China: casamento, namoro ou amizade?

Estive em visita recente organizada pelo IMAC (Instituto Mato-Grossense da Carne) a Shangai, acompan


23.05.19

Ativista agroambiental e empresário, Caio Penido é pecuarista no Mato Grosso, presidente do GTPS e trabalha na articulação da “Liga do Araguaia” onde lidera projetos de pecuária sustentável: Projeto Carbono Araguaia, Projeto Campos do Araguaia, Projeto Garantia Araguaia e parceria com a EMBRAPA Gado de Corte, entre outras atividades. É um dos protagonistas da segunda temporada da série TOP FARMERS NOVA GERAÇÃO, da Plant.

Estive em visita recente organizada pelo IMAC (Instituto Mato-Grossense da Carne) a Shangai, acompanhando parte da agenda da delegação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Bastecimento (MAPA), liderada pela Ministra Tereza Cristina. Com um grupo de pecuaristas, representantes das indústrias frigoríficas de bovinos e suínos, do governo de Mato Grosso e da indústria de insumos, tive a oportunidade de me reunir com grandes importadores asiáticos e comprovar o que já imaginava: o grande interesse de traders e importadores sobre nossa proteína animal. Mas temos muito a aprender para concretizar essa aliança comercial, o casamento dos nossos sonhos.

Aparentemente é a parceria perfeita. De um lado, a China,  maior mercado consumidor de alimentos do mundo, com um consumo de proteína bovina anual de aproximadamente 10 milhões de toneladas! De outro, o Mato Grosso, um grande produtor, com rebanho maior que o da Austrália e com possibilidade de melhorar seu desfrute e de expandir sua produção sobre áreas com baixa produtividade. Produzir mais de forma sustentável, atender às demandas asiáticas, gerar mais riquezas, atender as metas do “Acordo de Paris”, enfim… Parece que encontramos alguém para casar!!

Além do que já sabíamos, que o consumo chinês de carne bovina tende a aumentar de 3 a 4% ao ano, existem dois motivos que indicam uma demanda ainda maior por alimentos: a peste suína, que esta dizimando boa parte da sua principal fonte de proteína animal, e uma queda na produção interna de bovinos, que hoje é de aproximadamente 6,7 milhões de toneladas e será reduzida para 5 milhões nos próximos anos – devido à baixa lucratividade e a problemas ambientais, como falta de espaço e água.

Com uma plataforma de verificação de origem, fomento a pesquisas e ações estratégicas de marketing para promover e estimular o consumo da Carne de Mato Grosso, o IMAC tem papel relevante para acelerar a abertura desse mercado. Precisamos ajudá-los a consumir mais carne bovina, uma vez que eles ainda não têm esse hábito devido ao fato de seu rebanho ser utilizado majoritariamente para tração animal. Nesse sentido, o IMAC poderia produzir material publicitário em mandarim e outras línguas para ensiná-los no preparo e consumo. Poderíamos contar nossos casos de sustentabilidade para agregarmos valor a nossa carne, etc… Só que não! Nossa carne de no máximo 30 meses é majoritariamente importada para ser encaminhada a plantas de processamento, com menor valor agregado. Temos um desafio, para as próximas décadas, de mostrar que a Carne de Mato Grosso pode competir em pé de igualdade com a australiana e que podemos produzir do jeito que eles queiram.

Nas tratativas, é nítida a apreensão da China por segurança alimentar e por carne bovina. Já o Brasil precisa de segurança comercial para dar um salto na produção pecuária. Mas todas as possíveis transações de nosso grupo em Shangai foram barradas pela falta de habilitação de frigoríficos no estado de Mato Grosso para exportação direta para a China (hoje existe apenas uma planta habilitada no estado). Quais seriam os entraves a esse noivado? No passado, a abertura do mercado chinês à soja estrangeira e a conquista do cerrado pelos pesquisadores brasileiros proporcionaram uma mudança de paradigma: o surgimento de uma agricultura moderna, com tecnologia e investimentos. O que é preciso fazer para que o mesmo aconteça com a pecuária?

Percebemos “in loco” que segurança alimentar para eles não quer dizer apenas o medo da falta de alimentos! Quer dizer também o medo de ficarem dependentes de um grande produtor de alimentos como o Brasil e suas grandes corporações.

Isso se traduz na demora em habilitar novas industrias frigoríficas. Também existe um medo protecionista de, ao habilitar novas plantas, estar desestruturando a produção interna de proteína animal. Mas enquanto o Brasil engatinha, eles são comerciantes com uma experiência milenar e, mesmo à beira do caos, mantém a calma nas mesas de negociações, esperando alguma contrapartida à habilitação de novas plantas.

Existe uma desconfiança legítima em relação ao presidente Bolsonaro, uma vez que ele fez uma visita a Hong Kong em março de 2018 (encarada como provocação), fez declarações negativas à China e se aproximou excessivamente do presidente americano Donald Trump. Esse é o recado mais claro que trazemos de Shangai: Bolsonaro precisa fazer uma visita o mais rápido possível (o vice-presidente Mourão já está trabalhando para isso) e acenar positivamente ao noivado, para podermos sonhar com o casamento. A Guerra comercial EUA x China pode ser benéfica para o Brasil, mas será necessária muita habilidade para transformarmos essa crise em oportunidade.

Todo apoio à Ministra em seu esforço para viabilizar esse casamento. Conte com a força do agro moderno de Mato Grosso para que nosso desenvolvimento seja pleno, para que possamos gerar mais renda e empregos, para que possamos intensificar as nossas áreas degradadas produzindo mais alimentos em uma relação tranquila e com sabor de fruta mordida.

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TAGS: Carne, China, IMAC, Pecuária