Um novo rótulo para Zurita

Por Françoise Terzian, de Araras Quem visita a Fazenda Santa Cruz, em Araras, no interior de São P


Edição 10 - 30.08.18

Por Françoise Terzian, de Araras

Quem visita a Fazenda Santa Cruz, em Araras, no interior de São Paulo, se surpreende com o requinte da propriedade de 850 alqueires, habitada também por animais como jiboia, onça-pintada, capivaras, antas, além de uma encantadora cachorra chamada Pantera. Ela aproveita o dia quente para dar mergulhos em uma belíssima piscina toda revestida de mármore Carrara que abriga uma fonte com a imagem de Netuno (deus dos mares da mitologia romana), importada da Itália, em uma das bordas. Em um dos cantos da fazenda, chama atenção o gado Nelore tratado a pão de ló. No outro, os drinques elaborados a partir do destilado premium Cachaça do Barão. Da bela sede da Santa Cruz, com terraço com vista para um lago em forma de ferradura, um dos mais famosos executivos brasileiros comanda esse pequeno império. Ali, atende por um nome diferente do que ganhou fama no mercado corporativo.

Todos o conhecem por Fábio. O genro, os empregados e também os conhecidos. Em momento algum o homem de 65 anos – e com planos para empreender típicos de um jovem de 25 – é chamado de Ivan Zurita, nome que ilustrava seus cartões como poderoso comandante da Nestlé Brasil entre 2001 e 2012. Ele entrou na multinacional suíça como estagiário e, por 42 anos, construiu uma carreira ascendente, até chegar à presidência – e depois deixá-la, em um movimento surpreendente e rumoroso. Mas hoje é simplesmente Fábio. O nome é rapidamente explicado. Todos os homens da família Zurita foram batizados de Ivan. O segundo nome é a sua identidade em meio a tantos Ivans.

Embora tenha deixado a Nestlé há seis anos, é impossível não associar Zurita à gigante suíça da alimentação. Ao se retirar da companhia, ele decidiu fazer o que havia planejado a vida toda. “Sempre trabalhei pensando em ter uma atividade para depois de aposentado. Investi em terra e em ações da Nestlé. Essa foi a minha poupança da vida toda. Toda hora eu comprava um pedaço de terra pensando em ter uma atividade depois”, conta à PLANT PROJECT.

Ocorre, no entanto, que diante da montanha-russa chamada Brasil, os planos desandaram. Com o País em crise, a dificuldade do acesso ao crédito e outros fatores como o impacto da Lava Jato na economia, a AgroZ – Agropecuária Zurita, empresa que ele criou quando ainda estava na Nestlé, se viu diante de um aperto de caixa que, hoje, se traduz em dívida estimada em R$ 240 milhões e um processo de recuperação judicial. O que deu errado? “Errado foi confiar demais no País. A gente alavancou. A gente vinha fazendo investimento e o mercado caiu”, recorda Zurita. “Quando o capital de giro fica curto, é complicado. A saída mais rápida é vender os bens e fazer caixa. Mas, se você vende os bens, você também perde parte do seu negócio. Então, resolvi vender bens não produtivos. Vendi apartamentos no exterior (na Suíça e em Nova York), casa na Baleia (litoral norte de São Paulo) e apartamento no Rio de Janeiro. Enxuguei o máximo que tinha. Me desfiz de terrenos importantes à vista para fazer caixa. De bancos, fiquei apenas com um como credor.”

O prazo para saneamento da dívida da AgroZ com os credores – o Banco Pine e cerca de quatro fornecedores, segundo Fábio – e os passos seguintes serão decididos em assembleia. “Estamos pedindo um prazo para recuperar o negócio como um todo. Não sabemos ainda se serão dez anos. Há um fluxo justificando a rentabilidade, com passos que serão dados bem pé no chão, para cumprir tudo direitinho”, conta Zurita.

A AgroZ, com atuação sobretudo nas áreas de cana-de- açúcar e genética bovina, não chegou a parar. Nos últimos quatro anos, ela colocou o pé no freio em alguns negócios como a venda da Cachaça do Barão, criada há dez anos. A produção nunca foi paralisada. Há cachaça repousando há 12 anos em barricas armazenadas na Fazenda Santa Cruz. E recentemente voltou a fazer parte dos planos. A marca acaba de ser relançada, de olho no consumidor premium que frequenta bares, hotéis e restaurantes de alto padrão.

É parte de um plano de reerguimento da empresa. A AgroZ teve sua operação redesenhada por Zurita, que é o chairman do negócio, enquanto seu genro, Leonardo Queiroz — que trabalhou durante anos na operadora TIM e comandou a área de vendas da Apple no Brasil –, responde como CEO. Zurita fez algumas mudanças nos negócios, como o arrendamento de determinados maquinários, parcerias nas terras e reduções da estrutura e do gasto fixo.

Seu foco hoje, seja em qual for o negócio, é em valor agregado. Seja no gado – leia-se genética –, seja na cachaça de nível superior. “Usamos tecnologia sem perder o artesanal. Bons ingredientes geram bons frutos.” Até 2020, a previsão é faturar R$ 15 milhões com a Cachaça do Barão, produzida com cana orgânica colhida na propriedade. Até lá, espera utilizar toda a capacidade instalada para produção, de 250 mil litros. Hoje, gera 20 mil. Zurita usa, na Cachaça do Barão, uma receita original de 1881, quando o Barão de Arary, um dos fundadores de Araras, costumava servir a aguardente para convidados especiais. Ele produz quatro versões, apresentadas em embalagens assinadas pelo publicitário Washington Olivetto.

O segmento de cachaça está estagnado no Brasil, uma vez que o grande consumo vem de marcas populares, cuja garrafa custa de R$ 5 a R$ 15, mais afetadas pela crise. O mercado premium, porém, avança em vendas, com crescimento anual na ordem de dois dígitos. A proposta da Cachaça do Barão é investir no ramo da degustação e mixologia. Sua garrafa custa de R$ 99 a R$ 180, dependendo do tempo de envelhecimento. A aguardente repousa por, pelo menos, três anos, em barris de carvalho europeu, amendoim ou jequitibá-rosa. Futuramente, a marca deve vender destilados envelhecidos por 12 anos.

Além do mercado interno, a Cachaça do Barão deve voltar a ser exportada. Seu grande foco será no mercado americano e chinês, dada a oportunidade para embalar destilados premium nos dois países. Para os melhores clientes brasileiros, Zurita também criou a Confraria do Barão, que permite comprar barricas com 180 litros, o equivalente a 250 garrafas da Cachaça do Barão, versão Reserva Especial, envelhecida por cinco anos em carvalho europeu. Ela custa R$ 20 mil e fica em uma área da fazenda com o nome do dono.

Um breve passeio pelas “caves” da fazenda e é possível descobrir o nome de alguns dos participantes da confraria, a exemplo da já falecida apresentadora Hebe Camargo (hoje pertence ao seu sobrinho), o cantor Roberto Carlos, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, o próprio Washington Olivetto, dentre tantos outros. Eram nomes estrelados que circulavam também nos concorridos leilões de gado que promovia na fazenda em seus tempos de glória na Nestlé, quando o prestígio do cargo na empresa suíça ajudava a alavancar seus negócios particulares. Quando ainda atendia como Ivan, o casarão era frequentado por personalidades. Fábio, em tempos de vacas magras, já não é tão requisitado e conta sobretudo com o empenho da família para retomar o brilho.

O próximo passo, nesse sentido, é lançar outra marca de cachaça até dezembro, voltada especificamente para ser usada como base de drinques, com preço entre R$ 60 e R$ 70 a garrafa. “Estamos trabalhando no nome agora”, conta o genro, Queiroz. E, futuramente, novos rótulos podem ser desenvolvidos. Segundo o CEO da companhia, a Fazenda Santa Cruz tem tudo para virar um polo de fabricação de destilados. Queiroz acabou de retornar de Cuba, onde foi estudar a produção de rum. A marca de gim premium Draco também começa a ser produzida em breve dentro dos domínios da AgroZ.

E isso não é tudo. Zurita fala com brilho nos olhos de sua vontade de empreender mais e mais. “Em alimentos, eu não descarto nada. Amanhã, posso ter um queijo, uma linha de laticínios, um doce de leite, um leite condensado. A gente pode produzir isso tudo aqui dentro da fazenda, incluindo o café gourmet que pretendo ter. Só quero produzir itens de valor agregado.” E esse olhar vai de uma ponta a outra – da produção à venda. Zurita, que já teve, pela Nestlé, voz mais do que ativa nas gôndolas dos supermercados, sabe muito bem a diferença entre cana e cachaça: “Com os mesmos alqueires de terra, a cana rende tantos mil, enquanto a cachaça pode render tantos milhões”.

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