Edição 1 - 28.06.19
Por Gabriel Pillar Grossi
Cada prato exige, além de um preparo específico, matérias-primas selecionadas. Os embutidos são feitos com a carne de porcos caipiras. Já o lardo (a capa de gordura sob a pele) é melhor nos animais da raça Nilo. No cardápio, tem também tartar de lombo (maturado em câmara fria por dez dias), sushi de papada, torresmo de pancetta com goiabada, ceviche de pé, costelinha e muito mais. A inspiração veio há mais de cinco anos, quando o chef Jefferson Rueda (natural de São José do Rio Pardo, quase na divisa de São Paulo com Minas Gerais) resolveu “aperfeiçoar” a receita do tradicional Porco à Paraguaia. “Na minha região, todo mundo conhece, é preparado desde a Guerra do Paraguai (1864-1870). Eu comecei a pesquisar para melhorar a receita e, como teste, passei a servir em eventos de rua. Numa Virada Cultural, em São Paulo, vendi nove porcos inteiros para mais de 4 mil pessoas.” Na sua versão, o animal é marinado (em vez de ter o tempero “injetado”), assado inteiro em churrasqueira de carvão e servido desossado.
Num evento só com grandes chefs de todo o mundo, o catalão Adrian Ferrà (para muitos, ainda o número 1 do planeta) sentenciou: “Vocês sabem que sou espanhol e da terra do porco, mas hoje comi o melhor porco da minha vida.” Rueda conta que esse foi “o empurrão de que eu precisava” para seguir em frente com o projeto. E assim nasceu a Casa do Porco Bar, no centro da capital paulista. Oferece uma cozinha de alto padrão, mas sem toalhas nas mesas. E, numa pequena vitrine, vende sanduíches e outras comidas para comer em pé ou levar para casa. Inaugurado em outubro de 2015, apenas onze meses depois apareceu como o 24º melhor restaurante da América Latina pela revista britânica Restaurant, melhor desempenho entre os estreantes na lista. “Foi uma ótima surpresa voltar a fazer parte da lista, ainda mais com um bar que só vende carne de porco”, diz ele, que já havia comadado a cozinha em dois outros endereços paulistanos, o Pomodori e o Attimo (onde preparava croquetes com miolo de boi). Agora, com menos de quatro anos de funcionamento, apareceu em 39°lugar na lista The World’s 50 Best, que elege os cinquenta melhores do mundo. É o brasileiro mais bem colocado no ranking.
Antes de ser chef, Rueda foi açougueiro. Foi quando adquiriu a habilidade que se traduz nos cortes especiais e nos embutidos, que são vendidos num pequeno mercado dentro do bar – e onde é possível encontrar também pães e farinhas. E entendeu o valor de ser rigoroso com a procedência das carnes com que trabalha. A Casa do Porco tem cinco fornecedores, que mantêm uma relação bastante próxima com o chef. Criados soltos, os bichos engordam até os 100 quilos antes de ser abatidos. “Conheço os criadores e os donos dos frigoríficos e estamos sempre trocando ideias sobre formas de melhorar a produção, com foco especial na alimentação dos animais, que influencia diretamente a qualidade da carne e da gordura”, explica.
Jefferson é uma espécie de embaixador da carne suína, mas reconhece que ainda vários preconceitos contra o porco no Brasil. “O principal deles é que faz mal para a saúde”. Sabe também que desempenha papel importante para mudar essa situação. “No passado, havia casos de cisticercose, doença que o animal transmitia por se alimentar de lixo. Hoje, se tem o selo da vigilância sanitária, significa que foi abatido em frigorífico e esse risco não existe”. De fato, o País é o quarto maior produtor de suínos do mundo e caminha para ocupar a terceira posição nesse ranking. O próprio chef conta que, em suas pesquisas antes de abrir o bar/restaurante, descobriu quase vinte raças, com diferenças importantes entre elas. “Uma das partes mais importantes do meu trabalho é combater os mitos e mostrar que todos podem comer sem medo”, afirma. Segundo ele, médicos, nutricionistas e até professores também deveriam se engajar nessa mudança de cultura.
É visível a paixão de Rueda pelo que faz. «Para respeitar o animal, temos de comê-lo inteiro. Quem só quer comer filé mignon faz o que com o resto do boi? Devolve para o pasto?” Por isso, não se cansa de dizer que aproveita tudo, “do focinho ao rabo”. Críticos e clientes aprovaram essa filosofia. Apesar de instalado em uma região degradada do centro de São Paulo, a Casa do Porco, que tem capacidade para apenas 53 pessoas e serve cerca de 60 animais por mês, está permanentemente lotado, com filas de espera na porta. “É o lugar em que mais me realizei profissionalmente”, garante Rueda. Tudo graças a esse simpático animal, que graças ao sucesso do chef, ganhou novo status à mesa.
Reportagem originalmente publicada na edição #1 da PLANT (NOV/2016). Atualizado em 28/06/2019
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