Agro por assinatura

Por André Sollitto No princípio, eram os livros. Depois, os filmes, os CDs (eram outros tempos), e


Edição 21 - 23.09.20

Por André Sollitto

No princípio, eram os livros. Depois, os filmes, os CDs (eram outros tempos), e, mais recentemente, vinhos, cachaças e cervejas. Receber produtos escolhidos a dedo na porta de casa, a cada mês ou a cada semana, é uma comodidade enorme – e não é uma invasão dos tempos de pandemia. Clubes de assinatura têm feito sucesso há algumas décadas, mas o avanço da tecnologia (e, é claro, a necessidade de permanecer em casa) espalharam o conceito por novos nichos e setores do agronegócio. O consumidor encontra hoje uma variedade de assinaturas que oferecem uma experiência com curadoria capaz de proporcionar uma conexão mais direta tanto com os produtores quanto com os alimentos enviados periodicamente.

Um dos formatos que ganharam popularidade recente é o de legumes e verduras. A proposta é simples: o cliente recebe uma quantidade de alimentos, vinda diretamente de pequenos produtores, em uma periodicidade predefinida. Muitas vezes, esses produtos são orgânicos. É o tipo de serviço oferecido por empresas como a Raízs. À medida que as regras de isolamento social se intensificaram e menos gente saiu às ruas até para fazer compras, a demanda cresceu muito.

Além de facilitar a vida de quem pode ficar em casa para escapar do vírus, as assinaturas ajudam os produtores a garantir um escoamento de sua produção em um momento em que suas opções são reduzidas. O trabalho da Raízs ainda serviu de estímulo para outras iniciativas do setor. É o caso da Fungo de Quintal. A empresa surgiu em 2017 de uma iniciativa do CEO, Alexander Piotti Hlebanja, de incentivar amigos próximos a adotar um estilo de vida mais saudável a partir do consumo de cogumelos.

A operação começou com um único produtor e as vendas eram apenas avulsas. Hoje, a empresa cresceu: já são 13 famílias de produtores, e os clientes podem assinar o Clube CoguLovers, iniciativa inspirada pela Raízs, e receber pacotes de cogumelos em casa. “Temos toda uma operação logística para o transporte dos cogumelos”, afirma Santiago Barzi, responsável pelo marketing da empresa. Segundo ele, a vantagem de assinar o clube é receber um produto mais fresco, transportado em uma cadeia 100% refrigerada. “São no máximo dois dias entre a colheita e a entrega para o consumidor. Em um supermercado tradicional, esse período pode ultrapassar oito dias.”

A mercadoria vem diretamente de pequenos produtores que cultivam os cogumelos em suas propriedades, a poucos quilômetros de São Paulo. “Não há nenhum grande produtor entre os nossos fornecedores. Vamos aumentando a rede a partir das indicações dos próprios produtores”, afirma Barzi. Para entrar para essa rede, no entanto, existem algumas exigências. A equipe prova o cogumelo, para ter certeza de que ele tem qualidade e sabor. E ele deve ser orgânico, mesmo que o produtor não possua o selo, já que a burocracia e os custos acabam sendo proibitivos para alguns deles. Mas eles também fazem questão de conhecer cada família.

Essa relação mais próxima com os responsáveis por cultivar o alimento que chega à mesa tem cativado os assinantes do clube. “Eu vim da Argentina. Lá, a conexão entre o campo e a cidade é grande faz tempo. Aqui, nem tanto. Acho que reduzir a cadeia e aproximar os dois é o futuro. Porque você oferece mais qualidade e fomenta o trabalho dos pequenos produtores”, diz Barzi.

“O clube tem que oferecer mais do que o produto. Tem que oferecer essa aproximação com o produtor. Os consumidores estão mais exigentes nesse quesito. Se optaram por um clube, querem saber a história do produto que estão recebendo”, afirma Tiago Dardeau, sócio- fundador do Clube do Queijo, plataforma que oferece mensalmente uma seleção de queijos brasileiros. A empresa surgiu de maneira despretensiosa depois que Tiago conheceu o universo dos queijos artesanais e se apaixonou. Começou correndo atrás dos produtores e fazendo compras coletivas para amigos interessados, até que a ideia amadureceu e se transformou em um clube de assinaturas. Ele faz a curadoria das caixas que são enviadas e procura sempre fugir de queijos que podem ser encontrados nos supermercados. “Eu trabalho com produtores pequenos, alguns bem humildes, com produção bem pequena, até produtores médios. Cada entrega do clube é uma oportunidade de apresentar sua produção, de mostrar como ele trabalha e as características do seu produto”, afirma ele.

Consumo mais consciente

Os clubes de assinatura também oferecem uma porta de entrada para consumidores que desejam conhecer mais profundamente produtos mais complexos. Esse é um dos motivos da popularização dos clubes de vinho: mergulhar em um universo tão diversificado é difícil – e contar com a ajuda de profissionais ajuda a educar o paladar e conhecer um pouco mais sobre as opções disponíveis. O princípio é o mesmo com os clubes de queijos, cafés e até de churrasco. Eles oferecem o prazer da descoberta a partir de uma curadoria com muito embasamento.

E, com um conhecimento maior por parte dos consumidores, o mercado como um todo acaba ganhando. É o caso dos cafés especiais. Quando o designer Rafael Bassetto criou o Moka Clube, em 2012, o mercado de cafés gourmet era praticamente inexistente. “O Hugo, meu sócio, morou em Londres e lá o café brasileiro tinha uma imagem excelente. Mas aqui, não. Quando esboçamos a ideia, quisemos trazer um pouco dessa experiência de fora. Tanto que falávamos de café de exportação”, afirma o empreendedor. Hoje, oito anos depois, a situação é muito diferente. Rafael conta que esse discurso de exportação caiu em desuso. “O amadurecimento do mercado como um todo é muito benéfico. Em 2012, você não entrava no Instagram e via cafés especiais. Agora, após toda essa caminhada, temos acesso a cafés que não existem lá fora”, diz ele.

A situação é semelhante com o WorldSteak, clube de assinatura focado apenas em carnes. Danielle Naville Ferraro, responsável pelo setor comercial da empresa, conta que ela e o marido têm uma empresa de distribuição de alimentos há 15 anos. Apaixonados por churrasco, eles ofereciam aos amigos caixas fechadas de carnes da empresa com preços especiais, até que decidiram lançar o serviço na forma de um clube de assinatura, que hoje já tem três anos. O mundo do churrasco também oferece um universo de opções bastante complexas, especialmente por conta das seleções que os assinantes recebem. “Temos curadores que são experts em carne, que selecionam cortes especiais de animais como Angus, Black Angus e Wagyu. A relação com os frigoríficos é bem próxima. Fazemos visitas e degustamos os produtos para ter certeza de que eles atendem nosso padrão de qualidade”, afirma Danielle. Ela conta também que os curadores buscam manejos diferentes para mostrar de que maneira eles influenciam na carne que é servida à mesa.

Nem sempre essas sutilezas ficam tão claras para um cliente menos familiarizado com seu preparo. Por isso, o WorldSteak planeja lançar em breve uma linha de aulas para que os assinantes do clube aprendam a preparar os tipos de carne enviados nos boxes. “Além dos pacotes mensais, oferecemos aos clientes a possibilidade de compra de peças avulsas. Enviamos a lista por WhatsApp para eles e percebemos que muitos evitam comprar alguns tipos porque não sabem como preparar. Os cursos vão ajudar nessa questão”, afirma Danielle.

Em alguns casos, quando o cliente atinge um certo grau de conhecimento, ele deixa de fazer parte do clube. “Existem alguns estágios. Quando a pessoa não está familiarizada com a variedade, o linguajar, ela assina o clube e começa a receber as informações. No nosso caso, depois que o assinante se torna um geek do café, ele percebe que não precisa mais assinar”, afirma Rafael, do Moka Clube. É aqui que entra a necessidade de surpreender sempre. A busca constante por novos produtos é um fator determinante para garantir o sucesso de um clube. Afinal, o assinante precisa sempre sentir que a cada mês é surpreendido por produtos que ele não conheceria de outra forma. “Começamos a partir de contatos. Descobríamos uma fazenda e íamos visitar o produtor e provar o café”, conta Rafael. “Hoje, os produtores nos procuram para colocar seu produto no clube. É uma outra relação que acaba sendo benéfica para nós, porque temos acesso a cafés raros, por exemplo.”

Mercado em expansão

Ninguém sabe ao certo como será o mercado pós-pandemia. Mas os responsáveis pelos clubes de assinatura acreditam que receber produtos em casa é uma tendência que deve se manter. “Estamos vivendo uma situação atípica. Algumas pessoas deixaram o clube por uma questão financeira, mas no balanço geral tivemos um aumento considerável. As pessoas estão mais abertas a receber a comida por correio”, afirma Danielle. Tiago, do Clube do Queijo, concorda. “É um cenário que veio para ficar. Mesmo antes da pandemia víamos como um segmento forte. Como em todo negócio, é necessária uma estrutura e um entendimento do mercado”, afirma o empreendedor.

Não à toa, até gigantes do setor estão se voltando para o formato. O Grupo Mantiqueira, maior produtor de ovos da América Latina, lançou um clube em que o consumidor pode escolher se quer receber ovos orgânicos, ovos de galinhas caipiras, um kit voltado para os praticantes de esporte ou outro com o N.Ovo, seu substituto vegetal que pode ser usado em receitas no lugar da proteína animal. A LivUp, startup de marmitas congeladas que em setembro do ano passado levantou R$ 90 milhões em uma rodada de investimentos, também oferece uma cesta de legumes, verduras e frutas orgânicas que vai direto do produtor ao consumidor. Em meio à pandemia, lançou também um sistema de doação de cestas para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Os clubes mais específicos também estão de olho na expansão. O Fungo de Quintal planeja consolidar uma presença nas redes sociais capaz de transmitir seus valores aos clientes e, em um segundo momento, oferecer seus serviços em outras cidades. Eles já fazem entregas em Osasco, Barueri e até Cotia. Agora, esperam chegar em outras cidades grandes, como Campinas. “Precisa ser grande, senão a conta não fecha”, diz Santiago. O Clube do Queijo lançou a venda avulsa, por enquanto exclusivamente para a cidade do Rio de Janeiro. “Tive que tomar todos os cuidados para garantir a operação, mas agora envio um menu aos clientes e entrego direto para eles. Esse tipo de venda aumentou muito e abriu a possibilidade de comercializar queijos moles, por exemplo, algo que eu não conseguia antes”, diz Tiago.

O segredo é um só: ter uma proposta de valor e garantir que o cliente receba sempre algo diferente. Ele precisa poder responder com clareza porque vai se comprometer com aquele produto todos os meses. Se a resposta for clara, o negócio será um sucesso.

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