Por que o gim é o rei da noite

Por Pedro Marques Gim-tônica pra cá, martíni pra lá, negroni acolá. Não faz muito tempo, esses


Edição 12 - 11.01.19

Por Pedro Marques

Gim-tônica pra cá, martíni pra lá, negroni acolá. Não faz muito tempo, esses drinques raramente eram vistos nas mesas de bares ou nas mãos de festeiros em geral, pelo menos no Brasil. Isso porque o gim, ingrediente fundamental desses coquetéis, estava em baixa por aqui. As marcas nacionais não eram bem-vistas, enquanto as importadas eram muito caras. Hoje, a situação mudou consideravelmente. Uma pesquisa encomendada pela Bacardi e realizada pela agência Llorente & Cuenca revelou que o gim é o destilado favorito entre os brasileiros das classes A e B, citado por 34% dos entrevistados. De acordo com a última análise feita pela IWSR, empresa que monitora o mercado mundial de bebidas, o destilado cresceu 111% no País entre 2016 e 2017. A bebida tornou-se uma mania nas principais cidades brasileiras, o que incentivou o surgimento de fabricantes artesanais e de novas marcas nacionais.

Mas o que fez esse destilado criado na Holanda e popularizado na Inglaterra do século 19 se firmar como o rei da noite, desbancando a vodca e o uísque? “É um movimento da coquetelaria e o gim é uma bebida ideal para drinques”, afirma Felipe Januzzi, sócio do gim nacional Virga. “O momento é muito similar ao que aconteceu com a gastronomia há quase 15 anos”, compara Cecília Gurgel, diretora da linha Reserve da multinacional Diageo, que tem entre seus produtos os tradicionais gins Tanqueray e Tanqueray nº Ten. Márcio Silva, do Guilhotina, frequentemente eleito como um dos melhores bares de coquetéis de São Paulo, complementa: “As pessoas estão bebendo melhor, se interessando por novos sabores, isso valoriza outras bebidas”.

No caso específico do destilado feito com zimbro, especiarias e ervas botânicas, porém, Silva acredita que “o coquetel que ajudou muito nessa explosão, sem sombra de dúvida, foi o gim-tônica ao estilo ibérico”. Diferentemente do drinque clássico, servido em copos altos, a versão que se popularizou primeiro na Espanha e depois em Portugal é preparada em taças grandes – nos bares dos dois países, é possível encontrar centenas de marcas de gim e diferentes tônicas para harmonizar.

Variedade, por sinal, é o que marca essa nova fase do gim: embora sua origem esteja na Holanda, há rótulos feitos em Portugal, Espanha, Estados Unidos, Rússia e Japão. O Brasil, claro, não está de fora dessa onda. O primeiro rótulo artesanal nacional a ser lançado comercialmente, há dois anos, foi o Virga, que leva álcool de cana-de-açúcar neutro em sua composição. “O gim não tem restrições quanto à base agrícola. Pode ser álcool de uva, de cereais, de batata. O importante é que seja uma base extraneutra”, explica Januzzi. Outra exigência é o zimbro (leia mais abaixo), a pequena baga extraída de arbustos que confere o sabor característico da bebida.

Fora isso, os destiladores estão livres para brincar e adicionar ingredientes até então considerados inusitados. O Virga, por exemplo, traz pacová, planta que cresce bastante na Mata Atlântica. “A fruta não é muito saborosa, mas a semente dela, depois de macerada, lembra cardamomo e gengibre. É uma semente bem saborosa”, afirma Januzzi. O Amázzoni, também produzido no Brasil, por sua vez, leva cacau, castanha-do-pará, maxixe e cipó-cravo. Até por essa liberdade de criação, empórios e bares de alta coquetelaria de todo o País estão sendo inundados com uma profusão de rótulos nacionais – hoje, são cerca de 50, sem contar os importados. “Acreditamos no potencial do segmento. Há espaço e mercado a ser explorado”, afirma Cecília, da Diageo. “Quem conta uma boa história e vem com uma boa proposta, tem espaço”, acrescenta Januzzi.

Pelo interesse crescente na coquetelaria, o gim tem tudo para continuar reinando nos bares daqui e de fora. A Diageo organiza anualmente o World Class, concurso de coquetelaria que conta com a participação de bartenders de cerca de 60 países e tem forte presença no Brasil. “O objetivo é estimular o trabalho artesanal do barman”, diz Cecília. Felipe Januzzi, por sua vez, é um dos organizadores do World Gin Day, que está em sua terceira edição e, em 2018, foi realizado em junho, na Casa Bossa, dentro do Shopping Cidade Jardim. O evento contou com os principais nomes da coquetelaria brasileira, que serviram drinques preparados com as marcas de gim mais famosas do mundo.

De quebra, o gim pode ajudar a impulsionar o segmento de destilados como um todo no Brasil. “Acredito que devam surgir mais marcas, não só de gim. Há um número muito grande de alambiques no País e esse movimento deve abrir espaço para outras bebidas destiladas artesanais”, avalia Januzzi.

DA HOLANDA PARA O MUNDO

O gim foi criado na Holanda, no século 17, feito a partir de um destilado chamado de maltwijn (vinho de malte). Sua popularidade aumentou durante o século 18, quando o governo britânico liberou a produção da bebida para combater a entrada de destilados importados, em especial o brandy francês. No século 18, era a bebida mais consumida nas colônias inglesas em regiões tropicais, como a Índia. Era comum misturar gim com quinino, substância que ajudava no combate à malária. Como o quinino era muito amargo, a saída foi misturar água com gás – e aí nasceu o gim-tônica. Assim como outras bebidas, não existe apenas um tipo de gim. O mais comum é o London Dry, mas há outros tipos. A única regra é que todos devem levam zimbro em sua composição.

Genever
O pai de todos os gins. Bastante popular na Holanda do século 17, era feito com um destilado chamado de maltwijn (vinho de malte), acrescido de zimbro. Não é muito comum fora da Europa.

London Dry
Tem pouco açúcar, por isso o nome “dry”, de seco. Todos os botânicos utilizados devem ser naturais e usados durante a destilação da bebida e não tem corantes.

Distilled ou destilado
Ao contrário do London Dry, ingredientes podem ser acrescentados depois da destilação para conferir sabores e aromas.

SEM ELE NÃO É GIM

Apesar de levar várias ervas e especiarias, o ingrediente principal do gim é o zimbro. O primeiro gim, por assim dizer, criado na Holanda, se chama jenever, que significa justamente zimbro. Uma de suas funções era esconder o sabor do destilado original, que não era lá muito agradável.

Ele vem em bagas secas, que parecem pimenta-do-reino, mas maiores, que nascem nas árvores do gênero Juniperus, que tem mais de 50 espécies e são um tipo de pinho. São originárias da Europa e da Ásia, mas estão bem espalhadas na América do Norte e Central e também na África. No Brasil, o cultivo está localizado no sul do País, por causa do clima temperado.

De sabor cítrico e herbal, um de seus principais usos é na culinária nórdica: especialmente em pratos à base de aves, porco e carnes de caça, como javali e veado. Antes mesmo de ser um tempero, o zimbro era usado com fins medicinais: na Grécia Antiga, era usado pelos atletas, pois acreditava-se que ele melhorava a resistência física.

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