A safra busca uma saída pelas hidrovias

Por Nicholas Vital No final de dezembro passado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, compartilh


Edição 8 - 28.03.18

Por Nicholas Vital

No final de dezembro passado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, compartilhou com amigos, em seus grupos nas mídias sociais, uma foto do empurrador Sabino Pissollo, embarcação utilizada, como o próprio nome diz, para empurrar barcaças carregadas de grãos pela hidrovia do Rio Madeira. O texto que acompanhava a imagem comemorava um feito. Em pouco mais de duas décadas, desde que recebeu a primeira autorização para navegar pelos rios da Amazônia, a Hermasa – empresa de navegação do grupo AMaggi, pertencente à família do ministro – viu o volume de soja transportado por ali saltar de 316 mil para um recorde de 4 milhões de toneladas. “É o nosso Mississippi”, afirmou Blairo, numa referência ao rio por onde escoa boa parte da produção do Meio-Oeste americano.

O barco citado pelo ministro é um dos mais modernos da frota da empresa. Consegue empurrar até 25 barcaças, num total de 50 mil toneladas de soja, em uma única viagem. É o correspondente à capacidade de carga de 1,2 mil caminhões. “Vale a pena calcular a economia de diesel e na conservação de estradas pelo menor uso de carretas”, escreveu o ministro. São números expressivos, que geram incríveis ganhos de competitividade aos grãos produzidos no Mato Grosso. Mais ainda insuficiente para mudar definitivamente o crítico cenário que se observa a cada safra no estado. Enquanto as máquinas operam a todo vapor na colheita da safra, fora da porteira o que se vê são estradas lotadas, caminhões atolados e filas intermináveis nos portos, especialmente nos de Santos e Paranaguá, distantes mais de 2 mil quilômetros das fazendas. Os produtores do Centro-Oeste sofrem há décadas com as dificuldades para escoar a produção. De acordo com uma pesquisa recente realizada pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), os problemas logísticos são apontados pelos agricultores como o principal gargalo do setor e grande responsável pela perda de boa parte da competitividade da produção brasileira de grãos.

Veja também: Infográfico – As Principais Hidrovias Brasileiras

O imbróglio, no entanto, poderia ser solucionado através de uma utilização ainda maior das hidrovias. Como sugere o ministro, o modal é infinitamente mais barato e energeticamente mais eficiente do que o transporte rodoviário. O Brasil possui uma das mais extensas redes fluviais do mundo, com um potencial de cerca de 42 mil quilômetros de rios navegáveis, mas que ainda responde por menos de 15% da movimentação total de mercadorias no País. Apenas como comparação, os Estados Unidos, com uma rede de hidrovias semelhante – mas em plena operação –, escoa quase 60% da sua produção agrícola e industrial através dos rios Mississippi, Missouri, Ohio, Tennessee, Illinois e Arkansas. No total, mais de 650 milhões de toneladas de cargas são transportadas todos os anos pelos rios americanos.

Koelle, da Cargill: é preciso melhorar o acesso aos terminais para o sistema funcionar a plena capacidade

“Essa eficiência logística é fundamental para a competitividade do agronegócio nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, o custo para levar uma tonelada de grãos do Meio-Oeste, onde são produzidos, até o Oceano Atlântico, por hidrovias, gira em torno de 18 a 20 dólares. Para o Pacífico, por ferrovias, fica em 33 dólares, o que dá uma média de 25 dólares. No Brasil, um frete rodoviário de Sorriso (MT) a Santos não sai por menos de 79 dólares”, explica Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, liderado pela Aprosoja. “O produtor desenvolveu uma habilidade muito grande dentro da porteira, mas tem dificuldade para escoar a safra. Hoje o custo é astronômico.”

Essa realidade, felizmente, vem mudando graças aos esforços realizados pelas grandes tradings exportadoras de grãos, como Amaggi, Bunge, Louis Dreyfus e Cargill, que viram no investimento em infraestrutura hidroviária uma oportunidade para melhorar a eficiência de seus negócios. Com a construção de portos privados e diversas estações de transbordo de cargas, o volume de grãos transportados pelos rios brasileiros vem crescendo gradativamente. As duas principais rotas fluviais utilizadas atualmente são as hidrovias do Rio Madeira e do Tapajós, que permitem o escoamento dos alimentos produzidos no Centro-Oeste pelos portos do Norte do País, especialmente os de Santarém e Vila do Conde, ambos no Pará, de onde partem rumo à Europa e à Ásia.

A hidrovia do Rio Madeira é a maior delas. Começa em Porto Velho, onde existe um terminal com capacidade para a movimentação de até 12,5 milhões de toneladas de cargas, e tem cerca de 1.500 quilômetros de extensão. Já a do Tapajós, que parte de Miritituba (PA) e atende principalmente os produtores da região de Sorriso e Lucas do Rio Verde, é a líder em volume transportado, com uma capacidade instalada de até 16 milhões de toneladas de grãos. “Têm capacidade. Não quer dizer que já estejam operando com esses volumes”, afirma Ferreira, do Movimento Pró-Logística. Segundo ele, em 2017 foram embarcadas apenas cerca de 6,5 milhões de toneladas em Porto Velho e outras 7 milhões em Miritituba, um claro sinal de subutilização do modal.

“Nós avançamos muito na questão hidroviária. Hoje o escoamento pelo Norte já está consolidado, mas ainda podemos avançar muito. O principal, que é a carga, nós já temos”, diz o executivo. Mas o que falta, então, para a plena utilização dessas hidrovias? “O problema são as estradas de acesso, que ainda não foram pavimentadas. É preciso melhorar o acesso para que possamos utilizar a capacidade total.”

Ferreira, da Pró-Logística: “É preciso priorizar as obras que favoreçam o agronegócio”

As estradas em questão são a BR-163, rodovia que começou a ser construída ainda nos anos 1970 e até hoje não foi concluída – faltam cerca de 100 quilômetros – , e a BR-354, ambas em péssimas condições. A situação, de fato, é crítica. Em 2017, mais de 4 mil caminhões ficaram presos na BR-163 após um temporal transformar a estrada em um verdadeiro atoleiro, totalmente intransitável. O Exército precisou ser acionado para socorrer os motoristas e também para fazer a pavimentação de 65 quilômetros da via, trabalho que não deve ficar pronto antes de 2020. Os outros 35 quilômetros de asfalto devem ficar sob responsabilidade de empresas privadas.

“A velocidade de pavimentação da BR-163 nos últimos anos é vergonhosa. Aquilo praticamente não andou”, afirma Rodrigo Koelle, gerente de Transporte da Cargill, multinacional que conta com terminais próprios em Porto Velho, Miritituba e Santarém e também sofre com as dificuldades de acesso aos terminais. Ainda assim, a Cargill é uma das companhias que mais têm investido em infraestrutura hidroviária no País nos últimos anos. A empresa, que utiliza o Rio Madeira desde 2003, quando começou a operar o porto de Santarém, iniciou a movimentação através também do Rio Tapajós em 2014. No ano passado, inaugurou um terminal próprio em Miritituba e anunciou a construção de um novo porto na ilha de Urubuéua, no Pará, ao custo de R$ 700 milhões.

O terminal da Cargill em Santarém tem capacidade para 5,5 milhões de toneladas ao ano, mas opera atualmente bem abaixo da capacidade. No ano passado, foram cerca de 3,9 milhões de toneladas – 21% do total movimentado pela companhia. Em 2016, foram apenas 2 milhões de toneladas. “Com exceção da produção no entorno de Santarém, cerca de 200 mil toneladas, todo o restante chega via hidrovia originária de Mato Grosso”, explica Koelle, lamentando o aumento de custos causado pela precariedade das estradas brasileiras. “O agronegócio possui margens muito pequenas. O que vai fazer você ter um resultado negativo ou positivo são os custos competitivos e alta eficiência. É preciso priorizar as obras que favoreçam o agronegócio.”

Outra gigante que vem investindo fortemente no modal é a Amaggi, pioneira no transporte hidroviário nos rios do Norte do País, que utiliza o corredor logístico do Rio Madeira desde 1997. A trading opera atualmente a partir de dois terminais de transbordo em Porto Velho, além de possuir um porto próprio em Itacoatiara (AM) capaz de receber navios do tipo Panamax, os maiores graneleiros em operação no mundo. A empresa não revela o volume transportado pelas hidrovias hoje em dia, mas assim como a Cargill, também reclama da falta de agilidade das autoridades para resolver os entraves logísticos na região. “A lentidão do Governo contribui para a reavaliação ou postergação de investimentos privados”, afirma a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa. “A Amaggi vem investindo no modal fluvial, aumentando a sua capacidade de transporte e terminais no corredor Madeira, mas ainda não atingimos a capacidade projetada em função dos gargalos logísticos. Futuros projetos estão atrelados à melhoria e efetiva implementação dos projetos governamentais de acesso rodoviário aos terminais do Norte.”

De acordo com estimativas da Aprosoja, a economia gerada pelo transporte hidroviário dos grãos pode chegar a 34% do custo total de exportação. Mas poderia ser ainda maior. Segundo Edeon Ferreira, do Movimento Pró-Logística, o frete rodoviário entre Sorriso e Miritituba, hoje em torno de 210 reais por tonelada, poderia ser reduzido para 140 reais caso as vias de acesso aos terminais estivessem totalmente pavimentadas. “A parte hidroviária também está inflada. Hoje custa em média 91 reais a tonelada até Vila do Conde. Deveria ser 65 reais”, afirma o executivo, atribuindo os preços mais altos à pouca concorrência no setor.

Quanto custa levar soja até a China

Além de mais barato, o escoamento de grãos pelas hidrovias também é uma alternativa ambientalmente mais amigável, já que permite transportar um volume muito maior de carga com menor utilização de recursos, como o petróleo. Para se ter uma ideia, uma única barcaça tem capacidade para transportar a carga de 50 carretas de grãos. Assim, um comboio padrão com 20 barcaças, que necessita de apenas um “puxador”, faz o serviço de mil caminhões.

Veja também: Infográfico – As Principais Hidrovias Brasileiras

A essa altura, você já deve estar se perguntando: se o transporte hidroviário é mais barato, mais sustentável e ainda ajuda a tirar milhares de caminhões das estradas, por que ainda não é a principal forma de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste? A resposta é tão simples quanto triste: porque estamos no Brasil. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, as hidrovias demandam menos obras, o que não seria tão interessante para as grandes empreiteiras. “Nosso sentimento é de que existe uma boa vontade na ponta. Falta boa vontade é no Legislativo. Ele acaba priorizando outras coisas de interesse deles, no caso as rodovias”, afirma um executivo do setor que prefere não se identificar.

Nas últimas décadas, graças ao trabalho árduo de produtores, pesquisadores e grandes investimentos em tecnologia de ponta, o Brasil se transformou em uma potência agrícola. Infelizmente, a infraestrutura, único elo da cadeia que depende principalmente do Governo, não acompanhou. Hoje somos muito bons da porteira para dentro, mas a logística precária acaba tirando boa parte da competitividade do agronegócio brasileiro. O desenvolvimento das hidrovias – ou a simples conclusão das estradas de acesso a elas – poderia ajudar a mudar esse cenário.

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