A corrida pela picape na tomada

Por Evandro Enoshita No visual, a Tesla Cybertruck pode até não ter agradado muita gente. Suas lin


Edição 18 - 27.03.20

Por Evandro Enoshita

No visual, a Tesla Cybertruck pode até não ter agradado muita gente. Suas linhas retas, que pereciam inspiradas em um filme de ficção científica dos anos 1980, provocaram reações distintas, menos indiferença, como tudo mais que sai da mente e da empresa do bilionário americano Elon Musk. Desta vez, o homem que saiu na frente na corrida dos carros elétricos se propunha a mostrar para o grande público que a disputa com as grandes montadoras deve se acirrar, nos próximos anos, também nas trilhas das picapes movidas a baterias. Com a entrega das primeiras unidades prevista para 2021, o modelo da Tesla será oferecido em três versões (com um, dois ou três motores e opção da tração integral) e preços que vão variar de US$ 39.900 a US$ 69.000. E, mesmo com o evento de lançamento marcado por gafes – como os vidros inquebráveis da picape que se quebraram na demonstração –, o Musk destacou que o modelo já havia recebido 200.000 reservas apenas três dias após a apresentação, em 23 de novembro.

A Cybertruck não entra sozinha nessa briga. E nem será a primeira a chegar. É um dos oito modelos de picapes elétricas que estão previstos para estrear no mercado americano nos próximos dois anos. Boa parte desses veículos será lançada por empresas iniciantes, como a startup Rivian, que promete para 2020 o modelo R1T com preços a partir de US$ 69.000, e a Bollinger e a sua B2, que custará incríveis US$ 125.000. E, além dessas novatas, algumas gigantes automotivas também se preparam para entrar na briga. Mesmo tendo anunciado um investimento de US$ 500 milhões na Rivian, a Ford já confirmou para 2021 o lançamento de uma versão elétrica da tradicional F-150, que será precedida por uma variante híbrida do mesmo modelo. Mesma época em que a GM pretende apresentar a sua representante nesse segmento.

Do ponto de vista técnico, uma picape elétrica faz todo o sentido. Os propulsores a bateria são compactos e entregam 100% de torque desde o momento da partida. Cada modelo pode receber um ou mais motores, atendendo assim, ao mesmo tempo, à demanda por potência e força em qualquer aplicação. Já o espaço limitado para a instalação de baterias, algo que restringe a autonomia nos carros elétricos urbanos, não é um problema para esses veículos comerciais leves, que graças ao espaço adicional podem obter um alcance de rodagem equivalente ou até maior que o dos modelos a combustão no mesmo segmento.

Mas, apesar dessa corrida dos fabricantes, ainda vai demorar mais um tempo até que essas elétricas com caçamba tomem o espaço das tradicionais picapes com motores a combustão nas aplicações mais pesadas. Para Vitor Klizas, presidente da consultoria JATO Dynamics do Brasil, a popularização, no curto prazo, ainda esbarra no custo elevado da tecnologia e no perfil típico de uso de veículos por parte dos compradores de comerciais leves. Com rotinas de rodagem menos previsíveis que no caso dos elétricos urbanos, essas picapes seriam ainda mais dependentes de uma rede de recargas rápidas fora dos grandes centros urbanos, algo que ainda não é muito comum mesmo nos mercados mais desenvolvidos.

“Essa é uma aposta visando o médio e o longo prazo. A tecnologia evoluiu muito nos últimos três anos e deve continuar evoluindo ainda mais. E nos próximos anos devemos ver um número maior desse tipo de veículo rodando. Mas os elétricos ainda podem ser considerados produtos de nicho. Esbarramos, principalmente, na questão da baixa escala de produção. Só com um grande volume será possível baratear os custos e atingir a um público maior. E isso é algo mais demorado de se resolver, já que depende do processo de transição do modelo de energia. Até lá, a tendência é que os fabricantes se concentrem nos modelos mais caros”, destacou.

Um exemplo dessa estratégia mais focada nos consumidores urbanos endinheirados e aventureiros do que nos clientes tradicionais das picapes — principalmente nos Estados Unidos — é a da própria Tesla Cybertruck. Custando US$ 69.900 em sua versão mais cara, com três motores e tração integral, o modelo da Tesla tem uma capacidade de carga de até 1.600 kg. Pouco maior do que a de uma picape média. Enquanto isso, modelos grandes convencionais na mesma faixa de preços, como as topo de linha Ford F-350 Platinum e a RAM 3500, possuem mais do que o dobro dessa capacidade.

Se não consegue ser tão forte para o trabalho quanto as concorrentes tradicionais, a picape de Elon Musk quer se destacar pela tecnologia embarcada e pela construção sofisticada, trazendo a opção do sistema de direção semiautônoma, carroceria com painéis e estrutura de aço inoxidável e um desempenho digno de um modelo esportivo, sendo capaz de acelerar de 0-100 km/h em pouco mais de três segundos.

Mercado brasileiro

Por aqui, a primeira representante do gênero será a JAC iEV 330P. Apontada pela marca como a primeira picape elétrica de produção em série no mundo, o modelo chega ao Brasil em abril de 2020. Baseada no modelo JAC T8 a combustão, é fabricada na China — atualmente o maior mercado do mundo para carros elétricos. Pesa mais de 3 toneladas e leva até 800 quilos de carga. Atinge no máximo 98 km/h de velocidade e tem uma autonomia de 320 km. Apesar do porte de picape média e da vocação puramente urbana, está entre as picapes mais caras do mercado brasileiro: custa R$ 244.990. Valor que fica abaixo apenas dos R$ 289.990 pedidos pela grande RAM 2500. O modelo faz parte da ofensiva elétrica da JAC no Brasil, na qual a marca pretende lançar quatro veículos de passeio e um caminhão movidos a bateria por aqui até junho de 2020.

Segundo Klizas, no caso do Brasil, embora já exista uma demanda para esse tipo de veículo e mesmo com iniciativas como o corredor elétrico ligando as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o País ainda segue atrasado em relação aos principais mercados no quesito infraestrutura. A situação deve evoluir na próxima década, mas ainda assim, estaremos atrás dos principais mercados.

Vale a pena apostar hoje em um elétrico? Essa é uma resposta que vai depender muito do perfil de uso do veículo. Mas o presidente da JATO Dynamics destaca que, cedo ou tarde, o consumidor será forçado a fazer essa escolha. “Os veículos atualmente são construídos sobre plataformas mundiais e existe uma tendência global para a eletrificação. E com isso haverá a escala de produção necessária e a questão da infraestrutura terá que ser resolvida. Vamos lembrar que na década de 1950, no início da indústria automobilística no Brasil, não havia muitos postos. E hoje existem várias grandes redes. O mesmo vai acontecer com os elétricos”, completou. O fato é que, quando se trata de alternativas energéticas menos poluentes, no Brasil os motores elétricos teriam ainda uma forte concorrência do etanol, que deve ganhar novo impulso com a entrada em vigor do programa nacional de biocombustíveis RenovaBio. Por aqui, eletrificar a frota pode ter um combustível um pouco diferente.

Quem é quem

Dentre as picapes que citamos no começo desta reportagem, dois modelos (o da Ford e o da General Motors) ainda não tiveram detalhes técnicos revelados. As outras seis picapes mencionadas foram prometidas para chegar ao mercado americano nos próximos dois anos, embora uma visita ao site dos fabricantes revele que alguns desses modelos parecem mais prontos do que os outros para se tornarem realidade.

Atlis XT
Lançamento: 2020
Preço: a partir de US$ 45.000
Propulsão: quatro motores
Autonomia: mais de 800 km
Capacidade de carga: 2.270 kg
Site do fabricante

Bollinger B2
Lançamento: 2021
Preço: US$ 125.000
Propulsão: dois motores de 623 cv
Autonomia: 322 km
Capacidade de carga: 2.270 kg
Site do fabricante

Hercules Alpha
Lançamento: 2020
Preço: n/d
Propulsão: quatro motores com mais de 1.000 cv
Autonomia: mais de 480 km
Capacidade de carga: 1.130 kg
Site do fabricante

Lordstown Endurance
Lançamento: 2020
Preço: n/d
Propulsão: dois motores de 623 cv
Autonomia: mais de 400 km
Capacidade de carga: n/d
Site do fabricante

Rivian R1T
Lançamento: 2020
Preço: US$ 69.900
Propulsão: quatro motores elétricos com potência de mais de 760 cv
Autonomia: mais de 640 km
Capacidade de carga: n/d
Site do fabricante

Tesla Cybertruck
Lançamento: 2021
Preço: a partir de US$ 39.900
Propulsão: três motores elétricos
Autonomia: mais de 800 km
Capacidade de carga: até 1.600 kg
Site do fabricante

JAC iEV 330P
Lançamento: abril de 2020
Preço: R$ 244.900
Propulsão: um motor com 150 cv
Autonomia: 320 km
Capacidade de carga: 800 kg
Site do fabricante

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