forma tradicional de compensar as perdas de produção causadas por pastagens degradadas ou abandonadas é expandir a fronteira para novas pastagens à custa do desmatamento”, explica Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior do World Resources Institute (WRI) no Brasil, ao Mongabay por e-mail. Sua pesquisa, independente do estudo de Bragança, revelou que 15 milhões de hectares (37 milhões de acres) da Amazônia brasileira foram desmatados entre 2010 e 2020 para compensar terras degradadas e abandonadas.

Ricardo Rodrigues, professor da Universidade de São Paulo (USP) e que não participou de nenhum dos estudos, disse que a restauração de pastagens pode ajudar a reduzir o desmatamento e liberar terras para a recuperação da vegetação nativa, sem afetar o setor do agronegócio brasileiro. “Usando tecnologia pecuária, poderíamos liberar para restauração até 32 milhões de hectares [79 milhões de acres] de pastagens degradadas para outras finalidades, mantendo o mesmo número de cabeças de gado”, explicou Ricardo ao Mongabay por telefone.

Peter Newton, da Universidade do Colorado em Boulder, nos EUA, coautor do estudo com Bragança, concordou que a restauração de pastagens poderia reduzir a necessidade de desmatamento para fins agrícolas e diminuir a pressão sobre os habitats naturais.

“A pecuária na Amazônia e no Cerrado tem uma densidade de ocupação relativamente baixa, com poucas cabeças de gado por hectare”, disse Newton ao Mongabay por telefone. “Se você puder aumentar o número de cabeças num mesmo espaço, em princípio, haveria menos necessidade de desmatamento”, ele explicou, acrescentando que “isso só será possível se vier acompanhado de políticas para evitar a expansão agrícola”.

Entretanto, pastagens degradadas e a demanda por mais terras nem sempre são a principal causa da expansão agrícola, segundo Celso Manzatto, pesquisador da Embrapa, braço de pesquisas agrícolas do Ministério da Agricultura do Brasil. “Embora a pecuária esteja normalmente associada ao desmatamento, na verdade trata-se de uma estratégia de extração ilegal de madeira”, disse Manzatto ao Mongabay por telefone. “Depois de extrair a madeira, eles buscam uma forma de legalizar terras em áreas públicas. A pecuária é a forma mais barata de ocupar uma área.”.

As atividades de extração de madeira contribuem significativamente para o desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, 464 mil hectares (1,15 milhão de acres) de floresta tropical foram desmatados, a maior parte de forma ilegal. A pesquisa do WRI mostra que a conversão de florestas em pastagens pode ser uma forma de garantir a posse da terra ou de especulação fundiária, em vez de obter lucro.

“[O desmatamento] é um problema complexo que requer muitas soluções”, disse Newton. “A agricultura tem uma enorme pegada global no solo. E em lugares onde o uso das terras é ineficiente ou prejudicial ao meio ambiente, como a Amazônia e o Cerrado, a intensificação sustentável pode ser parte da solução.”.

A restauração de pastagens também pode ajudar a reduzir o impacto climático do consumo global de carne bovina, que Newton acredita que não terminará tão cedo. “Reduzir o consumo de produtos ambientalmente intensivos, como a carne bovina, é importante, mas não significa que não possamos atuar simultaneamente no lado da produção”, explicou. “Isto faz parte de um amplo conjunto de práticas que podem ser adotadas globalmente tanto por produtores agrícolas quanto por pecuaristas para produzir mais numa área menor.”.

Priorizando a recuperação de pastagens

O plano ABC original terminou em 2020 e foi sucedido pelo ABC+, que se estenderá até 2030. Este plano visa reduzir as emissões de carbono em 1,1 bilhão de toneladas métricas até 2030, sete vezes mais do que o plano ABC original, e inclui a recuperação de áreas degradadas como um importante meio de promover a agricultura sustentável.

Contudo, a recuperação de pastagens ainda está em fase inicial, especialmente em regiões mais pobres e em áreas de expansão agrícola, disse Feltran-Barbieri, do WRI. Além disso, a verba destinada à recuperação de pastagens sugere que isso não é prioridade.

“Nos últimos nove anos, foram contratados menos de US$ 7 bilhões para recuperação de pastagens, o que representa menos de 0,2% do total de crédito rural contratado ao longo desse período”, acrescentou Feltran-Barbieri. “Esse valor não é suficiente nem para recuperar 5% das pastagens que precisam ser recuperadas a cada ano.”.

Ele acrescentou que a tecnologia para recuperar pastagens degradadas no Brasil já está amplamente disponível, e que a recuperação de um quinto das pastagens degradadas já seria suficiente para ajudar o Brasil a alcançar suas metas climáticas assumidas no Acordo de Paris, conhecidas como sua contribuição determinada nacionalmente (NDC, na sigla em inglês). “Isso aumentaria a produção, permitiria ao País cumprir sua NDC e quebraria o ciclo de desmatamento de florestas primárias com alto grau de biodiversidade.”