Um Dengo com a sustentabilidade

Com cacau produzido em sistema agroflorestal, marca de chocolates premium ajuda a gerar renda e recu


Edição 28 - 16.03.22

Com cacau produzido em sistema agroflorestal, marca de chocolates premium ajuda a gerar renda e recuperar o ambiente no sul da Bahia

O cacau já foi símbolo de riqueza e de progresso no sul da Bahia na primeira metade do século 20. Também esteve na origem de um período de desolação na região, quando a vassoura-de-bruxa, uma doença exótica que se instalou na região no final dos anos 1980, atacou os cacaueiros e praticamente acabou com a cultura da região. Hoje, é o fruto da esperança, do renascimento e da sustentabilidade. Graças ao surgimento de grifes de chocolates especiais que trazem no seu DNA a produção responsável do seu principal insumo, uma série de novos projetos de impacto social fomentou a retomada da atividade, beneficiando milhares de famílias e também a restauração ambiental.

Um desses projetos tem o DNA de uma das principais marcas de cosméticos brasileiros. Há quatro anos, Guilherme Leal, fundador da Natura, associou-se a Estevan Sartoreli, que trabalhou durante 12 anos no marketing da multinacional de cosméticos, para criar a Dengo, marca de chocolates que ganhou visibilidade por apostar em endereços luxuosos para expor seus produtos e sua proposta. A empresa tem o compromisso de capacitar o produtor, pagar o melhor preço do mercado e contribuir para a transformação da vida de cada um. “Buscamos gerar uma renda decente às famílias produtoras, pagando um prêmio de preço ao cacau de qualidade e disseminando boas práticas de produção”, diz Sartoreli.

O público abastado das principais cidades brasileiras comprou a ideia. Em 2017, a Dengo tinha apenas uma loja, no Morumbi Shopping, em São Paulo, e venda online. Hoje, está presente também no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Paraná e no Distrito Federal. Já são 30 lojas físicas, além da comercialização em diversos canais. “Acreditamos na oportunidade de ampliar a presença da marca em outros estados brasileiros”, destaca o CEO e cofundador.

Em São Paulo, a experiência da Dengo foi testada de forma ousada no coração financeiro da cidade. Uma loja-conceito instalada na Av. Brigadeiro Faria Lima proporciona uma verdadeira imersão no universo do cacau, do chocolate e de outros produtos, como cafés especiais, queijos e vinhos. São quatro pavimentos, com cafeteria, confeitaria, restaurante, bar, além de espaços e atividades interativas para quem visita o espaço.

Do cacau ao chocolate

A marca está no segmento conhecido como bean to bar, que significa “do grão à barra” e consiste em um processo de fabricação mais natural, com mais cacau e menos açúcar nas formulações. Todo o cacau usado na produção dos chocolates vem de produtores do sul da Bahia, especificamente de uma região do litoral conhecida como Costa do Cacau, a cerca de 200 km de Ilhéus. São mais de 16 mil estabelecimentos rurais com cacau, sendo mais de 50% com menos de 20 hectares.

“Começamos com seis produtores, hoje já são mais de 200 conectados e em relacionamento com o negócio. Temos o compromisso de dobrar a renda de pelo menos 3 mil famílias produtoras de cacau até 2030. Apenas em 2020, apesar da pandemia, tivemos uma melhora de cerca de 25% da renda desses produtores”, afirma Sartoreli.

Além da preocupação social, há também o compromisso com o meio ambiente. O cacau vem da Cabruca, sistema agroflorestal no qual as árvores do fruto são plantadas debaixo da sombra da Mata Atlântica, o que gera renda e preserva a floresta de pé. O modelo de produção é majoritário no sul baiano.

Cerca de 60% dos produtores que atendem a marca são familiares, meeiros ou pequenos. A idade média é de 59 anos. Pelo menos 25% nunca frequentaram a escola e 50% têm o ensino fundamental incompleto. “Felizmente, mais de 80% dos produtores da Dengo já atingem hoje uma remuneração decente, o que chamamos de living income. A realidade da cadeia é bem diferente. Mais da metade dos produtores vive com um salário mínimo ou menos para sustentar uma família de três a quatro pessoas”, afirma o CEO.

O preço da sustentabilidade

Além de oferecer assistência técnica gratuita para o processamento dos frutos, o que ajuda na evolução das práticas de seleção, fermentação e secagem, o grande diferencial da marca está na remuneração dos produtores. “O principal mecanismo de impacto social da Dengo é o pagamento de um prêmio de preço que varia de 70% a 160% acima do valor de mercado”, diz Sartoreli, explicando que o percentual que o produtor recebe é definido de forma comum e transparente, mediante uma tabela de remuneração que leva em conta os critérios de qualidade que uma amostra de lote de cacau recebe, após análise laboratorial no Centro de Inovação do Cacau, em Ilhéus.

O cacau, como outras commodities, é negociado na bolsa de valores. Em 2020, os produtores que forneceram cacau à marca receberam 85% a mais que o preço da commodity, segundo Sartoreli. “Estimulamos a agregação de valor como um dos instrumentos para a viabilidade financeira da atividade cacaueira. Combinamos a isto assistência técnica agrícola e facilitação de acesso ao crédito rural”.

A marca faz questão de deixar claro para o consumidor que, ao comprar um dos produtos, ele contribui para a melhora da qualidade de vida dos produtores, sem pagar mais por isso, já que o posicionamento de preços é considerado equivalente ao do segmento premium nacional relevante. “Dizemos que a Dengo é uma ponte entre quem produz e quem consome. Cacau de qualidade, a preço justo, rastreável, com nome e sobrenome”, defende o CEO da Dengo.

E são esses valores que podem levar a marca a conquistar também o mercado internacional. Apesar do contexto atual e incerto devido à pandemia da Covid-19, existem estudos em andamento dentro da empresa. “Acreditamos que o compromisso social e ambiental da marca, seus sabores inusitados e de alta qualidade sejam aderentes aos anseios de consumidores de outros mercados”, conclui Sartoreli.