Edição 14 - 03.05.19
Por Luiz Fernando Sá
Na tela, tudo está no lugar. O jovem com visual moderno, discurso afinado, diante de um cenário que parece desenhado à mão. Tudo está no lugar, como deve ser para promover um produto. A questão é o que se vê quando as câmeras não estão na Cabanha Oviedo, uma bucólica propriedade de pouco mais de 500 hectares, encravada em uma paisagem serrana de Morungaba, na região de Amparo, a cerca de uma hora de São Paulo. Guto Quirós, o protagonista da série de vídeos Na Cabanha, transformou o local em uma espécie de showroom de seu projeto de construir os pilares de uma ovinocultura premium no Brasil. “Quero transformar uma commodity em uma experiência. Acredito que podemos agregar valor através de um case diferente.” Os 1.500 ovinos da raça Poll Dorset criados ali são personagens dessa história, cujo roteiro combina técnicas de produção, comunicação e marketing digital com o objetivo de colocar a carne de cordeiro no radar dos consumidores brasileiros.
Está tudo bem amarrado no plano de negócios desse empreendedor/palestrante/youtuber, que discorre naturalmente entre termos típicos do ambiente rural e da pecuária ou expressões do ambiente corporativo e do mundo das mídias sociais. Num minuto ele está tratando de pastagens e silagem. No seguinte, de engajamento, audiência, Instagram etc. É assim, servindo de ponte entre dois universos nem sempre conectados, que Guto Quirós, administrador formado pela Fundação Getulio Vargas, procura se posicionar como um jovem líder do setor, com perfil contemporâneo e atuação em entidades empresariais como o Lide – é atualmente presidente do Lide Jovem na região de Campinas – e a Fiesp. E também uma boa dose de storytelling, termo moderninho usado pelos especialistas em comunicação para definir a narrativa usada para contar uma história. Nesse quesito, também, o case da Cabanha Oviedo e seus cordeiros de qualidade está afinado.
Guto Quirós é membro da quarta geração de uma família com origem em Oviedo, cidade da região das Astúrias, norte da Espanha, famosa pela qualidade de suas sidras, pela ovinocultura e pela pecuária. Lá, há a cada ano, sempre no primeiro domingo de julho, o Festival do Cordeiro. Cada produtor leva seu melhor animal para ser compartilhado em um banquete comunitário – há mais de 100 anos os Quirós, também ovinocultores, participam do evento.
A trajetória brasileira dessa história começou em 2009, pelas mãos de Priscilla, irmã de Guto Quirós. Foi ela quem iniciou o projeto, se propondo a seguir a tradição familiar de produção artesanal e fazer da propriedade da família a primeira a produzir cordeiros de forma orgânica e sustentável. Trouxe da Nova Zelândia e Austrália as matrizes e os machos reprodutores, buscou as melhores variedades de pastagens e passou a formular na própria fazenda a silagem para a alimentação do rebanho. O pasto escolhido foi o Aruana, de origem sul-africana. “É o melhor que existe para essa finalidade, com 17% a 19% de nível proteico, enquanto a braquiária normalmente usada no Brasil tem 11%.” A água dos cochos é fornecida por 15 nascentes de água mineral existentes na área da cabanha. “Temos três galpões térmicos, centro de manejo, fábrica de ração e laboratório”, explica Priscilla. “A Poll Dorset é uma raça prolífica, leiteira, que produz cordeiros o ano todo e tem excepcional carcaça (comprida, light e precoce) e adaptabilidade a diferentes altitudes, climas e alimentos.”
O passo seguinte foi transformar o sobrenome em marca. A carne produzida na cabanha ganhou o rótulo Quirós Gourmet e começou a ser oferecida a restaurantes e açougues-butique. O mercado era restrito demais para as ambições da família. Foi então que Guto juntou-se à empreitada, trazendo os conceitos de marketing para a empresa. Primeiro, para lançar as vendas online, em 2010. “A pergunta que fazíamos era: como vender? Nossa opção inicial foi uma espécie de comunicação de guerrilha, com o mote ‘da minha família para a sua mesa’.” Nos últimos anos, no entanto, o modelo foi aperfeiçoado e profissionalizado, migrando forte para redes sociais como Instagram, YouTube e WhatsApp. A participação do e-commerce no faturamento, hoje na casa dos R$ 8 milhões anuais, saltou de 6% para 60%.
“A comunicação é para mostrar o que estamos fazendo”, diz Guto. “Passei os últimos anos debatendo, brigando. Agora, a estratégia é levar conhecimento com entretenimento.” A receita adotada levou Guto para a frente das câmeras e apostou em uma associação que parece óbvia, mas que poucas vezes é explorada: gastronomia (leia-se churrasco) /agronegócio / empreendedorismo. Desenvolto e habilidoso, ele passou a comandar uma série semanal de vídeos em que ora pilota grelhas e panelas, ora faz comentários sobre temas do agronegócio. Ele mistura trilha de música pop com fogo no cupinzeiro, método tradicional dos tropeiros paulistas, sempre com a Cabanha Oviedo ao fundo. O modelo caiu no gosto de um público mais amplo. Guto atingiu a marca de 14 mil inscritos em seu canal no YouTube e possui 119 mil seguidores em seu perfil no Instagram.
São números expressivos no universo do agronegócio. Mas há um imenso trabalho a ser feito para atingir os objetivos do empresário. “Nossa meta é criar uma cultura em torno do consumo da carne de cordeiro. Antes de ter acesso a ela, acreditamos que o consumidor precisa conhecer sua versatilidade e benefícios.” Então, criada a demanda, há novos desafios, também culturais, a serem vencidos junto a toda a cadeia da ovinocultura, como criar padrões de produção, abate e cortes. A atividade é exigente e lida com um animal sensível, que requer manejo qualificado. Um cordeiro é abatido com cerca de 40 quilos, mas seu rendimento líquido fica em torno de 13 quilos, o que mostra a necessidade de eficiência na gestão dos rebanhos para se conseguir boas margens. Além disso, há a concorrência com a carne importada, que hoje abocanha mais de 70% do mercado. “É difícil ter volume com um bom padrão de produção”, afirma Guto.
Tão desafiador quanto fazer o consumidor comprar é convencer mais produtores a ingressarem nesse negócio, permitindo uma popularização da carne ovina no mercado brasileiro. A escala é fundamental para reduzir custos e preços ao consumidor e, por isso, a Quirós Gourmet tem se preocupado em expandir sua atuação para além das cercas da Cabanha Oviedo. Além da produção própria, a marca busca criadores parceiros com a genética Poll Dorset e com os mesmos conceitos de manejo na região e no sul do País para incrementar a oferta de carne premium. A estrutura da fazenda vem sendo preparada para dobrar o rebanho para 3 mil cabeças – e futuramente atingir um total de 5 mil matrizes, número considerado máximo para manter ali as características de “fazenda-conceito”. E, como está nos planos de Guto para breve, permitir aos interessados visitarem e experimentarem o seu produto ao vivo em seu belo cenário. “Vivemos a era do sentimento. A experiência tem de envolver 100% o consumidor”, diz.
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