Por Romualdo Venâncio
Transformar terras improdutivas em áreas de fartura agrícola é um dos principais caminhos para elevar o nível de sustentabilidade da agropecuária brasileira. E não falta espaço para essa conversão. Segundo dados do Atlas das Pastagens, ferramenta desenvolvida pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig/UFG), 40% dos mais de 179 milhões de hectares de pastagem no Brasil apresentam médio vigor vegetativo e sinais de degradação. E 20% já estão com baixo vigor vegetativo, ou seja, degradação severa.
Essa grave situação compromete o maior patrimônio do produtor rural, que é a sua terra. Solo mal manejado resulta em erosão e infertilidade, condições que não só reduzem a produtividade agropecuária como o volume dos reservatórios de água. O efeito cascata chega até as represas hidrelétricas, prejudicando – e encarecendo – a geração de energia. Portanto, o tema não se restringe apenas aos agentes do agronegócio, mas envolve toda a sociedade.
A boa notícia é que há muita gente atenta a essa questão, incluindo profissionais de diferentes instituições, públicas e privadas, que estudam a fundo a situação para entender bem as causas e os efeitos da degradação de terras – e, a partir daí, buscar soluções. Um dos resultados dessa dedicação é o Plano Nacional de Gestão Sustentável de Solo e Água, um projeto da Embrapa Solos que começou a ser desenvolvido em março de 2020 e ficou pronto em dezembro do ano passado. “Faremos agora toda uma articulação para que seja endossado pelo Ministério de Agricultura e Pecuária e pelo Ministério do Meio Ambiente”, afirma o pesquisador da Embrapa Solos, Aluísio Granato de Andrade, que está à frente desse trabalho, também chamado de PlanoSoloÁguaBR.
O objetivo do projeto é combater a degradação do solo e da água, promovendo a transição para sistemas sustentáveis de produção agropecuária e recuperando áreas degradadas. E, dessa forma, garantir segurança hídrica, alimentar e energética. “Nossa proposta é valorizar o produtor conservacionista e responsabilizar quem está fazendo errado, porque isso tem reflexos além da porteira, impactando estradas, fontes de água e a produção de alimentos”, diz Andrade, que ainda destaca o efeito social do projeto. “Vamos precisar de agentes ambientais, então estamos falando de geração de empregos, além da geração de renda para o produtor rural e da preservação ambiental.”
O PlanoSoloÁguaBR é baseado em seis eixos estratégicos: legislação, integração, prevenção, conservação, recuperação e monitoramento. A ideia é que seja realizado de forma integrada, reunindo diversas organizações de ensino, pesquisa, extensão e fiscalização. Desde o começo da iniciativa, já foram mapeadas 697 instituições ligadas ao conhecimento e à gestão do solo e da água. A proposta é compor um sistema de governança que envolva diferentes instituições em níveis federal, estadual e municipal, promovendo uma ação coordenada e permanente.
As medidas passam pela identificação das causas e dos níveis de degradação, pela orientação aos produtores sobre o manejo do solo e pela disponibilidade de recursos para a recuperação de áreas. Segundo Andrade, o principal motivo da degradação das terras é a condução inadequada da agricultura em grande escala. “Toda a construção da estrutura e da fertilidade do solo pode ser perdida em uma safra se não forem tomados os devidos cuidados”, afirma.
A opinião do pesquisador da Embrapa Solos é reforçada pelo professor do Departamento de Solos da Esalq/USP, Maurício Cherubin, que destaca o impacto do manejo inadequado das pastagens. “Por muitos anos, a pecuária tinha a função de transição”, diz. “O gado era colocado na terra para mantê-la produtiva até a entrada de outra atividade. Por muito tempo isso foi feito com baixo investimento, sem chance de descanso para o solo, sem cálculo de lotação (animais por área) da pastagem e sem recuperação.” Inevitavelmente, esse processo leva à queda de produtividade, além de favorecer a disseminação de pragas, doenças e plantas daninhas.
A dimensão que o tema vem ganhando é outro ponto de convergência entre os especialistas. “A degradação do solo já foi considerada como uma das principais ameaças da humanidade. Inclusive, foi a causa de muitas migrações que temos visto pelo mundo”, afirma Andrade. “O assunto é um dos mais estratégicos agora e para os próximos anos”, acrescenta Cherubin.
A informação é um dos insumos primordiais para nutrir qualquer ação de recuperação das áreas degradadas e a implantação de novas atividades agrícolas. Daí a importância de trabalhos como o do MapBiomas, modelo de mapeamentos organizado por biomas que contribui para a análise e o desenvolvimento de uma agropecuária mais sustentável. Iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG/OC), o MapBiomas é produzido por uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia.
Um desses mapeamentos é o MapBiomas Degradação, estudo que mostra, por exemplo, que 81,4% do total de pastagens convertidas para agricultura e outras atividades – cerca de 28,5 milhões de hectares – apresentavam condição de vigor médio ou baixo, entre 2000 e 2023. E que 70% das áreas de pastagens do Brasil existem há mais de 20 anos, com base em estatísticas de 1985 a 2023. Esses dados são apresentados também por biomas, o que ajuda a ter uma visão regional, mais detalhada. “Em 2025, lançaremos um monitor de áreas em recuperação”, afirma o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa.
O executivo faz questão de ressaltar que o trabalho da instituição é puramente quantitativo. “Somente apresentamos diagnósticos, que até contribuem com o desenvolvimento de políticas públicas, mas sem interpretações”, diz. “Levamos muito a sério essa neutralidade.” Isso não quer dizer que ele não possa sugerir questionamentos significativos para a análise do cenário de áreas degradadas no Brasil: “O País tem 64% de áreas naturais, mas qual é o grau de conservação, ou não, dessas áreas? O quanto essa vegetação ainda está sofrendo?”.
Para Rosa, o próprio conceito de degradação é algo bastante amplo, que pode ter várias interpretações. O grau de vigor das pastagens é uma variável essencial para determinar o nível de deterioração das terras. As análises também devem levar em consideração as características de cada região e de cada bioma. No Pampa, há muito pasto nativo, que é anotado como uma vegetação natural. No Pantanal, pelo fato de já não alagar como antes, a vegetação que viria na sequência do pastejo já não aparece mais, o que leva o pecuarista a buscar outras áreas.
Outro exemplo da busca por mais e melhores informações é a criação do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON), sediado na Esalq/USP, uma iniciativa voltada ao desenvolvimento de soluções e estratégias inovadoras para combater as mudanças climáticas e melhorar os padrões e condições de vida. “O projeto tem ajudado muito a comunicar, a levar informação”, afirma Cherubin. “A orientação ao produtor é crucial.”
A multiplicação de dados consistentes tem sido valiosa para combater informações erradas e o negacionismo quanto aos impactos das mudanças climáticas. O agronegócio é um dos setores mais afetados pelas variações do clima, ora com estiagens severas, ora com excesso de chuvas. “Parece que as pessoas estão caindo na real e os produtores, que são nosso público final, estão entendendo que não se trata de opinião, mas de fatos”, diz Cherubin.
Para o professor da Esalq, não há momento mais favorável do que esse para trabalhar a recuperação de áreas degradadas. Ele cita a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que ocorrerá em novembro, em Belém (PA). Segundo Cherubin, será uma excelente oportunidade para mostrar como a ciência é parceira do agronegócio e da preservação ambiental – e revelar para o mundo que o Brasil dispõe de ferramentas cruciais para reverter danos e promover práticas agrícolas cada vez mais sustentáveis.
A força do Cerrado
As áreas de pastagem por bioma (em hectares)
Cerrado 56,6 milhões
Amazônia 5,9 milhões
Mata Atlântica 32,7 milhões
Caatinga 28,6 milhões
Pampa 5,1 milhões
Pantanal 4 milhões
Fonte: Atlas das Pastagens (2023)