30.11.16
Entenda como funciona e qual a importância da parceria estratégica entre a a grife italiana de luxo e um produtor local da Austrália
Por Alyx Gorman, d Sydney – Austrália
Paolo Zegna está caminhando pela grama alta, que cresce à beira de um pequeno rio, sombreado por salgueiros, quando Charles Coventry o chama. “Paolo, Paolo! Você talvez queira seguir por aqui.” E orienta o presidente da Ermenegildo Zegna, a marca de luxo italiana de moda masculina que vale 1,2 bilhão de euros, a andar por terrenos mais altos, com a grama mais baixa. “Fomos avisados que algumas serpentes foram vistas no mato no início do dia.”
Como boa parte das fazendas nessa região da Austrália, a que estamos visitando tem uma parcela de terreno acidentado e alguns animais peçonhentos. Batizada de Achill, a propriedade delimitada a leste pelo Rio Wollomombi tem 2.500 hectares a meia hora de Armidale, no estado de Nova Gales do Sul. Ela permaneceu na família de Coventry por quatro gerações, e seus parentes já criavam ovelhas duas gerações antes disso. Para Paolo Zegna, é tudo novidade.
Marca de luxo e a fazenda
Desde 2014, a Ermenegildo Zegna detém uma participação de 60% da Achill. A empresa, que começou como uma fábrica de tecidos em 1910, tornou-se marca de prêt-à-porter na década de 1960 e varejista na década de 1980, está familiarizada com a integração vertical. Ainda assim, uma grande marca de luxo de Milão comprando uma fazenda na Austrália era, até então, algo inédito.
O relacionamento desses italianos com a indústria de lã superfina da Austrália tem raízes profundas. Na noite anterior à visita à fazenda, Paolo apresentou, em Sydney, a 53ª premiação anual Lã Ermenegildo Zegna. Quando Ed Hundy, que participa do evento há mais de 30 anos, ganhou o Extrafine Wool Trophy [Troféu de Lã Extrafina], seus olhos se encheram de lágrimas. Por sua vez, Paolo Zegna tem visitado a Austrália desde que tinha 23 anos – primeiro, com o pai; e, depois, a trabalho e por amor. Sua companheira de longa data é a filha de um criador de ovelhas do estado da Tasmânia, e os dois vivem entre Melbourne e Milão.
A Ermenegildo Zegna é uma empresa familiar que tem por tradição adicionar um elemento do ciclo de produção a cada nova geração. Por isso, considera a compra da fazenda o “fechamento de um círculo”. Nas terras da Achill nunca será produzida uma proporção significativa da lã usada pelas roupas da marca (atualmente, a fazenda é capaz de fornecer 25 toneladas por ano, e os negócios da Zegna exigem 500 toneladas). Na verdade, a ideia é ter uma fazenda-modelo, um espaço de pesquisa e desenvolvimento e de marketing capaz de ajudar em futuras tomadas de decisão. “Esta fazenda nos ajuda a contar o passo a passo de um lindo produto. Isto é o que as pessoas exigem hoje: conhecer todos os elementos da história”, resume Zegna.
Prêmios
Aos 43 anos, Coventry é bem mais jovem que a maioria dos fazendeiros condecorados com os prêmios de lã. Ele vivia em Sydney, com a mulher e os três filhos, e trabalhava em marketing para a GrainCorp quando foi consultado sobre a venda da propriedade. Ele conta que estava “procurando uma razão” para voltar a Armidale e, por isso, perguntou se a Zegna estaria interessada em um empreendimento conjunto. Para os Zegnas, que não têm nenhuma experiência em fazendas, foi a solução perfeita.
“Não nos sentíamos suficientemente apresentáveis. Como uma fazenda, o padrão era bom, e estávamos orgulhosos dele, mas chegar ao padrão desejado é outra história”, lembra Coventry. Paolo Zegna destaca o fato de que outros produtores consultados, só queriam se livrar de suas terras. “Muitos diziam: ‘Eu já fiz demais, preciso faturar, quero liquidez para meus filhos’. Uma das coisas que nos surpreendeu no Charlie foi que ele viu isso como uma oportunidade para se desenvolver. Por isso, ele é um exemplo para todos que acham que não há futuro na fazenda, que não há futuro para as novas gerações.”
Quando a Zegna adquiriu sua participação na Achill, a propriedade possuía 12.500 ovelhas. Devido a uma seca de três anos, esse número caiu para 11 mil. Lidar com as flutuações do mercado é uma coisa, mas lutar contra a natureza é outra completamente diferente. “Ainda começando a aprender”, garante Zegna. “Enfrentar essa seca está me ensinando a reagir diante de uma situação inteiramente nova.” Por causa da longa estiagem, vários planos foram suspensos. Um deles é a atualização nas instalações de corte e preparação da lã da fazenda. A construção original, de 1880, terá um acréscimo projetado por Peter Stutchbury, vencedor da medalha de ouro da Australian Institute of Architects. Agora, porém, a prioridade é garantir que o rebanho esteja bem alimentado e hidratado.
Investimento
O investimento da Zegna permitiu à Achill mudar os padrões de pastoreio de seu rebanho cavando calhas e colocando cercas elétricas flexíveis, alimentadas com energia solar, que utilizam a tecnologia de fibra de vidro. Essas mudanças ocorreram mais rapidamente do que teria sido possível de outra forma. “Quando você é um produtor isolado, se estiver com muita restrição de capital ao final de uma grande seca, certamente terá de comprometer suas decisões”, diz Coventry, que comemora o fato de ter um colchão mais grosso para evitar que o efeito atrasado dos anos ruins torne mais difícil o ato de ganhar dinheiro nos anos bons.
Coventry vê sua joint venture, e o crescente interesse pelas histórias sobre a origem de produtos e matérias-primas, como um sinal de otimismo para a agricultura australiana. “É a combinação de mentes mais jovens e mais velhas que realmente faz avançar nossos negócios. Muitos jovens deixam o campo, mas isso não significa que eles vão partir para sempre. Alguns voltarão. E isso é saudável, pois eles trarão novas experiências.” A Ermenegildo Zegna também batalha para segurar os funcionários talentosos. “À medida que eles crescem, ninguém garante que vão querer seguir na empresa.” Manter laços históricos, valorizar a experiência de gerações, de um lado; e buscar a inovação, de outro, são características que tornam o luxuoso mercado de moda italiano e a agricultura australiana mais semelhantes do que pode parecer à primeira vista.
Publicado originalmente no
The Saturday Paper, de Sydney