Menos intermediários, mais lucros

MENOS INTERMEDIÁRIOS, MAIS LUCROS  Como novas tecnologias e soluções de negócio e logística t


24.10.22

MENOS INTERMEDIÁRIOS, MAIS LUCROS 

Como novas tecnologias e soluções de negócio e logística têm colaborado para eliminar atravessadores e melhorar a receita do pequeno produtor

 

Por Marusa Trevisan

 

Segundo o Censo Agropecuário do Brasil, a agricultura familiar responde por cerca de 70% da produção nacional de feijão, 34% do arroz e 87% da mandioca. Quando se fala de proteínas, são essas propriedades a origem de 60% do leite, 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. São mais de 80 milhões de hectares produzidos em mais de 4 milhões de propriedades rurais, que geram mais de 10 milhões de empregos, o equivalente a 67% da força de trabalho utilizada no campo.

Assim, nos números, fica evidente a gigantesca relevância das pequenas propriedades para o País. Mas, da porteira para dentro, é nelas que se encontra também a maior concentração de dificuldades por hectare no agronegócio brasileiro. Pouca tecnificação, crédito escasso e margens apertadas fazem parte da realidade dos agricultores familiares, muitas vezes deixados à margem das principais oportunidades de mercado. A comercialização da produção é um desafio diário. Ela é feita através de intermediários, que realizam toda a operação logística dos produtos, deixando o agricultor refém de uma situação na qual, muitas vezes, não recompensa o seu esforço no campo. 

O produtor depende totalmente do atravessador. Ele ganha muito menos, não sabe emitir nota fiscal, muitas vezes não tem carro para fazer a logística, então ele depende de alguém que faça tudo isso pra ele e muitas vezes essa pessoa explora o produtor”, conta Priscilla Veras, fundadora e CEO da startup Muda Meu Mundo (MMM). A empresa é uma das que têm buscado na tecnologia alternativas para conectar as pequenas propriedades aos grandes mercados, reduzindo ou até eliminando o papel dos intermediários. E também chamado a atenção de investidores para oportunidades de negócios junto a um público que antes parecia invisível para o capital de risco.

 

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O dinheiro começou a chegar a e gerar mudanças em algumas regiões brasileiras, financiando iniciativas que diminuem as burocracias de negociações e aproximam o campo da cidade. A Muda Meu Mundo, por exemplo, recebeu recentemente um aporte de R$ 4 milhões de um grupo de investidores, entre eles Pedro Paulo Diniz, sócio da Fazenda da Toca e herdeiro da família dos fundadores do Grupo Pão de Açúcar. Já a Clicampo, que funciona como uma espécie de delivery de produtos direto da horta, recebeu aporte dez vezes maior, com a participação de investidores estrangeiros. Sinal de que os pequenos produtores estão definitivamente conectados ao mundo agtech, das startups de tecnologia voltada ao agro. 

Nesta reportagem você vai conhecer essas duas empresas e entender por que elas despertam interesse de gente grande no mercado financeiro. 

 

 

O DELIVERY DIRETO DO CAMPO 

  

Victor Bernardino conhece na prática a dificuldade do agricultor familiar em escoar seus produtos e negociar preços justos. Ele cresceu entre produtores e varejistas e entende perfeitamente as necessidades de cada um desses setores. Sua mãe administrou um restaurante por aproximadamente 30 anos em Belo Horizonte, capital mineira. Bernardino acompanhava o desafio diário dela de negociações e compras de insumos. “Eu cresci em restaurante e via a necessidade do comerciante. Tínhamos que buscar alimentos frescos. Acordar cedo, ir até a Ceasa negociar com várias pessoas”, lembra ele. 

 

Já do lado do produtor, Bernardino presenciava as dificuldades de vendas enfrentadas pelo seu avô paterno, que produzia diversas culturas em uma área de 22 hectares no norte de Minas. Ele sempre trabalhou com base em agricultura familiar, principalmente na produção de tomates. Não por acaso, foi este o produto escolhido por Bernardino para representar a marca que ele criou no ano passado para aumentar a renda desses trabalhadores. “No nosso logo a gente usa muita coisa com tomate, por conta dessa historinha pessoal”, conta ele. 

 

Engenheiro de produção pela UFMG, ele dedicou os últimos 12 anos em aprimorar seus conhecimentos em tecnologia e logística. Seu objeto de estudo é o supply chain (cadeia de suprimentos). Durante esse tempo ele trabalhou na Rappi, aplicativo de entregas rápidas de produtos que vão desde alimentação até suplementos farmacêuticos. Ele liderava a operação nacional de supermercados, bebidas e farmácias. Antes disso ele passou pela Natura, que também é referência em logística. “A passagem por essas duas grandes empresas me fez aprender muito sobre negócios de impacto. Então as duas histórias convergiram, uni minha história pessoal com a profissional. O fato de o meu avô ter tido muita dificuldade financeira para criar oito filhos e não conseguir prosperar financeiramente, mesmo tendo terras, e todas as necessidades que vi minha mãe passando no restaurante, desde a coordenação, compras, preparação, gestão de pessoas, caixas… me motivaram a começar de fato, em 2020, a fazer alguns testes para ajudar os dois setores”, nos conta Bernardino.  

  

Foi a partir do conhecimento de um caso chinês sobre agricultura familiar com comércios, há uns seis ou sete anos, que veio a motivação para criar algo similar no Brasil. “Eu queria algo que conectasse pequenos produtores e restaurantes através de tecnologias para suportar operações ponta a ponta e outras necessidades de negócio, como as negociações comerciais com os pontos de venda”, diz Bernardino. 

 

Em 2021 ele montou seu time, que, a princípio, atendia apenas as necessidades dos restaurantes. A equipe ia até a Ceasa-BH, fazia uma compra coletiva diária e entregava os alimentos aos clientes. Mais tarde, o engenheiro fez um estudo sobre o calendário de produção de regiões com alta densidade de pequenos produtores e construiu uma solução que pudesse atender tanto o varejo quanto o pequeno produtor. 

 

A partir desse calendário, foram criados postos localizados em pontos estratégicos que funcionam como uma espécie de pequenas Ceasas. Os agricultores parceiros entregam seus produtos frescos ali e a agtech os distribui para os clientes da plataforma, de acordo com a demanda de cada comércio, em até 12 horas após o pedido. “A gente consegue fazer um match making entre a qualidade, a quantidade e o padrão do alimento que o agricultor produz e o canal que compra esse tipo de produto. Separamos tudo dentro dessa logística. Pegamos uma caixa de tomates, por exemplo, separamos em padrão de tamanho, maturação e estética e entregamos ao canal que tem a necessidade de cada tipo de tomate diferente. A gente vem lá da ponta fazendo essa separação para entregar o produto certo para o cliente certo e, assim, maximizar o quanto de renda o produtor recebe”, explica Bernardino. 

 

E ele garante que a renda do produtor, sem o intermediário, aumenta bastante. Hoje, a startup paga por volta de 40% a mais que um atravessador e toda a comunicação é feita pela plataforma da Clicampo, que usa o WhatsApp para tornar o serviço simples e acessível para o agricultor familiar.  

 

Atualmente, a empresa conta com três polos desenhados por tipo de cultura em regiões estratégicas: São Paulo, Campinas e Belo Horizonte. A unidade da capital mineira atende trabalhadores impactados pela queda da barragem de Brumadinho, em 2019. O CEO explica que a maior parte dos produtores afetados pelo desastre já comercializa seus alimentos através da startup e, juntamente com parceiros como o Senar, casas de agricultura e sindicatos rurais, a expectativa é impactar até 300 pequenos agricultores afetados na região.  

 

Em menos de dois anos, a agtech, que é formada por cerca de 120 profissionais, 70 deles no time de tecnologia, já conta com cerca de 25 investidores anjos e com o aporte dos fundos como o Valor Capital Group e MAYA Capital. O montante total recebido recentemente é de R$ 40 milhões e tem sido utilizado para aumentar o time de operações e tecnologia e para a abertura de novos polos em outras regiões brasileiras. “Estamos estabilizando algumas métricas de eficiência da operação com a ideia de continuar crescendo”, conta Bernardino com confiança. A ideia agora é levar essa tecnologia para o campo de todo o País. Até o final de 2022, a meta é estar em até cinco cidades brasileiras e, depois, crescer 20 vezes nos próximos dois anos.  

 

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ESG QUE APROXIMA PRODUTOR E VAREJO 

 

Outra solução que liga pequenos produtores com o varejo através de tecnologia e sem intermediários é a Muda Meu Mundo (MMM). A empresa foi criada em 2019 para resolver problemas de conexão de agricultores com supermercados e startups. Trata-se de um marketplace B2B que cria combinações entre as necessidades da rede varejista e o produtor que pode atendê-las. 

 

A idealizadora é a Priscilla Veras. Ela explica que a tecnologia busca solucionar os problemas que impedem que a comercialização direta aconteça. “A gente consegue trazer para o produtor todo um processo de aprendizagem, emissão de nota fiscal, assistência técnica, adiantamento de recebíveis, microcréditos e logística. Do lado do supermercado, a gente diminui todo o entrave de comercialização. Conseguimos entregar uma única nota fiscal, um único pagamento e uma única entrega. Tudo com rastreabilidade para as duas pontas.”.

 

O sistema gera dados de ESG – Governança Ambiental, Social e Corporativa – que são responsáveis pela transparência na relação comercial com o varejo. Funciona assim: o varejista entra no site e insere seu pedido. A tecnologia então mostra para ele toda a rastreabilidade da cadeia produtiva. A partir dessa inteligência de dados, ele tem o poder de decisão de onde ele quer comprar o produto. “O supermercado escolhe se ele quer comprar de produtores pequenos, de produtoras mulheres… tudo com transparência.”.  

 

O produtor também tem o poder de decisão sobre para quem e por quanto ele quer vender. Tudo fica arquivado em um banco de dados da agtech. “Ele sabe, por exemplo. , que vendeu 100 alfaces a R$ 1,00 cada uma para o Carrefour e 200 alfaces a R$ 2,00 para o St. Marche”, explica Priscilla

 

O sistema conta com processo de compra e venda feito através de WhatsApp. “A gente traz para o produtor o uso da tecnologia dentro da realidade dele, de uma forma simples”, diz a fundadora. O rastreio completo de toda a cadeia fica salvo e disponível, para que o varejista possa usar em seus relatórios.

 

Da colheita ao supermercado o tempo máximo para a entrega é de 12 horas e o alimento só é colhido quando já tem um destino, reduzindo assim o desperdício de 30% para menos de 3% ao mês. “A gente trabalha com ele em um sistema de demanda puxada. O agricultor só vai colher aquilo que já está vendido. Isso traz segurança ao produtor e reduz drasticamente o desperdício de comida entre o campo e o varejo”, diz Priscilla.

 

Entre dezembro de 2021 e abril de 2022, os cadastros de agricultores na plataforma triplicaram e chegaram a 400. Dessa quantidade, 80% são provenientes do estado de São Paulo e 20% dos produtores estão no Ceará, estado de origem da empresa. A expectativa para o final de agosto é de que esse número aumente para 600, já que a rentabilidade tem feito os próprios agricultores divulgarem a marca para seus colegas de profissão. A CEO explica que o produtor que utiliza da tecnologia tem mais que dobrado sua rentabilidade nos últimos meses: “No mínimo 100% da renda dele melhora em seis meses”. 

 

Do lado do comércio, entre os varejistas que já aderiram à solução da MMM estão as redes Carrefour, GPA e St. Marche. Também é possível citar as startups Frubana e Jüsto.

 

Fundada por uma mulher, a MMM conta atualmente com cerca de 20 colaboradores. 70%Setenta por cento do time do agro é composto por mulheres. Na liderança da startup, metade pertence ao núcleo feminino. “A gente prioriza as mulheres no nosso time e principalmente as mães. As mães sabem lidar com o tempo como ninguém”, diz Priscilla.

 

A inovação tem atraído investimentos. Recentemente, a Agtech agtech captou R$ 4 milhões em uma rodada pré-seed, através de investidores como Eduardo Mufarej, Pedro Paulo Diniz e Ticiana Rolim Queiroz, além de fundos como AgroVen, Bossa Nova, Sororitê e Squared Ventures. E não para por aí, outros investimentos também estão em processo como um Fundo do Nordeste e um de Agro. Além de outros investidores anjos. 

 

Priscilla explica que o capital será usado para ampliar a operação de forma sólida. “Vamos investir em tecnologia e produto. O objetivo é criar um modelo viável da operação, que possa ser replicável e escalável para o Brasil todo, já no próximo ano.”. A meta da CEO é estar presente em todo o paísPaís, mas os próximos destinos serão o Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além disso, se tudo der certo, os pequenos produtores de Pernambuco, Paraíba, e Rio Grande do Norte também contarão com a tecnologia até 2023.