O agro ganha uma nova moeda 

A paisagem financeira do agronegócio brasileiro está em transformação. Nos bancos, nas cooperativas e nos grandes eventos do setor, o crédito rural já não é visto apenas como recurso para custear a próxima safra
Edição: 50
27 de setembro de 2025

Por Amauri Segalla 

A paisagem financeira do agronegócio brasileiro está em transformação. Nos bancos, nas cooperativas e nos grandes eventos do setor, o crédito rural já não é visto apenas como recurso para custear a próxima safra. O debate agora inclui instrumentos que dão valor econômico ao que antes era invisível: a floresta preservada, o carbono que deixa de ser emitido, a água que permanece no solo. Nesse contexto, surgem os chamados créditos verdes, uma nova moeda que transforma boas práticas ambientais em ativos financeiros. Mais do que tendência passageira, é uma mudança estrutural que projeta o campo brasileiro como protagonista da transição para a economia de baixo carbono. 

PLANT PROJECT tem acompanhado essa mudança com lupa. Desde as primeiras reportagens sobre mercados de carbono até as análises mais recentes sobre finanças sustentáveis, a revista vem mostrando como práticas ambientais deixaram de ser promessa para se afirmar como valor econômico real no campo. Essa trajetória, registrada ao longo de diversas edições, revela o quanto o crédito verde avançou em poucos anos, de ideia incipiente a realidade concreta em diferentes cadeias produtivas. 

A sustentabilidade, antes percebida como obrigação, começa a ser encarada como oportunidade. Até pouco tempo atrás, o produtor preservava áreas de mata nativa porque a lei exigia, adotava boas práticas para manter acesso a mercados externos e cumpria protocolos ambientais para não perder contratos. Agora, a lógica se inverteu: cada hectare preservado, cada tonelada de carbono evitada e cada inovação sustentável podem ser monetizados, negociados em bolsa ou convertidos em crédito mais barato. É uma mudança de conceito que começa a redesenhar tanto o cotidiano das fazendas quanto as estratégias de investimento das grandes empresas do agro. 

Esse movimento se espalha em três direções principais. A primeira é o mercado de créditos de carbono, que amadureceu no Brasil a ponto de se tornar alternativa concreta para agricultores e pecuaristas. Hoje, projetos de recuperação de pastagens degradadas, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e expansão de bioenergia já são auditados e certificados para gerar créditos que podem ser vendidos em mercados voluntários ou regulados. O potencial é imenso: a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima que apenas com recuperação de pastagens o País poderia gerar até 1,5 bilhão de toneladas de CO? equivalente (CO?e) em créditos até 2030. 

A segunda frente é o avanço dos green bonds, títulos emitidos no mercado financeiro para financiar projetos sustentáveis. Segundo a Climate Bonds Initiative, o Brasil já soma mais de US$ 20 bilhões em emissões de títulos rotulados como verdes, sociais ou sustentáveis, e parte crescente desse montante tem origem em cadeias do agronegócio. Empresas sucroenergéticas, gigantes do papel e celulose, cooperativas de grãos e até frigoríficos começam a captar recursos com esse selo. Para investidores internacionais, funciona como um certificado de confiança que garante que o capital financia projetos capazes de reduzir emissões, preservar recursos hídricos e ampliar a eficiência energética. 

A terceira dimensão está nas linhas de financiamento atreladas a critérios ESG. No Plano Safra 2024/25, por exemplo, o governo federal reservou quase R$ 10 bilhões para programas como o ABC+, voltados a práticas de baixa emissão de carbono. Bancos privados também criaram carteiras específicas que oferecem juros mais baixos e prazos maiores para produtores que comprovem a adoção de tecnologia sustentável. O resultado é um incentivo direto: investir em irrigação eficiente, bioinsumos ou energia solar na fazenda deixou de ser apenas um gasto de longo prazo e passou a gerar retorno imediato com o acesso a crédito mais barato. 

Esse tripé – créditos de carbono, green bonds e financiamentos ESG – está redesenhando a posição do Brasil no mapa global da sustentabilidade. Em conferências internacionais, o País aparece cada vez menos como vilão ambiental e cada vez mais como peça-chave da descarbonização. Afinal, poucos lugares no mundo combinam tantas vantagens, como matriz energética limpa, agropecuária de escala, capacidade de inovação tecnológica e vastas áreas passíveis de recuperação. 

A Embrapa calcula que a adoção de sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta já ocupa 18 milhões de hectares, com potencial para chegar a 35 milhões até 2030. Cada hectare nesse modelo gera ganhos ambientais mensuráveis e, ao mesmo tempo, aumenta a produtividade. A lógica é simples: quanto mais sustentável for a produção, mais competitiva ela se torna no novo ambiente econômico que valoriza métricas verdes. 

Os casos se multiplicam. No setor sucroenergético, grupos como Raízen e São Martinho já estruturaram projetos que unem a venda de etanol de baixa emissão com a negociação de créditos de carbono gerados pelo uso do bagaço e da palha da cana como fonte de energia renovável. No Sul, cooperativas de leite criaram programas de rastreabilidade que garantem prêmios de exportação e acesso a linhas internacionais de financiamento verde. Entre os cafeicultores, certificações como Rainforest Alliance e Fairtrade abriram portas para operações de crédito específicas, além de posicionar o produto em mercados premium. 

Até mesmo setores vistos como intensivos em emissões começam a se adaptar. Frigoríficos investem em programas de monitoramento de fornecedores para reduzir desmatamento indireto e, com isso, buscam emitir títulos verdes que financiem a transição da cadeia de pecuária bovina. Quem não se adequar ficará de fora não apenas dos mercados mais exigentes, mas também das fontes de financiamento mais baratas. 

A monetização da sustentabilidade exige comprovação, e isso abre espaço para uma revolução tecnológica no campo. Drones sobrevoam lavouras para medir biomassa, satélites monitoram áreas preservadas, sensores coletam dados de uso da água e softwares integram informações em plataformas de rastreabilidade. Para acessar crédito verde, o produtor precisa apresentar evidências sólidas. E essa demanda estimula o surgimento de startups, consultorias e agtechs que transformam dados ambientais em relatórios auditáveis. 

Apesar do entusiasmo, o caminho não está livre de obstáculos. A falta de padronização dos créditos de carbono ainda gera desconfiança em parte dos investidores. Questões regulatórias seguem em debate no Congresso e nos órgãos ambientais. A assimetria de informação entre grandes grupos e pequenos produtores ameaça aprofundar desigualdades no acesso às oportunidades. Além disso, há risco de “greenwashing”, quando práticas são rotuladas como sustentáveis sem comprovação real de impacto. 

Mesmo assim, a tendência é de que recursos destinados ao financiamento verde cresçam em ritmo acelerado. Relatório recente da BloombergNEF mostra que o mercado global de títulos sustentáveis superou US$ 1,5 trilhão em 2024, e o Brasil figura entre os dez países com maior potencial de expansão. No presente e no futuro, cada vez mais o valor do agronegócio brasileiro será medido tanto pelo que sai da terra quanto pelo que se mantém em pé. Nessa equação, os créditos verdes surgem como a prova definitiva de que sustentabilidade e lucro podem andar lado a lado. 

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