Edição 15 - 01.07.19
Por Ricardo Santin*
O tabuleiro do mercado internacional de proteína animal ganhou um fator inesperado em 2018. Uma enfermidade grave e altamente contagiosa impactou rebanhos inteiros em polos tradicionais da produção de carne suína da China. É a denominada Peste Suína Africana (PSA), que se manifesta por sintomas hemorrágicos e é letal para os animais. O vírus se prolifera por diversas vias, de picadas de carrapatos à ingestão de ração contaminada, além do contato de animais saudáveis com outros, contaminados.
Os primeiros focos foram detectados na província de Liaoning, no nordeste chinês. Semana após semana, novos focos foram detectados. Inicialmente, apenas animais de criação de quintal foram infectados. Não demorou até atingir rebanhos comerciais. O problema alcançou a Província de Sichuan, a maior produtora de carne suína do país.
A doença não morre com o animal. Por isso, todo o rebanho no foco registrado deve ser abatido e descartado. É o denominado abate sanitário. A doença continua circulando no campo chinês, e as perdas são gravíssimas. Informações de consultorias internacionais – entre elas, o Rabobank – estimam perdas produtivas de até 35% no rebanho chinês.
A dimensão disso? Basta lembrar que a produção chinesa é equivalente a quase metade da produção mundial (110 milhões de toneladas). Estamos falando, portanto, de uma lacuna de 16 milhões de toneladas de carne, em um universo de 54 milhões de toneladas produzidas na China.
Considerando todo o trade internacional de carne suína, o volume exportado não alcança 9 milhões de toneladas. A produção brasileira, quarta maior do mundo, é de 3,7 milhões de toneladas – e exportamos em torno de 650 mil toneladas anuais (quase 50% é enviada para os portos chineses e de Hong Kong). Somos o quarto principal exportador. À nossa frente, a União Europeia embarca anualmente 2,8 milhões de toneladas, os Estados Unidos, 2,5 milhões, e o Canadá, 1,3 milhão. O volume total exportado por esses três países não supre sequer 70% da lacuna chinesa – isso, considerando que exportassem estritamente para lá. Não há carne suína no mundo suficiente para cobrir os estragos causados pela PSA.
E as perspectivas não são otimistas para a oferta de produtos no mercado chinês. Rebanhos comerciais são abatidos antecipadamente. Produtores de regiões em risco estão abatendo suas matrizes, transformando em carne, antes que a enfermidade alcance seu rebanho, o que projeta a crise no futuro.
A elevação das importações chinesas é inevitável, mas diante da ausência de carne suína, outras proteínas também serão demandadas. É o caso da carne de frango.
Em fevereiro, a China assumiu a liderança no quadro mensal das exportações de carne de frango do Brasil. Nos contêineres seguem cargas com pés, asas e outros produtos. Até mesmo o peito, que até então não constava entre os produtos embarcados para o mercado chinês, agora está entre os pedidos de cotação dos importadores. Em nossa associação recebemos diariamente incontáveis solicitações de listas de empresas que forneçam esses produtos, que raramente estão disponíveis para compra de curto prazo. As vendas brasileiras de aves e de suínos para a China tiveram aumentos significativos em 2018. Os embarques de carne de frango cresceram 12%. No caso da carne suína, a elevação foi ainda maior: 216%.
Agora, além da PSA, o mercado asiático enfrenta outro problema: focos de Influenza Aviária foram registrados na China e em outros países. Apesar de ser um problema cíclico, as ocorrências sanitárias podem impactar moderadamente a oferta de carne de frango chinesa.
A pressão da demanda sobre o valor dos produtos já é notável. Historicamente, a China era um mercado de preços menores que os praticados nas exportações para a Rússia – embora os produtos sejam similares. O quadro mudou e, hoje, a remuneração das vendas de alguns cortes ao mercado chinês é bastante superior. Mesmo os abates antecipados de animais não foram suficientes para diminuir a pressão sobre os preços.
A perspectiva de vendas para a China é positiva para todo o mercado internacional, mas é especialmente valiosa para o Brasil. O País tem um status sanitário invejável: é livre de Influenza Aviária, Peste Suína Africana e outras enfermidades – uma importante vantagem competitiva. Exatamente por isso, a missão para a Ásia realizada pelo Ministério da Agricultura, liderada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ocorre em um momento especialmente oportuno.
A necessidade chinesa de carne suína e proteínas substitutas gerarão uma ruptura nos fluxos tradicionais de comércio de carnes. Os volumes de compra indicados pelas consultorias internacionais acenam não apenas para a demanda, mas também para uma boa rentabilidade para o setor produtivo. A pressão externa também pode influenciar as vendas no Brasil. Fica o alerta para os apreciadores de carne suína: congelem o pernil da ceia de Natal.
Leia também:
O Brasil no Xadrez Global do Alimento
A Geopolítica do Agro, por Odilson Luiz Ribeiro e Silva
A Política da Comida e o Agronegócio Brasileiro, por Ibiapaba Netto
China: Casamento, Namoro ou Amizade, por Caio Penido
TAGS: ABPA, Carne suína, Geopolítica do Agro, Glibalização