O cerrado do norte

Por Isaque Santiago, de Boa Vista (RR) | Fotos Orib Ziedson   Bem em cima do mapa brasileiro, n


Edição 4 - 12.10.17

Por Isaque Santiago, de Boa Vista (RR) | Fotos Orib Ziedson

 

Bem em cima do mapa brasileiro, no pedaço ao norte da linha do Equador, os roraimenses costumam dizer que o estado em que vivem foi colonizado pela pata do boi. É uma referência à importância da pecuária nos primeiros dias de ocupação de Roraima. Trazidas pelo coronel Lobo D’Almada, nos idos de 1800, as primeiras cabeças de gado tinham uma função política estratégica. Para a Coroa Portuguesa, implantar fazendas reais foi uma maneira de proteger essas terras de invasões francesas e inglesas. Mais de dois séculos depois, as boiadas mantêm seu papel relevante nos campos setentrionais, agora na economia. Hoje integrada às lavouras, sobretudo de soja, a pecuária ajuda a transformar Roraima na fronteira agrícola com ritmo mais rápido de expansão no Brasil. As áreas de plantio no estado cresceram 30% em um único ano, atraindo produtores de vários pontos do Brasil, que chegam em busca de terras mais baratas e de condições de produção que só se encontram no Hemisfério Norte.

Roraima é, de fato, um local diferente de tudo que se vê mais ao sul. A começar pelas condições climáticas, de relevo e vegetação. Conhecido por produzir grãos quando o restante do País vive a entressafra, com calendário mais próximo ao dos produtores americanos, Roraima tem pouco mais de 17% dos 22,5 milhões de hectares compostos por cerrado, conhecido regionalmente como “lavrado”, campos abertos, com árvores espaçadas, prontos para o cultivo de grãos como a soja e a implantação da pecuária. O novo ciclo agropecuário do estado é razoavelmente recente. Em meados dos anos 1980 surgiu o cultivo de arroz irrigado. Já o plantio de soja tem pouco mais de uma década e, logo de início, enfrentou algumas dificuldades, como a alta do dólar e a queda do preço internacional. Mas voltou com força total a partir de 2010 e, desde então, registra aumento na área plantada.

“Inicialmente éramos pouco mais de quatro produtores de soja. Hoje já somos aproximadamente 100”, afirma Antônio Denarium, um dos pioneiros e até hoje entre os maiores produtores do estado. O empresário chegou a Roraima, vindo de Goiás, ainda na década de 1990 para assumir a gerência de uma agência bancária do extinto Bamerindus, depois HSBC. Ao ver o potencial da região para o agronegócio, resolveu investir na pecuária no ano de 2001 e exerceu a atividade de forma exclusiva até o ano de 2013, quando passou a fazer a integração lavoura-pecuária com o plantio de soja.

Novos tempos para a pecuária: certificação de área livre de aftosa abre espaço para exportação da carne produzida no Estado

Os bons resultados incentivaram Denarium e outros produtores a, cada vez mais, aumentarem os investimentos. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), desde a safra 2010/11, o aumento de área plantada é significativo de um ano para o outro. Naquele ano foram 1.400 hectares. Na safra seguinte, subiu para 3.700. E então 12 mil (2013/14), 18 mil (2014/15) e, continuou aumentando. “Na última safra o grão foi cultivado em 25 mil hectares e tivemos uma produção total de 76 mil toneladas. A expectativa para este ano é de aumento de 20% na área de plantio, ou seja, passaríamos para 30 mil hectares. Seríamos o estado com maior crescimento de forma proporcional”, comemora o empresário. “Na atividade empresarial, quando se tem lucro, a tendência é investir mais”, afirma.

O 1,2 milhão de sacas colhidas no cerrado roraimense movimentaram a quantia de R$ 100 milhões e deram aos produtores locais uma produtividade média de 48 sacas por hectare, muito próxima da dos grandes estados produtores, como Mato Grosso, com lavouras mais tecnificadas e consolidadas. O fato de parte do território estar localizado acima da linha do Equador explica, em parte, os bons resultados. Segundo o pesquisador da Embrapa em Roraima Vicente Gianluppi, a luminosidade das baixas latitudes interfere de forma positiva no plantio. Nelas, a estimativa é de uma produção de 2.500 a 3.600 quilos por hectare, enquanto no Mato Grosso, o maior produtor do País, a média é de 2.959 quilos por hectare. O ciclo entre o plantio e a colheita, que ocorre em setembro, é de cerca de dez dias mais curtos do que no restante do Brasil. “Isso acontece devido à intensidade do sol na região. Esse clima permite até três safras por ano. A tendência é de que, com o passar dos anos, a tecnologia aplicada na preparação do solo eleve ainda mais esses resultados”, explica. Outra vantagem da soja roraimense é o valor proteico elevado em comparação à produzida no restante do País. Segundo Gianluppi, a média brasileira é de 19%. Em Roraima, pode chegar a 23%.

Instalações do Frigo10, pronto para ser inaugurado: com investimento privado de R$ 40 milhões, será um dos mais modernos do País

CARNE PARA EXPORTAÇÃO

A sojicultora cresce em paralelo à vertente mais tradicional do agronegócio de Roraima, a pecuária. Atualmente, o estado conta com um rebanho de 784 mil cabeças de gado e movimenta cerca de R$ 300 milhões por ano. A atividade acaba de ganhar novo impulso em 2017, com a conquista do status de livre de aftosa com vacinação, concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Boa parte dos criadores atua de forma integrada com o cultivo de grãos. Segundo a Coopercarne (Cooperativa Agropecuária de Roraima), cerca de 100 produtores atuam nos dois ramos. E, além de expandirem o plantio, têm feito investimentos no desenvolvimento da indústria da carne na região. O próprio Denarium, por exemplo, faz parte de um grupo de dez agropecuaristas que resolveu investir na instalação de um moderno frigorífico para abate, o primeiro privado da região.

Construído às margens da BR-174, a 18 quilômetros de Boa Vista, o Frigo 10 é um projeto idealizado há cinco anos. O empreendimento possui 15 mil metros quadrados de área construída e recebeu investimento de R$ 40 milhões, divididos entre os dez sócios. Segundo Denarium, presidente do Frigo 10, é o mais moderno do Brasil e pretende abrir o mercado internacional para a carne de Roraima, aproveitando o posicionamento estratégico do estado. “Nosso frigorífico está sendo construído dentro dos padrões do Mapa para exportação. Somando isso com a conquista do status livre de aftosa com vacinação, iremos abrir portas para diversos mercados. Hoje, Roraima exporta apenas para o Amazonas”, diz.

Outro sócio fundador do Frigo 10, Ronaldo Braga, afirma que, em pleno funcionamento terá capacidade de abate de 80 cabeças por hora. “Com a inauguração, vamos estimular o crescimento da pecuária no estado e atrair novos investidores, pois teremos capacidade para absorver esse mercado. Hoje a produção não é maior porque o Mafir (Matadouro Frigorífico de Roraima) não absorve a demanda, tem capacidade de abater apenas 400 bois por dia”, afirma Braga.

DEZ HECTARES PELO PREÇO DE UM

Além das vantagens climáticas e do período de safra, Roraima é uma região atrativa para o desenvolvimento do agronegócio devido ao preço competitivo da terra. As propriedades com potencial para o agronegócio são baratas se comparadas às registradas em outros estados. “O preço de um hectare nas regiões mais produtivas do Brasil equivale a uns dez por aqui. O retorno sobre o capital investido é maior”, explica Denarium. E há um novo mercado aberto para quem quiser apostar na região. Recentemente, o Governo Federal repassou 4,5 milhões de hectares de terras da União para o estado. A regularização fundiária dessas áreas estimula ainda mais novos investidores. “Toda essa terra está localizada em uma região de lavrado, onde pode se desenvolver a lavoura-pecuária e alavancar ainda mais o setor.”

Outro atrativo é a logística. A soja produzida em Roraima é levada para o porto de Itacoatiara, no Amazonas, distante 700 quilômetros da capital, Boa Vista. Somado à produção de outros estados, o grão é levado para diversos países como Holanda, Rússia e China. “Minha produção pode chegar ao porto no mesmo dia em que foi colhida. Não precisa percorrer longas distâncias, evitando gastos excedentes com frete”, declara Denarium. Em outros estados, como no Mato Grosso, a soja vai por rodovia até Porto Velho, em Rondônia, onde é colocada em balsas com destino a Itacoatiara, e então segue para exportação. Todo esse processo leva cerca de 20 dias. “A nossa soja sai do armazém e no dia seguinte já está embarcando para exportação. Temos uma logística boa de transporte.”

O produtor Denarium, com um dos filhos: qualidade de vida em uma região com grande potencial de rendimentos

Em busca de uma saída opcional, os produtores locais aguardam ansiosos pela pavimentação da rodovia que liga Roraima à capital da Guiana, país vizinho. A integração terrestre poderá sair do papel em breve. O governo do estado participou de uma série de reuniões na capital guianense para tratar sobre a viabilidade da pavimentação, além da construção de um porto de águas profundas. Um estudo de mercado foi feito pela empresa alemã HPC, subsidiária da administradora do Porto de Hamburgo, contratada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por solicitação do governo da Guiana.

O agropecuarista Antônio Denarium destaca ainda que quem deseja investir em Roraima irá encontrar um local com qualidade de vida. “Isso é possível por sermos um estado com uma população ainda pequena. Podemos dizer que a capital, Boa Vista, é uma cidade universitária, com pouco mais de 30 mil estudantes divididos em duas universidades públicas e seis particulares. Quem vem investir aqui tem qualidade de vida e ensino de qualidade para os filhos”, declarou.

 DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO

Há uma série de desafios a serem vencidos, no entanto, e superá-los depende do apoio efetivo do Poder Executivo. Com a transferência de terras da União para o Estado, uma questão crítica que impedia o desenvolvimento do agronegócio na região começa a ser resolvida, a regularização fundiária. O governo estadual promete garantir a segurança jurídica dessas terras produtivas que podem alavancar o setor. Cerca de 66% do estado é composto de áreas indígenas e de preservação ambiental. A administração trabalha na elaboração do ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico), que irá permitir o uso de 50% dos imóveis situados em área de floresta para a produção, em conformidade com o novo Código Florestal. Hoje, apenas 20% desses imóveis podem ter exploração comercial direta, sendo que os 80% restantes compõem a área de reserva legal. Segundo a governadora Suely Campos, a conquista atrai novos investidores. “Muitos tinham medo de investir em nosso estado”, afirma a PLANT. “O principal temor era a demarcação de reservas. Agora, com essa transferência, isso será destravado. Essas novas áreas são perfeitas para o cultivo de soja e a implantação da pecuária”, completa.

A governadora Suley Campos: abundância de terras disponíveis para plantio faz com que investimento seja mais rentável que em outras regiões do Brasil

Suely comemora também a mudança de status de médio risco para livre de aftosa com vacinação. O governo do estado investiu cerca de R$ 6 milhões na Aderr (Agência de Defesa Agropecuária de Roraima), órgão responsável pela campanha de vacinação e fiscalização. O recurso foi utilizado para aquisição de tecnologia, equipamentos, estruturação dos escritórios em todos os municípios roraimenses e convocação de servidores aprovados em concurso público. “Há mais de 20 anos o setor produtivo lutava por essa conquista. Para manter esse status, estamos intensificando as campanhas de vacinação e de sanidade animal”, afirma a governadora.

Longe dos grandes mercados do Sudeste, Suely insere o estado no centro de uma área com potenciais 33 milhões de consumidores ávidos por alimentos que poderiam ser abastecidos por Roraima. Toda essa gente está nas vizinhas Venezuela, Guiana e Manaus, a capital do Amazonas. “Também estamos muito próximos dos maiores consumidores de soja do planeta: os Estados Unidos. Estamos trabalhando para viabilizar rotas para que o escoamento ocorra com mais rapidez e a custos menores”, destaca.

No campo tributário, a governadora usa incentivos em busca de investimentos. O estado concede isenção de ICMS, que, segundo ela, torna os combustíveis 17% mais baratos, e isenção do IPI, que reduz em 5% o processo de industrialização de grãos. Com essas bandeiras e os diferenciais naturais do estado, Suely tem se esforçado em propagar que Roraima é mesmo a mais nova fronteira agrícola do País, por produzir na entressafra brasileira. “Temos disseminado essa condição privilegiada aos produtores do Centro-Oeste e do Sul do País para atrair investimentos. Quem vier produzir aqui não vai se arrepender.”

 

RAIO-X

Área total: 224,3 mil km2 (22,43 milhões de ha)

Área total: 224,3 mil km2 (22,43 milhões de ha)

População: 516 mil (estimativa 2016)

Nº de municípios: 15

PIB: R$ 9,02 bilhões (2013, IBGE)

Quantidade de propriedades rurais: 15 mil

Área de produção (principais culturas)

Pecuária: 1 milhão de hectares

Soja: 25 mil hectares

Arroz: 10 mil hectares

Algodão: 1,5 mil hectares

Milho: 5 mil hectares

Feijão: 1 mil hectares

Dados da Seapa (Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

TAGS: Agronegócio, Frigo10, Fronteira agrícola, Pecuária, Roraima, Soja