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Por André Sollitto
Em novembro, os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil. Belém, no Pará, será palco da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, reunindo chefes de Estado, empresários, empreendedores e lideranças ambientais de todos os continentes. Trata-se de um dos fóruns mais relevantes para a construção de compromissos globais no enfrentamento da crise climática, com o objetivo de viabilizar acordos efetivos, captar recursos internacionais e promover soluções que conciliem desenvolvimento econômico com preservação ambiental. Nas edições anteriores, a COP foi palco de marcos históricos. Na COP3, em 1997, foi assinado o Protocolo de Kyoto, primeiro tratado global com metas obrigatórias de redução de emissões. A COP21, realizada em Paris, em 2015, deu origem ao Acordo de Paris, em que os países se comprometeram a limitar o aquecimento global a menos de 2 °C em relação aos níveis pré-industriais.
Na COP30, um dos principais desafios será avançar nas negociações sobre o financiamento climático, tema central da COP29 – que, apesar dos debates intensos, terminou sem consenso. O objetivo é estabelecer um acordo robusto para que os países desenvolvidos contribuam financeiramente com as nações em desenvolvimento, possibilitando que todas cumpram as metas definidas no Acordo de Paris. A realização da conferência em território brasileiro representa uma oportunidade estratégica para o País mostrar ao mundo que é possível preservar a floresta e, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento econômico e inclusão social. Diversas iniciativas já implementadas por empresas brasileiras comprovam, na prática, que isso é viável. Sob diversos aspectos, o agronegócio nacional tem potencial para assumir um papel de liderança, mostrando exemplos concretos de que a produção sustentável não apenas é possível, mas essencial para o futuro do planeta.
Um dos principais exemplos de que é possível conciliar preservação ambiental, desenvolvimento econômico e inclusão social vem da Agropalma. Em 2001, após visitas técnicas a plantações de palma na Ásia, o governo do Pará retornou com uma proposta ambiciosa: fomentar o cultivo da palma de óleo no estado, com base em boas práticas agrícolas e em um modelo familiar sustentável. A iniciativa deu origem a uma associação de agricultores e envolveu uma pequena reforma agrária no município de Moju. Foram desapropriados 555 hectares, regularizados e doados a famílias da região, que passaram a contar com apoio técnico e estrutura para desenvolver uma nova atividade produtiva.
A Agropalma entrou como parceira estratégica, oferecendo conhecimento técnico e apoio direto na implantação dos cultivos, incluindo o plantio das primeiras mudas. “No início foi difícil, porque aquela cultura era totalmente nova para a maioria dos agricultores”, diz Antônio Jorge Corrêa, coordenador de Área Agrícola da empresa. “Naquela época, eles viviam da agricultura de subsistência, como o cultivo da mandioca, e também do extrativismo. Derrubavam madeira para vender e praticavam pesca e caça predatórias. Nosso trabalho foi inseri-los em um novo cenário, baseado na produção sustentável.”
O sucesso do primeiro projeto, iniciado em 2002 com 50 famílias, levou à replicação do modelo: o Projeto 2 foi implantado em 2004, e o Projeto 3, em 2005, sempre com foco em geração de renda, uso racional da terra e conservação ambiental. Em 2025, o primeiro projeto da Agropalma completa 23 anos – e os resultados são notáveis. “Em 2002, realizamos um estudo que indicava uma renda média de apenas R$ 200 mensais por família. Em 2024, um novo levantamento mostrou que essas mesmas famílias estão ganhando cerca de R$ 6 mil por mês, já descontadas todas as despesas com amortizações, fertilizantes, insumos, ferramentas e EPIs”, afirma Corrêa.
As transformações vão muito além dos números. As famílias passaram a ter acesso a uma melhor qualidade de vida, com filhos frequentando escolas e universidades, e uma percepção concreta de mudança em seu cotidiano. A Agropalma segue presente no processo, oferecendo suporte técnico contínuo, garantindo a compra integral da produção e fornecendo mudas na época do replantio, que ocorre a cada 12 anos, conforme o ciclo natural da palma. A empresa também assegura que todos os produtores estejam em conformidade com o Código Florestal. Além do impacto social e econômico, os ganhos ambientais também são significativos. Um estudo realizado em 2024 revelou que os produtores familiares do programa conseguiram capturar mais de 2 toneladas de carbono em áreas que antes estavam completamente degradadas.
O projeto evoluiu ao longo dos anos e, atualmente, já soma cerca de 15 mil hectares cultivados dentro do modelo de agricultura familiar. A meta da Agropalma é ambiciosa: expandir essa área para 22 mil hectares nos próximos anos. O sucesso da iniciativa tem atraído a atenção de outras regiões do país – instituições de estados como Roraima e Bahia já visitaram o projeto para conhecer de perto sua estrutura e resultados, com o objetivo de implementar programas semelhantes. Além disso, o modelo se mostra versátil e replicável, podendo ser adaptado para o cultivo de outras culturas com alto potencial sustentável, como a macaúba.
O exemplo da Agropalma não é isolado. Em 2023, o Rabobank, em parceria com Suzano, Marfrig e Vale, deu um passo significativo na agenda ambiental ao investir na criação da empresa Biomas, com um aporte conjunto de R$ 80 milhões, ou R$ 20 milhões por empresa. A iniciativa tem como meta preservar e restaurar 4 milhões de hectares de matas nativas nos principais biomas brasileiros – Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado – ao longo das próximas duas décadas.
Apresentado na COP27, no Egito, o projeto Biomas busca se tornar uma referência em restauração ambiental no Brasil. A estratégia prevê a preservação de 2 milhões de hectares de florestas nativas e a recuperação de outros 2 milhões de áreas degradadas, por meio do plantio de espécies vegetais típicas de cada bioma. A expectativa é capturar cerca de 900 milhões de toneladas de carbono, contribuindo de forma decisiva para o combate das mudanças climáticas. “Vimos a oportunidade de atuar como âncora em um investimento voltado à restauração florestal e de liderar a agenda agroambiental brasileira”, afirma Taciano Custódio, head de Sustentabilidade do Rabobank para a América do Sul.
Com 35 anos de atuação no Brasil, o banco holandês Rabobank tem ampla experiência no agronegócio e se consolidou como um importante financiador de iniciativas voltadas à sustentabilidade no setor. A instituição vem ampliando seu apoio a projetos que promovem negócios verdes entre grandes empresas e produtores rurais. “Nossas iniciativas estão focadas em entender a ocupação do território e em como é possível dissociar o aumento da produção da expansão da área cultivada”, diz Custódio.
Segundo o executivo, os investimentos seguem uma estratégia voltada à resiliência climática e financeira dos produtores, com foco em práticas agrícolas sustentáveis. Atualmente, 100% da carteira do banco é composta por empresas e produtores que adotam técnicas como agricultura de precisão, plantio direto, rotação de culturas e uso de plantas de cobertura, práticas que reduzem impactos ambientais e favorecem a preservação. Para o Rabobank, proteger a natureza vai além da responsabilidade ambiental: trata-se de preservar um ativo biológico essencial para a sustentabilidade dos negócios no longo prazo. Custódio, contudo, lembra que um dos maiores entraves à atração de capital estrangeiro é a frágil implementação do Código Florestal. Um exemplo emblemático é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento que reúne informações sobre as características ambientais das propriedades rurais, como áreas de preservação permanente e reservas legais.
Apesar de sua importância, os avanços são lentos: até o fim de 2024, apenas 3,3% das propriedades no País haviam tido seus cadastros efetivamente validados. “Com esse nível de insegurança jurídica e fundiária, fica muito difícil atrair investimentos internacionais”, alerta Custódio. Para ele, acelerar a validação do CAR e estabelecer mecanismos eficazes de monitoramento são passos essenciais para gerar confiança nos investidores e destravar o fluxo de recursos sustentáveis para o campo.
Outro grande desafio é expandir o acesso ao crédito e às tecnologias sustentáveis para pequenos e médios produtores, permitindo que também façam a transição para uma agricultura ambientalmente responsável. Com 6 milhões de propriedades rurais e cerca de 4,5 milhões de produtores, o Brasil precisa enfrentar uma missão complexa e de longo prazo: levar inovação a um universo diverso e pulverizado. Ou seja, tornar a sustentabilidade acessível a todos é fundamental para que a transformação do setor não se restrinja a uma elite agrícola, mas se consolide como uma agenda de desenvolvimento nacional.
A resposta para impulsionar o desenvolvimento sustentável da Amazônia pode estar também nos sabores da região. Um exemplo é o chef Saulo Jennings, fundador da Casa do Saulo, restaurante especializado na culinária “tapajônica”, com raízes fincadas às margens do rio Tapajós. O restaurante, que começou em Santarém, hoje tem filiais em Belém, Alter do Chão, Rio de Janeiro e São Paulo. Jennings ganhou projeção internacional ao ser escolhido para preparar o jantar presidencial da COP28, realizada em Dubai em 2023, e também para cozinhar durante a coroação do rei Charles III. Em setembro do ano passado, o chef foi nomeado o primeiro Embaixador Gastronômico da ONU Turismo, com a missão de representar a culinária amazônica no cenário global. Conhecido por seu talento na cozinha, com pratos emblemáticos como a costela de tambaqui e o “Boto Cor de Rosa”, feito com pirarucu gratinado com queijo e banana-da-terra, Jennings também se destaca pelo trabalho fora do fogão. Ele enxerga a gastronomia como uma poderosa ferramenta de diplomacia cultural, capaz de fortalecer o soft power brasileiro ao projetar a diversidade, os ingredientes e a identidade da Amazônia para o mundo.
Além de cozinhar, Saulo Jennings também atua como articulador de políticas públicas e defensor de iniciativas que valorizem os insumos amazônicos, muitos deles presentes em seus pratos, outros ainda pouco conhecidos fora da região. “Temos alguns dos melhores produtos do mundo, mas que ainda são invisíveis para grande parte do mercado”, afirma. Para ele, é fundamental criar políticas que transformem esses ingredientes em produtos de prateleira, com atenção a toda a cadeia produtiva, da floresta ao consumidor. Ingredientes como açaí, tucupi, cumaru e puxuri, altamente valorizados na gastronomia, podem ser explorados de forma sustentável, mantendo a floresta em pé.
O desafio, segundo Jennings, está em estruturar um ecossistema de apoio para que o pequeno produtor enxergue o valor dessas culturas e possa se inserir nesse mercado. Isso começa com o acesso ao conhecimento técnico, que pode vir por meio de instituições como a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), passa pela formalização, com apoio de entidades como o Sebrae para a abertura de microempresas, e exige também linhas de crédito acessíveis, que podem ser viabilizadas por bancos locais. “Se esse processo for bem articulado, o pequeno produtor deixa de desmatar em busca de retorno rápido com monoculturas como a soja e passa a preservar a biodiversidade sem abrir mão do lucro”, diz.
Jennings insiste na importância de uma abordagem pragmática: “Temos de usar uma linguagem econômica. Dizer apenas que preservar é melhor soa como discurso de sonhador.” Essa lógica também se reflete na gestão de seus restaurantes, que devem em breve receber um selo verde de emissão de carbono. O desafio, no entanto, é escalar esse tipo de iniciativa e fazer da Amazônia produtiva e sustentável uma realidade para milhares de famílias.
“Os agricultores não precisam de doações – precisam de oportunidades”, afirma Antônio Jorge Corrêa, da Agropalma. Para ele, o avanço da agricultura sustentável depende diretamente do compromisso real das empresas e lideranças com quem está na ponta da cadeia. “Não dá para tratar o agricultor como um experimento. Ele é o elo mais vulnerável do sistema produtivo. Precisamos chegar até ele com projetos concretos, estruturados e viáveis, se quisermos gerar resultados de verdade”, reforça. A COP30 será muito mais do que um encontro diplomático sobre o clima – será uma vitrine para mostrar que o Brasil tem soluções reais para proteger o planeta. Cabe agora demonstrar ao mundo que preservar a floresta e gerar desenvolvimento não são metas conflitantes, mas complementares.