Edição 26 - 20.09.21
O satélite MOD17, da Nasa, usa sensores de espectrorradiômetro para captar a energia absorvida ou transmitida pela Terra. Em 2019, a partir dessas informações, cientistas produziram um cartograma da produção primária bruta composta cumulativa (Gross Primary Productivity) da biosfera terrestre. É uma ideia de como a energia do sol é usada pelos seres vivos do planeta. O cartograma distorce as proporções de cada país conforme seu GPP. Eis aí o Brasil imenso, coração pulsante da Mãe Terra, em franco contraste com projeções cartográficas historicamente eurocêntricas e que tendem a supervalorizar as proporções do hemisfério norte.
A imagem é o ponto de partida do livro Brasil, Paraíso Restaurável, escrito por Jorge Caldeira em colaboração com as pesquisadoras Julia Marisa Sekula e Luana Schabib. A premissa do livro é simples, porém transformadora. Estamos no alvorecer de uma nova economia. Uma economia baseada na restauração de uma harmonia perdida entre homem e natureza, traduzida pela descarbonização da economia, sobretudo na geração de energia. O autor e as autoras trazem dados e informações econômicas e exemplos dessa transformação em outros países, mas também incluindo na obra um resgate de sabedoria ancestral dessa harmonia perdida.
Jorge Caldeira é doutor em Ciência Política, mestre em sociologia e bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Começou historiador e fez-se escritor. Foi autor de obras como Mauá: Empresário do Império, O Banqueiro do Sertão e História da Riqueza no Brasil.
No seu História do Brasil com Empreendedores, Caldeira desmistifica o estereótipo retratado por Caio Prado Jr. e Celso Furtado de um Brasil colonial baseado nos latifúndios escravagistas exportadores que dominou por muito tempo o imaginário social brasileiro. Ao contrário, ele demonstra a partir de dados da época o tamanho da economia local, mesmo com escassez de moeda corrente. A exploração de oportunidades no sertão sempre foi um espaço ocupado por pioneiros, empreendedores e um formidável fator de mobilidade social.
Para mim, há ainda um assunto fundamental deixado praticamente de lado em Paraíso Restaurável. Embora toque no tema desmatamento, a nova obra de Caldeira foca quase que exclusivamente na questão energética, deixando de lado todo o histórico de uso da terra no Brasil, hoje mais relevante para a descarbonização de nossa economia do que a geração de energia. Resta a esperança de que essa lacuna seja objeto, quiçá, de um volume II da obra.
No último 3 de junho, Fernando Schüler, curador do Fronteiras do Pensamento, conduziu um debate formidável com o escritor, acessível no canal do YouTube, e que deveria acender um grande alerta para o agronegócio. Considerando a relevância do tema para o setor, que precisa urgentemente tomar decisões estratégicas em relação ao seu futuro e, por que não, ao do país, o timing do debate não poderia ser mais adequado. Caldeira compara este momento ao que foi a abolição da escravidão no Brasil do fim do Império. Uma nova ordem econômica e social se impunha, enquanto uma parcela reacionária recusava-se a abandonar um modelo imoral e falido de produção.
Na série de artigos Arrabalde, escritos para a revista Piauí, João Moreira Salles revisita todo um histórico de ocupação da Amazônia e pinta um retrato social e ambiental devastador desse Norte brasileiro hoje, explicitado em indicadores sociais pífios. A Amazônia hoje é um dos piores lugares para se viver no Brasil.
O modelo de ocupação e “desenvolvimento” fomentado pelo governo brasileiro hoje é o mesmo de décadas atrás, e que se provou ineficaz. Atualmente ele não só é ineficaz como nos joga para escanteio na geopolítica global e nessa nova ordem econômica.
A conclusão de Moreira Salles e Jorge Caldeira é a mesma. Para que insistir no atraso, quando estamos sentados em cima do futuro? Em cima da maior reserva de carbono e biodiversidade do planeta?
Para Caldeira, o Brasil não só se tornou irrelevante internacionalmente como nos perdemos aqui no debate estéril de esquerda e direita, uma situação que ele batiza de “Cadillac de Havana”. Estamos entre a esquerda que sonha com la vieja Havana e com uma direita que quer ser um Cadillac, mas que acaba sendo ela também símbolo do atraso
Ignacy Sachs já previa há décadas que o Brasil poderia ser uma potência baseada em biomassa, biodiversidade e biotecnologia. O Brasil desenvolveu a agricultura tropical de baixo carbono e teve a coragem de adotar o Código Florestal fazendo de seus produtores grandes conservacionistas. Tornou-se importante player no mercado global. O setor do agronegócio, como maior parte interessada, deveria liderar o Brasil nessa nova economia mundial. Para isso deveria enfrentar o debate sobre o desmatamento, sobre a proteção de povos indígenas, sobre a transição da Amazônia e de outros biomas para novos modelos de economia, a eficiência no uso da terra e a pobreza rural.
Por miopia ou vergonha, nossas lideranças (com poucas mas notáveis exceções) assistem a um futuro possível ser sequestrado por uma agenda que não só é prejudicial aos seus interesses como flerta abertamente com o crime em alguns casos. É tempo de ter coragem e visão para reagir.
Em artigo recente intitulado “Saudades do Brasil”, Fernando Gabeira refletindo sobre a reunião do G7 diz que a nossa irrelevância hoje, explicitada pelas tragédias sanitária e ambiental, é uma escolha. Uma escolha que nos faz momentaneamente se esquecer do potencial que temos. E conclui: “Um país dessa grandeza não pode se deixar sepultar pelo atraso, não tem o direito de se tornar apenas aquele que poderia ter sido”. Paraíso Paraíso Paraíso Paraíso
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