O sol da meia-noite

Por André Sollitto Nas fazendas verticais, montadas em ambientes fechados, a iluminação artificia


Edição 21 - 09.09.20

Por André Sollitto

Nas fazendas verticais, montadas em ambientes fechados, a iluminação artificial dá o tom futurista. De cor rosada, toma conta das prateleiras de alta tecnologia em que cada detalhe é controlado para garantir o crescimento de legumes, verduras e hortaliças. Bem diferente do que acontece no campo, onde o sol tem papel indispensável. Ou, talvez, nem tanto. A mesma tecnologia que permitiu o avanço das startups de agricultura indoor promete, agora, iluminar as noites em lavouras a céu aberto, estabelecendo uma nova perspectiva de produção para algumas regiões do planeta. A ideia germinou em uma empresa brasileira, que criou o primeiro pivô de irrigação iluminado do mundo.

Para o produtor mineiro Gustavo Grossi, a próxima fronteira a ser conquistada pela agricultura é a noite. E os resultados apresentados até agora oferecem uma perspectiva bastante promissora. A tecnologia, batizada de Irriluce, foi desenvolvida por ele a partir de um estudo da produção em outros países. “Observando a latitude de outras regiões, percebi uma produtividade maior por causa da incidência de luz. É o caso dos Estados Unidos e do Egito, com seu algodão”, afirma ele, em entrevista à PLANT. Outros fatores que afetam a produção, como a nutrição das plantas, a genética e os cuidados com o solo, já haviam sido explorados. Mas a luminosidade nunca havia sido tema de estudos fora de ambientes controlados. “Fizemos diversas pesquisas na internet e não encontramos nada sobre o assunto. Foi muito difícil chegar ao pouco de conhecimento que obtivemos”, conta o produtor. Hoje, após quase cinco anos trabalhando sem fazer alarde, Grossi já conta com o apoio de 28 profissionais de sete universidades do País.

Os resultados obtidos mostram o tamanho da descoberta da equipe. Em uma propriedade no município de Monte Carmelo, em Minas Gerais, a tecnologia foi aplicada em culturas de milho e soja. Na soja, a produtividade aumentou até 65% em sacas por hectare com apenas 20 dias de aplicação. A suplementação luminosa foi feita durante o período noturno, ampliando o fotoperíodo das plantas, e em dias de baixa luminosidade, e apenas por determinados períodos, à medida que o pivô se move em cada talhão.

O objetivo é criar um ambiente em que a planta possa trabalhar um pouco mais, mas também descansar, como acontece com um ciclo tradicional. Com o milho, a resposta foi ainda melhor: o aumento registrado foi de até 105% por hectare. Além disso, houve uma redução de até 35% na necessidade de uso de fungicidas e defensivos químicos. Os testes continuam. “Temos hoje aqui alho, batata, cebola, trigo, girassol, sorgo semente, milho semente, pimenta, tomate, milho doce, ervilha, feijão, cana e algodão”, afirma Gustavo. Sem entrar em detalhes, afirma que o resultado foi positivo em todas as culturas.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Embora empolgado, o produtor mantém os pés no chão. Segundo ele, a descoberta dessa tecnologia é tão nova que cada detalhe precisa ser pesquisado com cuidado. “É muito ‘não sei’ para muita pergunta. Mas vamos descobrir”, afirma ele. Por enquanto, o produtor e sua equipe de pesquisadores ainda não têm certeza se a luminosidade usada no alho, por exemplo, terá o mesmo efeito no milho. Também não sabem se o que funciona em uma cultura no Centro-Oeste terá o mesmo impacto na região Sul, por exemplo. “Para onde a gente for, temos que ter um projeto para aquela região.”

Grossi diz ainda que não pode afirmar com certeza que a suplementação luminosa aumenta a capacidade da planta em realizar fotossíntese. Ou se estimula a concentração de hormônios. Nem se a fisiologia e morfologia da planta acabam mudando com a incidência da luz. Por conta dessas dificuldades, não garante que a tecnologia estará pronta para a próxima safra.

As pesquisas, no entanto, têm apontado outros caminhos bastante interessantes. Além da suplementação luminosa, ele tem trabalhado a fertilidade da planta e a reestruturação do solo por meio do uso de adubos organominerais. “Assim, temos toda a sanidade da planta pronta para que a luz possa ser assimilada”, diz. A questão do uso de adubos organominerais, em especial, é de grande interesse tendo em vista a demanda do mercado por alimentos com menos agroquímicos. “A alimentação orgânica está crescendo. E não é uma empresa que diz, é o próprio consumidor que está pedindo, que quer comer algo bom com menos defensivos. É claro que alguns continuam sendo necessários, por causa de mutações, por exemplo. E o consumidor às vezes cai no buraco da falta de informação. Mas queremos canalizar o que é bom”, diz.

O que ele espera é que cada etapa do caminho fique clara para o consumidor final. Gustavo está trabalhando com uma empresa que oferece tecnologias de rastreabilidade dos alimentos. “Quero que as pessoas entendam o que está acontecendo. Sou agricultor. Somos milhões de produtores. É muita gente sofrendo no campo, ao mesmo tempo. Quando vão ao supermercado, as pessoas não sabem como aquele alimento chegou ali”, afirma.

AMBIÇÕES

A busca por todos os detalhes acerca da tecnologia continua, mas a ambição de Grossi já é grande. O produtor afirma já ter feito testes com grandes empresas do agro, que manifestaram interesse. E conta que muitos produtores, de todo o Brasil, estão ansiosos para ver os resultados de perto. “Mas eu quero ter muito cuidado. Trabalhei durante cinco anos sem falar nada”, diz ele, referindo-se aos cuidados que tem tomado por conta da pandemia. Afinal, além do isolamento social, a Covid-19 prejudicou os trabalhos de outras maneiras. Cerca de 80% da matéria-prima que utiliza na elaboração dos pivôs iluminados é importada, e o fornecimento foi afetado.

Seu objetivo, em breve, é chegar aos pequenos produtores, oferecendo uma solução eficaz e acessível em um modelo elaborado especificamente para propriedades de até cinco hectares. Uma maneira de baratear os custos, de acordo com Grossi, é oferecer um pivô que irrigue apenas luz para áreas de sequeiro.

A internacionalização também está no horizonte da Irriluce. “Eu criei esse projeto para uma certa independência”, afirma. “Porque estamos presos ao agribusiness internacional. O preço do adubo sobe 150%. Depende do câmbio, de elementos internacionais. Eu queria agregar resultado e gerar emprego. Nunca pensei em expandir. Mas, quando vi os primeiros resultados, soube que era algo muito grande e que não ia ficar apenas por aqui.”

Os Estados Unidos são um dos destinos, e Grossi deve começar pelo estado de Nebraska, onde tem uma conexão importante, já que é no estado americano que fica a sede de uma das empresas que fornece os pivôs. Ele já entrou com pedido de patente da tecnologia nos EUA, já que acredita que o interesse por lá será grande, uma vez que os níveis de insolação são menores que no Brasil, por exemplo. Ele conta que um fornecedor americano não acreditou que uma tecnologia do tipo, inédita por lá, estava sendo desenvolvida no Brasil. “O americano, com sua pompa e circunstância, ficou impressionado.”

“Também pedi patente na Argentina”, afirma o produtor. Na América Latina, também quer entrar na Bolívia. E ele tem interesse em oferecer a irrigação de luz para produtores da África. “A China está muito mais próxima deles do que nós”, diz. “Minha intenção é essa: quanto mais rápido eu conseguir desenvolver essa tecnologia, mais rápido consigo levar para fora.”

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