Edição 22 - 23.11.20
Por Lívia Andrade
Alimentos que fortalecem o sistema imunológico estão em alta no mundo todo. Eles já eram uma tendência, mas tornaram-se ainda mais cobiçados em função da pandemia do coronavírus. Castanhas e nozes estão entre eles – e, neste campo, o Brasil é um território promissor. Das oito castanhas e nozes mais consumidas no mundo, quatro delas são produzidas aqui. Entre as extrativistas estão a castanha-de-caju e a castanha-do-pará, esta última mais conhecida internacionalmente como Amazon nut ou Brazil nut. Já no rol das exóticas – aquelas introduzidas para o cultivo comercial – estão a noz-pecã e a macadâmia. E temos mercados prontos para receber nossos produtos. Apenas nos primeiros 60 dias de 2020, o Brasil abriu o mercado da Arábia Saudita para a Amazon nut e o da Coreia do Sul para a castanha-de-baru, produto típico do Cerrado que tem ganhado o mundo por suas propriedades nutricionais. Além disso, há gente de peso explorando a macaúba, uma palmeira da biodiversidade brasileira.
Com novas janelas de oportunidades sendo escancaradas para nossos produtos, há quem já imagine um papel de protagonismo para o País nesse mercado. Para José Eduardo Mendes Camargo, diretor da Divisão de Nozes e Castanhas do Departamento do Agronegócio (Deagro) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as castanhas e nozes têm potencial para estar entre os principais produtos da balança comercial brasileira. “A Califórnia tem 560 mil hectares com três nozes (amêndoas, noz e pistache), que vêm a ser 10% da área de cana-de-açúcar do estado de São Paulo, e exporta US$ 7,1 bilhões há dois anos”, diz. São os produtos carros-chefe das exportações agrícolas daquele estado americano, à frente dos famosos vinhos californianos. E os americanos também aproveitam o crescimento dos veganos no mundo, oferecendo subprodutos como o leite de amêndoas.
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O desempenho brasileiro ainda é tímido, mesmo diante de concorrentes com bem menos área para produzir. Pesquisa realizada pelo Deagro aponta que, em 2007, o Brasil exportou US$ 229 milhões em castanhas e nozes, enquanto as vendas externas do segmento no Chile foram US$ 96 milhões. “Em 2017, o Chile exportou US$ 586 milhões, ou seja, multiplicou por seis, enquanto o Brasil recuou e vendeu US$ 134 milhões para o exterior. Se tivéssemos pegado aqueles US$ 229 milhões e multiplicado por seis, teríamos vendido US$ 1,3 bilhão e as castanhas e nozes seriam o 15º produto da pauta de exportação do Brasil”, diz o diretor da Fiesp.
São constatações como essa que demonstram quanto o Brasil tem a crescer no segmento. “A produção mundial de castanhas, nozes e frutas secas duplicou nos últimos 15 anos e o valor da produção aumentou 2,4 vezes no mesmo período”, diz o espanhol Antonio Pont, presidente honorário do Conselho Internacional de Castanhas e Frutas Secas (INC, na sigla em inglês). De acordo com um estudo da Embrapa e Deagro, só o estado de São Paulo tem 370 mil hectares de terra que, devido à mecanização da colheita da cana-de-açúcar, terão que ser usados para outra cultura. “A macadâmia é uma opção de diversificação para estas áreas”, diz Camargo, que é proprietário da QueenNut, empresa pioneira no cultivo dessa noz no Brasil, que processou mais de 2,3 mil toneladas no ano passado.
Exóticas e lucrativas
Natural da Austrália, a macadâmia é rica em ômega-7 (óleo palmitoleico), que reduz o colesterol. Além dos benefícios à saúde, a lavoura da noz é interessante financeiramente. As processadoras costumam pagar R$ 10 por quilo de macadâmia com casca, o que pode dar ao agricultor uma renda líquida por hectare entre R$ 15 mil e R$ 20 mil ao ano. Hoje, o Brasil tem 7 mil hectares da cultura, sendo que 4 mil estão em produção. Mas a macadâmia é um investimento de médio prazo, já que as árvores levam quatro anos para começar a produzir.
A noz-pecã é bastante similar à macadâmia, com a diferença que ela é natural dos Estados Unidos e se adaptou melhor ao Sul do Brasil por precisar de horas de frio abaixo de 7 C° para se desenvolver bem. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas (ABNC) e Embrapa, o Brasil tem 12 mil hectares de nogueiras, a maior parte da área no Rio Grande do Sul. Uma boa lavoura produz mais de 4 toneladas por hectare, o que gera um lucro entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por ano.
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A boa rentabilidade levou o governo do Rio Grande do Sul a estruturar em 2017 o Programa Estadual de Desenvolvimento da Pecanicultura (Pro-Pecã), que tem por meta organizar toda a cadeia nos próximos 15 anos. “O plano engloba regras para viveiros, a parte de pesquisas e programas de marketing que estimulem o consumo”, diz Edson Ortiz, diretor da Divinut, empresa que produz mudas de nogueira pecã, além de processar a noz. Espaço para crescer é o que não falta. Embora o Brasil seja o 4º maior produtor mundial, com 3,5 mil toneladas de noz-pecã em casca por ano, o País nem sequer produz o suficiente para o mercado interno e precisa importar de vizinhos como Chile e Argentina.
Casa em ordem
A ABNC foi criada em 2018 com o intuito de organizar o segmento de castanhas e nozes do Brasil. A associação reúne o pessoal da macadâmia, noz-pecã, Amazon nut, castanha-de-baru, castanha-de-caju e macaúba. “Queremos dar visibilidade ao setor, trazê-lo para o patamar das grandes commodities que tanto contribuem com o País”, diz Camargo. Outro objetivo é reconquistar o espaço perdido ao longo dos anos. Só para se ter ideia, o Brasil chegou a ocupar 30% do mercado mundial de castanha-de-caju, mas por causa de anos de seca no Nordeste, hoje tem 3%, atrás do Vietnã e da África. A boa notícia é que a Embrapa desenvolveu o cajueiro-anão, que é resistente ao estresse hídrico e pode ajudar a reverter a situação. “O Brasil também está começando a utilizar a tecnologia vietnamita, um maquinário [de processamento] mais barato, pequeno e de fácil operação”, diz o diretor da Fiesp.
No ramo de castanhas oriundas do extrativismo, a Brazil nut é a que tem maior destaque por ser um produto da floresta Amazônica e a maior fonte natural de selênio, um mineral antioxidante. De acordo com o INC, a cadeia da castanha-do-brasil movimenta US$ 450 milhões no mundo por ano e o consumo tem crescido: saltou de 29,5 milhões de toneladas em 2014 para 35 milhões de toneladas em 2018. Embora a maior parte da floresta Amazônica esteja em território nacional, hoje o Brasil ocupa a terceira colocação no ranking dos exportadores, atrás da Bolívia e do Peru.
Dados do IBGE sobre a safra 2018/19 apontam que o Brasil produziu 34 mil toneladas de Amazon nut. Segundo uma pesquisa do Imaflora, de 2016, 74% da produção fica no mercado interno, absorvida principalmente pela indústria alimentícia. Os 26% restantes são destinados à exportação, sendo que boa parte segue em casca para Bolívia e Peru, que beneficiam e reexportam com maior valor agregado. Segundo Maurílio Santos Júnior, especialista em Mercados Verdes e diretor institucional da ABNC, “o extrativismo da castanha-do-Brasil engloba 60 mil famílias e 100 cooperativas e precisa de capacitação para a formação dos agentes da cadeia, investimento em marketing, bem como a criação de um modelo [de certificação] de controle fitossanitário, que facilite a exportação para a Europa”.
Para Gunter Viteri, consultor do projeto Mercados Verdes e Consumo Sustentável do Ministério da Agricultura e cooperação alemã GIZ, o momento é favorável às castanhas, sobretudo à castanha-do-brasil. “As tendências do comércio global mostram um consumidor cada vez mais preocupado com saúde, longevidade e sustentabilidade, querendo conhecer toda a cadeia e priorizando produtos que contem uma história, o que é muito forte na castanha-do-brasil por causa do vínculo com a Amazônia e com as comunidades tradicionais.”
Além de fixar as pessoas no campo (moradores locais, comunidades tradicionais e agricultores familiares), o extrativismo sustentável contribui para a preservação da floresta Amazônica. “Nos anos 1990, eram coletadas em média 50 mil toneladas de castanha-do-brasil por ano. Em 2018, foram cerca de 34 mil toneladas, ou seja, sem a floresta em pé, as castanheiras irão desaparecer, bem como seus serviços ambientais prestados ao clima, animais, polinização e seres humanos”, explica Santos Júnior.
Riqueza do Cerrado
Natural de outro importante bioma brasileiro, a castanha-de-baru é mais uma preciosidade brasileira e vem ganhando mercado. Na realidade, ela é a semente do fruto do baruzeiro, uma árvore típica do Cerrado, que começou a ser explorada há uma década. O publicitário Edson Cunha é um dos pioneiros. Naquela época, ele deixou a capital paulista e voltou para Jussara (GO), sua terra natal. Foi quando se lembrou da infância, dos baruzeiros e das propriedades nutricionais relacionadas à semente. A partir dali, começou a pesquisar e também a organizar e treinar as comunidades extrativistas, que hoje são mais de mil espalhadas por Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Minas Gerais. “Quando conseguimos a primeira tonelada de baru, foi uma vitória. Mas de 2018 para 2020 já passaram por nós mais de 40 toneladas de sementes”, explica Cunha, fundador da Flora do Cerrado, uma empresa focada nos produtos da região.
Há seis anos, a Flora ganhou musculatura ao se fundir com a Labra, empresa focada na comercialização de produtos e ingredientes ecofriendly. Criada pelo brasileiro Ricardo Pavan, a companhia tem sede nos Estados Unidos, por isso o nome Labra, uma referência à conexão Los Angeles–Brasil. Com a fusão, a castanha-de-baru passou a ser exportada para os ianques e canadenses e a participar da Expo West, uma feira de produtos naturais da Califórnia, conhecida por lançar tendências no mundo. “Em 2016, fomos abordados por importadores e traders da Coreia do Sul e encaminhamos amostras de baru para eles fazerem o primeiro registro sanitário da castanha”, diz Pavan.
A abordagem rendeu frutos. Recentemente, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou a abertura da Coreia do Sul para a castanha-de-baru. E os planos da Labra-Flora não param por aí. A empresa aposta nas dezenas de propriedades nutricionais do baru (antioxidante, alto percentual proteico, baixo índice glicêmico, rico em zinco e fibra), que o coloca na categoria de “superalimento” para abrir novos mercados. Enquanto a parte comercial apresenta a semente do Cerrado ao mundo, a equipe de campo investe na cadeia: treinamento das comunidades extrativistas, desenvolvimento de equipamentos para a quebra do fruto, construção de unidades de processamento e doação de mudas de baruzeiro para estimular o plantio.
O Brasil pode facilmente triplicar a oferta da semente. “Dos baruzeiros que existem no Cerrado, apenas 10% dos frutos são aproveitados hoje”, diz Cunha. A maioria das pessoas desconhece o produto. Por conta do trabalho da Labra-Flora, muitos pecuaristas da região descobriram a riqueza que há em seus pastos e vão começar a fornecer o fruto à empresa. É o caso da goiana Isabel Araújo, que desde pequena consumia o baru, muito utilizado por sua mãe na alimentação. Mas desconhecia o valor comercial da castanha até conhecer a Labra-Flora. “Sou entusiasta da silvicultura, ou seja, como monetizar nossas árvores. Temos uma fazenda de 4.957 hectares no Vale do Araguaia e lá há 1,5 mil baruzeiros nativos”, conta a fazendeira. Este ano será a primeira colheita com fins comerciais e a pecuarista irá contratar mulheres da região para fazer a colheita. Dependendo de como for a empreitada, Isabel pretende ampliar o projeto baru na propriedade.
Macaúba, a aposta da família Pastori
Fruto da palmeira nativa do Brasil, a macaúba é um produto versátil com potencial para conquistar o mundo. Tem polpa e amêndoa ricas em óleo, é fonte de biomassa e pode servir de matéria-prima para uma série de segmentos: indústria de alimentos, fabricantes de bioprodutos, setor de cosméticos, bem como a área de combustíveis renováveis. “O Brasil tem uma possível nova commodity global sustentável”, diz Felipe Morbi, CEO da Soleá, empresa que nasceu em 2010 para estruturar o projeto macaúba, que tem como pilares a sustentabilidade e a bioeconomia. A inciativa recupera áreas degradadas com o cultivo comercial da palmeira nativa e comercializa produtos sustentáveis com custo competitivo.
Produção da macaúba: castanha nativa do Brasil tem grande potencial de exportação
A macaúba veio à tona em 2004, quando foi lançado o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Só para se ter uma ideia, o óleo de palma (equivalente no Brasil ao dendê) é o mais consumido no mundo. Um hectare dessa palmeira resulta em 3,8 toneladas de óleo, enquanto a mesma área de macaúba produz 9 toneladas de óleo. Individualmente, a palma tem uma produtividade maior, mas é uma palmácea de grande porte. Já a macaúba tem porte médio, o que possibilita um adensamento três vezes maior de planta por hectare, o que multiplica o rendimento.
E as vantagens vão além. A palmeira macaúba está presente desde o sul da América do Sul até o México e é menos exigente em água. “Ela ocorre naturalmente em regiões com 1,2 mil milímetros de chuva anual e longos períodos de seca. Por essa característica, a macaúba pode ser cultivada em uma ampla faixa territorial e diferentes biomas”, diz o CEO da Soleá. “Apenas como comparativo, a palma – que domina o mercado de óleos vegetais – se desenvolve bem em regiões mais úmidas, áreas de floresta equatorial [Amazônia e, principalmente, o sudeste asiático], com índice pluviométrico de, no mínimo, 2 mil milímetros bem distribuídos”, diz o CEO da Soleá.
O plano audacioso de Morbi foi apresentado a Rafael Pastori, filho de Aurélio Pastori, empresário do ramo metalúrgico e inventor das bombas hidráulicas Anauger. Pai e filho se apaixonaram pelo projeto, especialmente o patriarca, que tem como missão de vida deixar um legado socioambiental para gerações futuras. Por meio da holding Pastori Participações, eles já investiram R$ 40 milhões na Soleá e na Acrotech, uma empresa-irmã focada em tecnologia agrícola para o melhoramento genético, formas de cultivo e metodologias de colheita da macaúba.
Atualmente, a Soleá tem uma grande área experimental de 700 hectares de macaúba em João Pinheiro (MG). “É um banco de germoplasma com uma variabilidade genética gigantesca para o programa de melhoramento genético, com a finalidade de transformar as variedades em clones”, diz Morbi. Na lavoura são realizados diversos experimentos: cultivos com espaçamentos diferentes; plantio no sistema agroflorestal (SAF), que pode consorciar a macaúba com pecuária e culturas como mandioca, feijão e palmito-juçara; bem como avaliação de tipos de solo, níveis de adubação e incidência de pragas e doenças.
Neste ano será colhido o primeiro talhão, uma área de 206 hectares plantada em 2015. Na indústria, o fruto da macaúba rende diversos produtos. A polpa resulta em dois, um óleo com o perfil de ácidos graxos similar ao do azeite de oliva e um farelo fibroso, rico em carotenoides. Já da amêndoa se extrai um óleo similar ao de coco e um farelo proteico. Além disso, um hectare da lavoura gera 10 toneladas de biomassa por ano, restos do cacho da macaúba e as folhas e cascas que se desprendem da palmeira. “Ela tem uma versatilidade de produtos e aplicações que mitiga os riscos do negócio”, diz Morbi.
A empresa vem trabalhando com parceiros para o desenvolvimento de produtos para a indústria de alimentos e mercado pet. Na área de bioprodutos, os trabalhos são voltados para plásticos e resinas verdes. No segmento de energia limpa, o foco é o diesel verde, o biodiesel, a bioquerosene a partir dos óleos e os biocombustíveis de segunda geração (etanol e diesel verde) a partir das biomassas.
A verticalização é a base do projeto da Soleá, que domina todas as fases do processo, da semente à comercialização dos produtos (óleo e biomassas). Agora, o momento é de crescimento, aproveitando a demanda por matérias-primas sustentáveis, que foi acentuada pela pandemia. “Há uma série de opções, desde uma captação de recursos para ampliar a área própria, fomento a produtores ou atrair fundos de investimentos verdes para o plantio da macaúba”, diz Morbi. “A Acrotech forneceria o pacote tecnológico e, na outra ponta, a Soleá garantiria a compra dos frutos”, finaliza.
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