O MAR E OS RIOS ESTÃO PARA PEIXE

Por Amauri Segalla Os dias que antecedem a viagem são os mais angustiantes para o empresário Carlo


Edição 16 - 01.10.19

Por Amauri Segalla

Os dias que antecedem a viagem são os mais angustiantes para o empresário Carlos Pimenta de Souza Júnior. As horas não passam, o sono é quebradiço, o coração bate forte por causa da expectativa. Morador da cidade de São Paulo, Carlos está prestes a embarcar para o coração da Amazônia. Ele não vai a trabalho e está muito longe de ser um turista convencional. Na verdade, quer viver uma grande aventura. “Poucas coisas na vida me dão mais alegria do que pescar”, diz. “Tenho 45 anos e pesco desde os 10. É uma paixão sem limites.” Dono da Edafo Pec, plataforma de soluções financeiras para a pecuária, e também agricultor, ele faz parte de um grupo crescente de profissionais ligados ao agronegócio que são obcecados por pesca. “Chamar de hobby é pouca coisa”, afirma. “É obsessão mesmo.”

Esqueça, porém, a figura clássica do sujeito sentado placidamente à beira do lago, com a varinha de pescar em uma mão e a cerveja na outra. Para a turma do agronegócio, pescaria é coisa séria – e bastante sofisticada. Na Amazônia, a pesca se dá em dois rios principais e seus inúmeros afluentes. No rio Negro, com os afluentes Solimões e Branco, e no rio Madeira, associado aos afluentes Sucunduri, Camaiú e Aripuanã. Para chegar ao destino, a expedição liderada por Pimenta prepara uma grande operação logística. “Vamos até Manaus, alugamos um hidroavião e descemos no rio, no meio da floresta”, diz. “Lá, uma barcaça nos espera em algum ponto estratégico. São lugares ermos, sem conexão com internet, onde o silêncio domina tudo. É uma experiência única.”

Apesar da comunhão com a natureza, a expedição não tem nada de modesta e está distante do que se poderia chamar de desprendimento. Segundo o empresário, as viagens são organizadas com meses de antecedência e contam com a ajuda de agências especializadas em deixar tudo pronto para que os pescadores possam desfrutar da aventura. Na Amazônia, os melhores períodos para pescar são entre agosto e outubro, mas a preparação começa entre abril e maio, principalmente porque as barcaças só conseguem chegar aos melhores pontos quando o rio está cheio. Depois, é preciso aguardar o volume de água diminuir, o que se dá a partir de agosto. “Quando o rio baixa, aumenta a concentração de peixes”, diz Carlos.

Essas barcaças, as embarcações que servem de ponto de apoio para os pescadores amazônicos, não têm, como o nome sugere, nada de precário. Elas funcionam como hotel. Em geral, possuem quartos de hóspedes com suíte e ar-condicionado. Cada quarto tem à disposição as chamadas “voadeiras”, pequenos barcos equipados com motor Mercury de 40 HP e comandados por um profissional conhecido como “piloteiro”. Ágeis e velozes, as voadeiras chegam a qualquer lugar do rio, mesmo em águas rasas. “Acordamos às 5 horas e saímos só por volta de 6h30, porque preparar o equipamento leva tempo”, diz Pimenta. “Pescamos até meio-dia. Depois, voltamos para o almoço e saímos novamente de tarde para pescar até o fim do dia.” A rotina, diz ele, se repete por uma semana – e tudo isso para encontrar o grande prêmio, os peixes extraordinários que vivem na bacia amazônica.

Principal representante dos chamados peixes esportivos brasileiros, o tucunaré-açu é o grande alvo dos pescadores. E por uma simples razão: seu tamanho. Com 1,20 metro de comprimento, ultrapassa facilmente os 12 quilos. “Ele é voraz, nervoso, e muitas vezes quebra o equipamento”, diz Pimenta. “É emocionante fisgar um tucunaré-açu. Você tem que lutar muito, numa briga que ninguém pode ajudar. É só você contra o peixe.” Ele é tão difícil de ser capturado que, recentemente, entrou em uma lista produzida pela Associação Americana de Pesca que aponta os dez peixes mais desafiadores do mundo.

O executivo Danilo Myiazaki e um tucunaré-açu: kit de equipamentos básicos pode custar mais de R$ 10 mil

Embora os pescadores utilizem termos que soam agressivos – “luta”, “captura”, “mostro do rio”, a pesca esportiva tem forte apelo ecológico. Depois de tirar o tucunaré-açu da água e vencer uma luta que, à primeira vista, pode parecer de vida ou morte, os pescadores sérios costumam devolver o peixe ao rio. Eles não querem carregá-lo como troféu, mas apenas viver a aventura de se aproximar de um animal espetacular. Esse espírito começou a ser defendido principalmente por americanos, e logo passou a ser seguido por pescadores esportivos do mundo inteiro. No Brasil, é crescente o número de praticantes que agem dessa maneira.

Preservar o meio ambiente é vital para a prática da pesca esportiva. Para existir, afinal, ela depende essencialmente da preservação e proliferação de peixes. Quanto mais preservada a região, maior a chance de receber turistas. E isso, nem é preciso dizer, se traduz em recursos financeiros. De acordo com dados da Embratur, o turismo de pesca faturou no ano passado US$ 2 bilhões no Brasil e gerou 200 mil empregos. Há uma década, os valores não chegavam a US$ 200 milhões. Embora em alta, o mercado brasileiro é incipiente, a despeito do tremendo potencial do País. Além da Amazônia, o Pantanal é um dos melhores lugares do mundo para a pesca, sem falar nos 7,3 mil km do litoral brasileiro. País mais desenvolvido em termos de pesca esportiva, os Estados Unidos fizeram da atividade um negócio rentável, movimentando US$ 40 bilhões anuais.

A lista desses audaciosos pescadores conta com alguns dos produtores que a PLANT mostrou na série Top Farmers. Mauro Nakata, costuma tirar folga de sua rotina na Piscicultura Cristalina (Fartura, SP) pescando em família, com o pai e o irmão. Para Fábio de Rezende Barbosa, do Grupo NovAmérica, que tem operação em cana-de-açúcar nas cidades de Tarumã (SP) e Caarapó (MS), a pescaria foi, de fato, um divisor de águas, pois marcou o início de uma positiva mudança em seu modo de viver. E também Franke Dijkstra, da Fazenda Frank’Anna (Carambeí, PR), que se tornou uma referência na produção sustentável de soja e milho no Paraná.

O holandês Dijkstra, que chegou ao Brasil ainda criança, diz que o pescador brasileiro precisa investir no conceito de preservação ambiental. “Fui pescar no Alaska e pude ver a importância da preservação dos rios”, diz. “Além dos peixes em abundância, a água é muito limpa. Isso gera oportunidade e faz com que a pesca acabe virando um negócio rentável.” Ele prossegue: “O Brasil tem um potencial enorme, mas precisa se organizar melhor. Podemos criar muita riqueza cuidando dos rios e estimulando a pesca esportiva.” Dijkstra afirma estar preocupado com a avanço da pesca predatória no País. “Tem muita gente que pesca com rede e explosivos, o que é errado. A pesca esportiva tem muito a ensinar, porque adota como conceito central a preservação da natureza.” Além dos Estados Unidos, que contam com um dos territórios mais vastos do mundo para a pesca esportiva (o atum azul é famoso no país), locais como Austrália, Polinésia Francesa, Madagascar, Caribe e Ilhas Maldivas ocupam o topo da preferência dos pescadores e são exemplos bem-sucedidos de pesca associada à proteção ecológica.

O top farmer Dijkstra em um centro de pesca no Alaska: Brasil deve seguir exemplos e preservar seus rios

A cadeia da pesca esportiva é bastante complexa. Uma viagem para a bacia amazônica, com direito a aluguel de hidroavião e hospedagem em barcaças com suítes e ar-condicionado, não sai por menos de R$ 15 mil pelo período de uma semana. Para sair do Brasil, a conta para pescar em lugares paradisíacos chega facilmente aos US$ 20 mil, incluindo toda a infraestrutura necessária (passagens, estadias, barcos, equipamentos, guias, pagamentos de taxas). Se o pescador quiser ter seu próprio barco, a aventura sai cara. Nos rios brasileiros, os modelos mais comuns são os bass boats, que custam a partir de R$ 100 mil. Os melhores exemplares, porém, são vendidos pelo triplo desse valor. Os bass boats são barcos de alta performance, rápidos e estáveis, mas em geral limitados para receber no máximo três pessoas.

Na pesca oceânica, as embarcações superam a casa do milhão de reais. Dono de lavouras de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o empresário Donato Martins comprou recentemente uma lancha com motor de dois tempos e 600 HP. Mesmo usado, o modelo custou R$ 1,2 milhão. “Foi uma das melhores aquisições que fiz na minha vida”, diz. “Por causa da lancha, conheci as maravilhas de São Francisco do Sul, uma ilha em Santa Catarina.” Lá, Donato fisga peixes como robalos, badejos e caranhas, mas diz que sua maior obsessão é o cioba, que pode chegar a 1 metro de comprimento.

Carlos Pimenta na Amazônia: hidroavião para chegar aos melhores pesqueiros

Apaixonado pela atividade, o empresário do agronegócio começou a tomar gosto pelo assunto ao acompanhar o canal por assinatura Fish TV, que traz 24 horas de programação sobre pesca. “O canal fez um evento do qual participei e acabei conhecendo outros pescadores”, diz Donato. “Formamos uma comunidade pelo WhatsApp com mais de 100 pessoas. É uma loucura o que está virando a pescaria de alto nível no Brasil.” Donato gosta tanto do tema que se emociona ao lembrar de um triste episódio que viveu recentemente. Sua fazenda foi assaltada e os criminosos levaram computadores, equipamentos fotográficos e celulares. “Perdi todas as fotos das minhas pescarias”, lamenta. “É de cortar o coração.”

Os pescadores se emocionam ao falar das aventuras vividas nos mares e rios, como alpinistas que alcançam as montanhas mais altas ou maratonistas que completam uma prova. “Um dos grandes dias da minha vida foi uma batalha de 40 minutos que tive com uma pirarara de 40 quilos no Rio São Benedito, no Pará”, diz Rodrigo Zanolo, veterinário especializado em aquicultura. Executivo da MSD Saúde Animal, braço na área veterinária da americana Merck, Rodrigo tem uma longa conexão com a pesca. Sua família foi dona de pesqueiros e ele chegou a apresentar programas de TV dedicados ao assunto. “Lutar 40 minutos com outro ser vivo é algo que fica para sempre.”

Rodrigo diz que, nos últimos anos, muitos brasileiros têm trocado o Pantanal pelo rio Paraná, na Argentina. “O Pantanal vem perdendo força porque o pescador quer ir lá e ter uma foto com um dourado gigante, mas hoje não consegue mais isso”, afirma. “Ele volta frustrado para casa e vai procurar outras regiões, como a Argentina, que tem conseguido preservar melhor e explorar essa atividade.” Como bom executivo, Rodrigo é cioso dos gastos financeiros que são exigidos para manter uma rotina de pescador esportivo. Apenas com equipamentos, gasta por mês R$ 1,2 mil. Nas viagens longas, que faz a cada seis meses, não raro os custos superam R$ 20 mil. Além disso, possui embarcações usadas para pescas no estado de São Paulo. Cada uma é avaliada em cerca de R$ 60 mil. “São barcos automatizados, com motor de 115 HP e muita estabilidade, permitindo à pessoa pescar de pé.”

Um bom pescador carrega pelo menos R$ 10 mil em equipamentos, incluindo carretilhas importadas (de preferência do Japão, que custam R$ 2 mil), varas de ponta (em geral, trazidas dos Estados Unidos) e linhas (também estrangeiras, principalmente asiáticas), além de molinetes, alicates e anzóis, lembrando sempre que os melhores são feitos no Japão. Também é preciso contar com um bom conjunto de iscas naturais (peixe, carne, insetos, frutas ou massas à base de farinha) e artificiais (imitações de peixes, anfíbios e insetos). O mercado de roupas e acessórios tem evoluído e os profissionais costumam dar preferência para tecidos que secam rapidamente, relógios com sistemas de navegação e óculos polarizados. “Sem dúvida, é uma atividade cara, mas só quem sentiu a incrível sensação que a pesca esportiva proporciona é capaz de entender por que somos tão apaixonados”, diz Danilo Miyazaki, executivo da Aqua Yamaki, empresa especializada em produtos para aquicultura, e mais um representante do agronegócio que é fanático pelo assunto. “Espero pescar a vida inteira.”

OS PRINCIPAIS PEIXES ESPORTIVOS DO BRASIL

Nos rios:

Dourado – Centro-Sul, exceto norte do Mato Grosso, Goiás e Tocantins, onde existem rios que fazem parte das bacias amazônica e do Tocantins

Tucunaré – hoje praticamente presente em todas as macrobacias

No mar:

Marlim, atum, cavalas e robalos. Em quase a totalidade da costa, exceto Rio Grande do Sul