Os combustíveis da descarbonização

Conferência DATAGRO sobre Açúcar e Etanol mostrou como os biocombustíveis de base agrícola são


Edição 28 - 30.03.22

Conferência DATAGRO sobre Açúcar e Etanol mostrou como os biocombustíveis de base agrícola são parte essencial da jornada da indústria automobilística em direção à mobilidade sustentável.

Realizada nos dias 25 e 26 de outubro, na capital paulista, em formato híbrido – presencial e on-line –, a 21ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol reuniu os principais representantes do setor sucroenergético nacional e internacional, entre autoridades, empresários, produtores, acadêmicos etc., para discutir os desafios e oportunidades do segmento, em particular, o papel relevante da cana-de-açúcar e derivados, sobretudo o etanol, no desafio de descarbonização mundial.

A solenidade de abertura contou com a participação presencial do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o qual pontuou que o Brasil precisa retomar sua posição de liderança na agenda ambiental global. “Temos mais de 60% de áreas nativas protegidas, uma das leis ambientais mais rígidas do mundo, o Código Florestal. Não temos problemas de lei, e sim do cumprimento delas”, afirmou.

Lira destacou que o crédito de carbono será um dos maiores ativos do Brasil para o mundo, especialmente os que serão gerados a partir dos projetos de floresta em pé, bem como provenientes da expansão do uso de biocombustíveis. “Temos enorme potencial em energia limpa e renovável.”

Em participação por vídeo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, adiantou que a participação dos biocombustíveis na matriz de transportes nacional deve saltar dos atuais 25% para 30% em 2030. “O RenovaBio – Política Nacional de Biocombustíveis – é o primeiro mercado de crédito de carbono do País e está incorporado ao planejamento energético de longo prazo do ministério”, salientou Albuquerque, acrescentando que “a bioenergia será crucial para a mobilidade sustentável, com potencial de posicionar o Brasil como líder global da transição energética e da agenda de baixo carbono”.

A solenidade de abertura contou, ainda, com a participação do deputado federal Arnaldo Jardim; Marcelo Campos Ometto, membro do Conselho do Grupo São Martinho e presidente do Conselho da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica); Pedro Robério de Melo Nogueira, presidente do Sindaçúcar-AL; e o anfitrião Plinio Nastari, presidente da Datagro.

A mensagem-chave da cerimônia de abertura foi a de que o etanol pode contribuir de maneira decisiva para o processo de transição energética, ancorado na substituição de fontes fósseis por renováveis, em direção à descarbonização, e que o Brasil tem a missão de mostrar à comunidade internacional a qualidade da energia limpa e renovável produzida nacionalmente, que pode servir de exemplo para diversas regiões do globo.

 

Etanol está forte na agenda da indústria automobilística

Os biocombustíveis são parte essencial da jornada da indústria automobilística nacional em direção à mobilidade sustentável, frisou o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes. De acordo com o dirigente, o setor brasileiro de biocombustíveis é uma cadeia produtiva robusta, eficiente, geradora de emprego e renda, com capilaridade de distribuição, que não pode ficar de lado.

Segundo Moraes, impulsionar o uso do etanol, por exemplo, na matriz de transportes pode contribuir de maneira decisiva para acelerar a descarbonização a curto e médio prazo da frota circulante do País. “Será a interação de formas que moldará o cenário de diferentes rotas de descarbonização no Brasil.”

O gerente de engenharia de produtos da Nissan, Ricardo Abe, falou sobre o projeto, em desenvolvimento pela montadora, de uma tecnologia comercialmente viável de célula de combustível a etanol, na qual o biocombustível será o gerador da eletricidade. Recentemente, a fabricante fechou acordo com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) para acelerar as pesquisas.

Nesta tecnologia, o etanol passa por um dispositivo, que vai extrair o hidrogênio, que, ao ser combinado ao oxigênio do ar na célula propriamente dita, promove uma reação química e gera a eletricidade que alimentará o motor elétrico. Entre as vantagens desta tecnologia reside o fato de não precisar de grandes baterias. O veículo poderá utilizar a rede de distribuição de etanol já existente para ser abastecido. “Queremos desenvolver esta tecnologia no Brasil, inclusive para exportá-la”, ressaltou Abe.

O presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si, acentuou que o Brasil tem repertório técnico e resultados suficientes já apresentados para ser desenvolvedor global de tecnologias, especialmente limpas e renováveis, para mobilidade veicular, no que foi endossado por Rafael Chang e Christopher Podgorski, respectivamente, presidentes da Toyota do Brasil e da Scania na América Latina.

O chefe da divisão de energia do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e presidente da Plataforma Biofuturo, Renato Godinho, mencionou a importância de políticas públicas de Estado para expansão dos biocombustíveis e que o Brasil vem dando exemplo nesta temática. “As rotas tecnológicas a partir do etanol são as que de longe tiram a melhor nota ambiental, bem como também apresentam a melhor entrega do ponto de vista de resultados econômicos.” O presidente da Unica, Evandro Gussi, reforçou o protagonismo do Brasil quando se fala em biocombustíveis.

 

Organização Internacional do Açúcar prevê déficit de 3,8 milhões de toneladas no ciclo 2021/22

O diretor executivo da Organização Internacional do Açúcar (OIA), José Orive, estimou que o mercado global de açúcar deve apresentar um déficit [consumo superior à produção] de 3,8 milhões de toneladas no ciclo 2021/22.

A produção mundial de açúcar na temporada 2021/22 deve atingir 170,6 milhões de toneladas, crescimento de 0,3%, com aumento do volume proveniente da beterraba. Já o consumo global na safra 2021/22 deve avançar para 174,5 milhões de toneladas, incremento de 1,56%, impulsionado pela demanda pós-pandemia.

Em sua participação, o diretor executivo da Isma, associação que representa o setor produtivo indiano da cana-de-açúcar, Abinash Verma, informou que a produção de açúcar da Índia na temporada 2021/22 deve se situar em torno de 31 milhões de toneladas, e os embarques devem ficar próximas a 6 milhões. De acordo com o dirigente, os subsídios governamentais destinados às exportações são importantes para o produtor local, devido aos custos elevados, e que a diversificação da produção para o etanol esbarra em questões relacionadas à infraestrutura das usinas locais.

Em contraponto, o diretor executivo da Unica, Eduardo Leão, lembrou que os subsídios à exportação promovidos pela Índia distorcem a dinâmica do mercado mundial do adoçante. Segundo ele, esse tipo de prática vai de encontro às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), gerando prejuízo de bilhões de dólares aos produtores brasileiros de cana. O governo do Brasil tem formalizado na OMC, no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias, painel sobre o tema. Leão ressaltou, ainda, que o açúcar é o produto agrícola mais protegido do mundo, sobretudo entre os principais países consumidores. De acordo com o diretor da entidade, ainda que essa proteção, por meio de cotas, seja legal, conforme normas da OMC, também acaba distorcendo a lógica de mercado.

 

RenovaBio: meta prevista para emissão de CBios em 2022 é de 35,9 milhões

O coordenador geral de etanol do Ministério de Minas e Energia (MME), Marlon Arraes, antecipou que a meta prevista para 2022 de emissões de Créditos de Descarbonização (CBios) pelas usinas produtoras de bicombustíveis é de 35,9 milhões de títulos.

Este ano até 21 de outubro, balanço do MME aponta que foram emitidos 29,2 milhões de CBios, a um preço médio de R$ 34,86, resultando em um volume financeiro de R$ 860 milhões. Segundo Arraes, os CBios que têm como lastro o etanol respondem atualmente por 81,75% do mercado, biodiesel (18,24%) e outros biocombustíveis (0,1%).

De acordo com o representante do MME, o RenovaBio vem mostrando uma curva de adesão bastante satisfatória. “Os esforços de descarbonização, que mostrem a pegada de carbono de uma atividade, serão cada vez mais valorizados nos balanços.”

 

Agenda ESG cada vez mais pauta tomada de decisão de investimentos destinados ao setor sucroenergético

A agenda ESG – compliance e responsabilidade ambiental, social e governança corporativa – é uma peça-chave, que cada vez mais pauta a tomada de decisão de investimentos globais nos mais diversos setores produtivos, o que inclui, claro, o setor sucroenergético e o agro como um todo. Foi o que destacou a sócia da PwC Brasil, Ana Paula Malvestio.

Segundo ela, estima-se que investimentos atrelados a certificações ESG devem movimentar cerca de US$ 53 trilhões nos próximos anos mundialmente. De acordo com a executiva, ignorar esta agenda torna-se um risco, por exemplo, no comércio internacional, pela possibilidade da criação de barreiras, sobretudo de caráter técnico, para produtos sem este reconhecimento.

A sócia-fundadora do Pineda & Krahn Advogados, Samanta Pineda, sublinhou que ativos ambientais do Brasil, com destaque para o Código Florestal, boas práticas agrícolas, uso maciço de energia renovável, entre outros, devem ser trabalhados para que sejam reconhecidos – inclusive financeiramente – na comunidade internacional como diferenciais atrelados aos produtos brasileiros.

 

Mercados internacionais pagam prêmio pelo etanol de 2ª geração

A tecnologia para produção de etanol de 2ª geração, a partir de sobras e resíduos do processamento da cana-de-açúcar, é capaz de gerar até 50% a mais do biocombustível sem a necessidade de mais matéria-prima e/ou plantio de novas áreas, revelou o CEO da Raízen, Ricardo Mussa.

Segundo o executivo, exatamente pelo fato de gerar mais etanol com a mesma quantidade de cana, o biocombustível de 2ª geração apresenta uma pegada de carbono – que já é baixa desde o de 1ª geração – ainda menor. “Neste sentido, o mercado internacional tem pago prêmio pelo etanol celulósico, que é considerado um combustível avançado.”

De acordo com Mussa, entre as aplicações industriais para o etanol de 2ª geração destacam-se sua adoção em mercados que têm mandatos a cumprir em relação à adição de biocombustíveis em combustíveis fósseis e para o desenvolvimento do plástico verde, por exemplo.

O CEO da Raízen fez questão de ressaltar que o conceito de usina de açúcar e etanol tem que ficar para trás, sendo substituído por “parque de bioenergia”, porque uma planta do setor sucroenergético hoje já produz muito mais produtos, como a bioeletricidade, biogás, pellets etc.

Lideranças reforçam necessidade de investimentos em comunicação

Lideranças do setor sucroenergético reforçaram, uma vez mais, a necessidade de investimentos em comunicação para que os biocombustíveis, sobretudo o etanol, sejam reconhecidos como elementos-chave para descarbonização global, assim como a cadeia produtiva em torno deles é forte geradora de emprego, renda e consequente desenvolvimento socioeconômico.

“O setor faz muito, mas ainda fala pouco”, resumiu o presidente da Datagro, Plinio Nastari, acrescentando que “o etanol precisa ser reconhecido como energia limpa e renovável para a matriz de transportes, com foco na busca pela mobilidade sustentável”.

O presidente do Fórum Nacional do Setor Sucroenergético, Mário Campos Filho, endossou que, de fato, é preciso que o segmento se comunique melhor com a sociedade e que um desafio a mais será mostrar todos os atributos positivos da cadeia produtiva nas eleições gerais de 2022. “Além disso, é preciso destacar o que o setor faz no tocante à proteção de mata nativa e recuperação florestal”, salientou o presidente do Sindaçúcar-AL, Pedro Robério.

 

Setor sucroenergético apresenta conjuntura financeira saudável

O chefe do departamento do Complexo Alimentar e Biocombustíveis do BNDES, Mauro Matoso, adiantou que o banco prepara o lançamento de linhas de financiamento para o agronegócio com juros a taxas fixas, além da manutenção, claro, das que são vinculadas às variações da Selic e do IPCA.

De acordo com o executivo, na esteira do BNDES para lançamento também estão linhas de crédito dedicadas a fomentar o segmento de bioinsumos, expansão da conectividade rural e perenização do ProRenova, que tem como foco financiar o plantio de novos canaviais.

Além disso, Matoso ressaltou, ainda, que o banco também está testando uma modalidade de fiança para emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que teve como primeira experiência uma operação para a Cooperativa Cotrijal, de Não-Me-Toque (RS). “Queremos dar segurança para que investidores que operam no mercado de capitais tenham confiança para aplicar no agro.”

Neste sentido, Alexandre Aoude, sócio-fundador da Vectis, pontuou que, de fato, será muito difícil o agro continuar se financiando, exatamente pela força e perspectivas de crescimento do setor – apenas com recursos oficiais e do sistema de crédito tradicional. “Captar no mercado de capitais passa a ser fundamental, e a chegada dos Fiagros é de fundamental importância para esta nova jornada.”

Ademais, Pedro Fernandes, diretor de Agronegócios do Itaú BBA, frisou que o setor sucroenergético apresenta uma conjuntura financeira saudável, com maior geração de caixa e redução de dívida pela maior parte das usinas. O executivo aposta em um cenário positivo para safra 2021/22, mas alerta que o custo do capital está em trajetória de alta.