Edição 18 - 10.03.20
Por Romualdo Venâncio
Em 2018, a PLANT PROJECT teve uma participação especial no Global Agribusiness Forum (GAF-18), a maior conferência do agronegócio no Brasil e uma das maiores do mundo. Com um lounge exclusivo, promoveu uma série de debates, ou melhor, bate-papos sobre diversas tendências e oportunidades para a agropecuária nacional. Um deles, o “Diálogo Agro Content”, abordou a importância do storytelling e do branded content como ferramentas estratégicas para a comunicação do agro. Era exatamente o que buscava uma jovem produtora rural do Centro-Oeste. Carla Mayara Borges, hoje com 29 anos, ouvia atentamente os participantes em busca de novas ideias para o segmento de pulses – termo utilizado para definir toda uma categoria de grãos ricos em proteínas, principalmente feijão, ervilhas, lentilhas e grão de bico –, sua aposta para agregar valor e expandir os negócios no Vale do Araguaia, em Mato Grosso.
Mais do que isso, Carla empunhou uma bandeira em defesa dos pulses como agronegócio de valor no Centro-Oeste. Formada em administração de negócios pela FAE Centro Universitário, de Curitiba (PR), e pela Universidade de Ciências Aplicadas Fachhochschule Münster, na Alemanha, a produtora tem acompanhado bem de perto o comportamento do consumidor final dentro e fora do Brasil para entender as oportunidades mercadológicas para as culturas que pode plantar em sua fazenda. O contato próximo com supermercados e indústrias ajuda a entender quais são os produtos mais procurados e os que acabam sobrando nas prateleiras. Já nas redes sociais, acompanha comentários de consumidores e depoimentos de influencers. “É importante sabermos como olhar as tendências de forma geral. O veganismo, por exemplo, é uma barreira para o mercado de carne ou uma oportunidade para outros segmentos do agronegócio?”, questiona.
É o caso também do segmento de alimentos produzidos a partir de proteína vegetal, os plant based, mercado que tem crescido exponencialmente, atraindo inclusive investimentos de gigantes da indústria da carne. “Pelas conversas que tenho com o pessoal da indústria, há muito potencial nesse setor. Mas a matéria-prima ainda vem praticamente toda de fora, como ervilhas plantadas na Argentina. Por aqui temos o feijão-caupi, que é uma cultura barata e produz em qualquer lugar. O que falta é desenvolvermos mais pesquisas com opções como essa para de fato podermos utilizá-las”, analisa.
Pouco antes do GAF-18, a produtora passara a fazer parte de um comitê nacional de promoção do feijão, dando suporte ao Ibrafe (Instituto Brasileiro do Feijão e dos Pulses). “Temos um plano de melhorar nossa comunicação, como setor, com os consumidores e aproveitar essa tendência de busca por proteínas vegetais para promover o produto nacional, a diversidade que tem o feijão e suas variedades”, comenta Carla. O Ibrafe tem desenvolvido diversas iniciativas que estimulem o desenvolvimento do segmento de pulses, como as ações para celebrar o Dia Mundial do Feijão e dos Pulses, comemorado em 10 de fevereiro; e a realização do Fórum Brasileiro do Feijão – Pulses e Colheitas Especiais, cuja oitava edição acontecerá entre os dias 17 e 19 de junho próximos, em Cuiabá. Além de contribuir com a agenda governamental envolvendo o setor, como foi o caso do Plano Nacional da Cadeia Produtiva do Feijão, lançado em junho de 2018.
Mais do que isso, transformou sua própria experiência em uma história a ser contada nessa jornada pela valorização das culturas de pulses. Em sua propriedade, Carla destina pequenas áreas para testar diferentes variedades que possam ocupar esses espaços de mercado. Hoje, planta soja na safra e na segunda safra trabalha com uma diversidade de produtos: vários tipos de feijão para exportação, gergelim, milho canjica, milheto e outras culturas de pulses que vão sendo testadas. Com a rotação de culturas, consegue fazer entre duas e três safras por ano e ainda tem produção de gado de corte. “O que fazemos em dois anos e meio, no Canadá ou nos Estados Unidos só seria possível em seis”, compara a administradora. Como não poderia deixar de ser, a escolha das culturas é amparada por dados. Mato Grosso é o estado que mais produz soja no Brasil e o terceiro maior de feijão. De acordo com o acompanhamento de safra da Conab, para o período 2019/20, o Mato Grosso deve colher quase 33,2 milhões de toneladas de soja e 337 mil toneladas de feijão (somando as três safras).
Tradição em desafios
A fazenda que Carla administra em parceria com o irmão agrônomo fica em Nova Nazaré, cidade mato-grossense localizada a cerca de 50 km de Água Boa e a quase 800 km de Cuiabá. Chegaram por ali em 2014, por conta do processo de expansão dos negócios da família, e o plano para os mais de 5 mil hectares era dar continuidade ao que já vinha realizando em outra parte do Centro-Oeste. Ela integra a terceira geração de produtores de grãos que tem origem alemã e que começou sua história no Brasil por Panambi, no Rio Grande do Sul. Em 1983, migraram para Chapadão do Céu, no sul de Goiás, a menos de 12 km da divisa com Mato Grosso do Sul. A adoção de inovações tecnológicas ajudou a terem prosperidade e a se tornarem referência na região.
Em 2011, em um processo de expansão e diversificação das atividades, houve mudanças na estrutura dos negócios e surgiu a empresa Fazendas Nova Geração. É desse núcleo da família que Carla faz parte. Entre terras próprias e arrendadas, que somam 9 mil hectares, cultivam soja, milho, sorgo e cana-de-açúcar, seguindo a linha de sistemas com alto nível tecnológico e produtividade elevada. Em Mato Grosso, a história foi diferente. “Mantivemos o padrão de alta produtividade e alto investimento, mas não funcionou como esperávamos, pois encontramos no Vale do Araguaia outras condições de clima, solo e janelas de plantio”, explica a produtora. Ela conta que levaram dois anos aprendendo a mexer com o solo naquela região, e ainda ficou o desafio de como trabalhar com eficiência a segunda safra. Os dados sobre as safras de feijão ajudaram a pensar nas estratégias para resolver essa questão, pois cerca de 65% da produção do grão no estado está na segunda safra.
Teve início então uma intensa jornada em busca de conhecimento para saber como lidar com as janelas de plantio, o que acabou abrindo portas de oportunidades mercadológicas. Contribuíram para esse movimento a inquietação e a curiosidade que Carla diz já fazerem parte de seu DNA. “Minha família sempre foi muito ousada para testar, experimentar, e eu sempre gostei de estudar, de pesquisar”, diz, acrescentando que faz questão de conhecer e compreender as razões de cada safra ter sido ou não positiva.
Naquele momento em que Carla ainda se via frustrada com o desempenho da fazenda, foi seu pai quem jogou uma luz sobre a equação de alcançar lucratividade tendo muito trabalho e pouco resultado. Ele compartilhou com a filha uma mensagem que havia recebido por e-mail sobre a Associação Nuffield Brasil, braço da Nuffield International Farming Network, fundação nascida em 1947 que investe em um programa de formação de jovens líderes do agro global. Atualmente, a instituição conta com cerca de 1,8 mil “nuffieldianos” e 100 investidores de diversos países. Carla participou do programa em 2017 e 2018 e trouxe uma série de conhecimentos que contribuíram para investir nos pulses e para colocar mais tecnologia na gestão de máquinas em sua fazenda, entre outros pontos que enriqueceram sua visão sobre o negócio.
Uma das características do programa Nuffield é estimular os participantes a se comunicarem melhor, de forma mais clara, para que possam aproveitar ao máximo cada experiência. Carla chegou a criar um canal no YouTube, o Agrosfera, para compartilhar suas experiências com o agronegócio em outros países, falar sobre os pulses e mostrar a realização do #seliganafazenda, projeto social que surgiu com o intuito de aproximar e integrar mulheres do agro e acabou se tornando uma vitrine sobre o agronegócio, inclusive com a participação de diversos estudantes. A administradora esteve bastante envolvida nas edições realizadas em Chapadão do Céu e em Água Boa. Esse papel de porta-voz do setor acabou ganhando outras dimensões.
O tema de estudo de Carla no programa Nuffield foi uma continuidade da solução que buscava para sua fazenda: “Captura e criação de valor para os grãos do Centro-Oeste do Brasil – Entendendo a cadeia de valor e as oportunidades para a segunda safra”. O trabalho rendeu um detalhado relatório, com um panorama do mercado na região, dados sobre os maiores desafios e as principais oportunidades para essa agregação de valor, envolvendo toda a cadeia, e até estratégias para entrar no e-commerce e demais plataformas on-line. O documento foi entregue em dezembro de 2018, mas grande parte desse estudo foi apresentada por Carla em janeiro do mesmo ano na Oxford Farming Conference, realizada na Oxford University, no Reino Unido. A produtora, e agora também palestrante, falou para um público seleto sobre a importância do agronegócio brasileiro e suas principais mudanças, como sua família progrediu no campo com a adoção de inovações e suas pretensões para o setor, sobretudo sendo uma mulher trabalhando com agricultura.
Tempo de semear
De tanto pesquisar e falar sobre o assunto, Carla adquiriu conhecimento suficiente para reestruturar o negócio da fazenda e entender como tirar proveito das características da região, sejam fatores climáticos, sejam as condições de solo. “É tudo cíclico, então não dá para desistir de uma cultura porque não foi bem em uma safra”, comenta. Em vez de desistir, a administradora passou a acrescentar mais opções de culturas no planejamento agrícola da empresa, e foi essa diversidade que passou a equilibrar a resposta econômica. Segundo a produtora, fazem parte desse leque pulses para a segunda safra “o feijão-caupi, com mais de dez variedades que atendem diversos mercados; os feijões consumidos pelos asiáticos, como o mungo e o azuqui; o grão-de-bico, que ainda precisa de melhoramento genético, pois há dificuldades agronômicas para ter melhor rendimento; o gergelim, que pode entrar no segmento de cosméticos; e a lentilha, com estudos já iniciados para o plantio”. Nessa onda de novas possibilidades, Carla inclui até a chia, que não é um pulse, mas trata-se de um grão especial. “Também acredito muito na linhaça. Tanto que já estou buscando sementes para plantar e testar, pois tem um mercado internacional gigante. Tudo o que faz óleo tem grandes oportunidades, até pelo mercado cosmético. Por isso é importante sabermos o que os consumidores estão usando, comprando”, comenta.
Naturalmente, quando os resultados começam a aparecer, também surgem olhares curiosos por cima das cercas. Como aconteceu com a família de Carla em Goiás, a fazenda que ela toca com o irmão em Mato Grosso também despertou a curiosidade e se tornou uma referência na região. Por se tratar de uma grande propriedade, que recebe representantes comerciais com frequência, as notícias correm mais rápido. “A gente recebe cada vez mais visitas de gente interessada em saber o que e como estamos fazendo”, diz Carla. A produtora tem aproveitado essa condição para também provocar os produtores a pensarem de maneira mais estratégica em seu negócio, analisando com mais critério as oportunidades comerciais. É inevitável que a atenção fique mais voltada para a lavoura, para as questões agronômica, mas quanto mais conseguirem administrar de forma profissional as questões mercadológicas, menos vão depender de terceiros. Precisa pesquisar o comportamento do mercado internacional, os preços, as exigências, as condições de negociação. “Na fazenda a gente acaba precisando de um departamento específico para cuidar disso.”
A visibilidade que a região tem conquistado no segmento de pulses está atraindo exportadores que veem grandes oportunidades nesses grãos. A cidade de Canarana, por exemplo, localizada a cerca de 90 km de Nova Nazaré, se tornou a “capital nacional do gergelim”, pois responde por 90% da produção brasileira, segundo o Sindicato Rural do município. A expectativa da entidade era de que os 65 mil hectares plantados com a cultura renderiam uma produção de meia tonelada em 2019. A maior parte é destinada ao mercado internacional. “Tem vindo muita gente do oeste de Mato Grosso, onde se trabalha mais com milho. Não querem plantar pulses por lá, pois dá mais trabalho”, comenta Carla, referindo-se a vantagens locais como as janelas de chuva e as condições de plantio.
Claro que ainda há desafios a serem superados, tanto de ordem agronômica e genética quanto burocrática. Em seu levantamento sobre o segmento de pulses, Carla aponta a burocracia e os altos impostos para investir em uma indústria inovadora como grandes barreiras para o desenvolvimento do setor e de tantas outras atividades promissoras. É aí que entram os fatores que a administradora tem levado em suas palestras, como a importância de o agronegócio se comunicar bem em qualquer circunstância; de trabalhar de forma conjunta e agregadora, aproximando e fortalecendo os elos de produção; a necessidade de maior investimento em desenvolvimento científico, e do acesso a esse conhecimento; e da organização das cadeias produtivas para encontrar e aproveitar as melhores oportunidades comerciais. Parece que, no final das contas, é tudo uma questão de pesquisar, semear, cultivar e colher.
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