Edição 6 - 12.10.17
Para a imensa maioria dos brasileiros, a história da utilização do etanol como opção à gasolina nos veículos surgiu em meados da década de 1970, por causa do Proálcool – programa criado em novembro de 1975 pelo governo federal para estimular a substituição de combustíveis derivados de petróleo. Mais de 50 anos antes, porém, já havia carros rodando com álcool como mistura da gasolina em nossas estradas. O pioneirismo cabe ao usineiro Salvador Lyra, que, em 1926, lançou a ideia, com sucesso, em Alagoas. O combustível ficou conhecido com Usga, acrônimo de Usina Serra Grande, de Lyra, pai do senador Carlos Lyra e avô de Robert Carlos Lyra, empresário à frente do grupo Delta, do Triângulo Mineiro. Combinado com éter, o Usga chegou a ser distribuído em algumas cidades de Pernambuco e Alagoas por cinco anos, porém sucumbiu ao alto preço do frete para distribuí-lo, cobrado pelas ferrovias, então controladas por companhias de petróleo. Outras tentativas esporádicas de mistura ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, como forma de atenuar as dificuldades de importar gasolina.
O Proálcool é, de fato, um marco, que indica o início da popularização dos motores movidos a etanol. Desde então, nos últimos 40 anos, a indústria automobilística desenvolveu novas tecnologias, que aumentaram sua eficiência e a possibilidade, com os carros flex, de usarem tanto gasolina contendo etanol anidro quanto etanol hidratado puro. A existência de mercado para sua produção levou também os produtores a investir. Hoje, algumas usinas extraem até 10 mil litros de etanol por hectare. A média em 2016 foi de 5.866 litros, mas já atingiu 6.831 litros em 2010. O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), de Piracicaba (SP), informa ser possível chegar a 30 mil litros por hectare até 2030, ano-meta do RenovaBio. Em seus laboratórios já foi desenvolvida uma cana transgênica resistente à broca, praga responsável no ano passado pela perda de 400 mil dos 9,2 milhões de hectares da planta no País.
“Os ganhos de produtividade virão principalmente com as novas variedades de cana-de-açúcar adaptadas aos diferentes ambientes de produção, variedades geneticamente modificadas resistentes a insetos, tolerantes a herbicidas, resistentes a seca e com maior eficiência fotossintética”, explica Viler Janeiro, diretor de etanol celulósico e assuntos corporativos do CTC. “A redução de perdas no manejo e novas tecnologias para produção de etanol (segunda geração) serão também fundamentais para atingir esses níveis de produtividade.”
Outra fonte para obtenção de etanol é o milho. É a mais utilizada nos Estados Unidos, mas o Brasil também dá seus primeiros passos nessa área. No início de agosto, a FS Bioenergia, uma sociedade entre a brasileira Fiagril Participações e a gestora americana Summit Agricultural Group, inaugurou a primeira usina do Brasil que produzirá etanol exclusivamente a partir do milho. Localizada em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, no coração do principal estado produtor de milho, demandou investimentos de R$ 450 milhões, para ter capacidade inicial de produção de 240 milhões de litros de etanol por ano, além de 7 mil toneladas de óleo de milho. A planta deverá ser duplicada até o final de 2018, quando estará agregando valor a 1,2 milhão de toneladas de milho por ano. Assim como os motores, começam a operar as primeiras usinas flex, que podem usar tanto o milho quanto a cana para produzir etanol, tirando proveito da entressafra de uma e de outra cultura, aproveitando o vapor e a eletricidade gerados com o bagaço.
ENERGIA DO LIXO
Além de usar os restos do processo produtivo para gerar energia, os fabricantes de etanol testam formas de aproveitar resíduos celulósicos também para destilar o combustível, o chamado etanol de segunda geração (E2G) citado pelo executivo do CTC. É enorme o potencial de aproveitamento do bagaço e da palha de cana-de-açúcar. Um grande problema ambiental no estado do Pará é o assoreamento dos rios causado pelo descarte indevido do caroço de açaí, fruta muito apreciada também no Sudeste. Desde 2014, a ComBio Energias Renováveis faz a coleta de grande parte desse resíduo na região do município de Barcarena (PA) e o usa como biocombustível para alimentar a caldeira geradora de vapor para um de seus clientes. Sediada em São Paulo, a ComBio instala e opera unidades de produção de vapor nas fábricas de seus clientes, sempre usando como biomassa para queimar na caldeira resíduos de atividades agrícolas e de reflorestamento. As cinzas provenientes dessa queima são utilizadas na produção de adubo orgânico e em material para compostagem. Em 2016, seus cinco clientes lhe proporcionaram um faturamento total de R$ 60 milhões, segundo o diretor comercial da companhia, Paulo Skaf Filho.
O reaproveitamento de resíduos também é a tônica de duas tecnologias que começam a florescer no País, o biogás e o biometano. O primeiro é uma mistura de gases composta principalmente por metano e dióxido de carbono, obtida normalmente através do tratamento de resíduos domésticos, agropecuários e industriais, por meio de processo de biodegradação anaeróbia (na ausência de oxigênio).O biometano, por sua vez, é resultado do processo de purificação do biogás até adquirir características similares às do gás natural. Para chegar a essa condição, é necessária a remoção da umidade, do dióxido de carbono e do sulfeto de hidrogênio, resultando então em um combustível de alto poder calorífico e que pode ser utilizado em substituição ao gás natural veicular (GNV). “O biometano é um combustível celulósico avançado, com enorme capacidade de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Por utilizar resíduos em sua produção, sua intensidade de carbono é baixa, podendo até ser negativa, dependendo da metodologia adotada”, afirma Alessandro Gardemann, presidente da Associação Brasileira de Biogás e de Biometano (ABiogás). Ele acredita que o RenovaBio será um marco no desenvolvimento do mercado de biometano no Brasil, assim como aconteceu em outros países que adotaram incentivos semelhantes, como os Estados Unidos.
Segundo Gardemann, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) já regulamentou o biometano para ser vendido em postos ou injetado no gasoduto. “Temos as primeiras plantas em escala comercial entrando em operação, e o mundo detém as tecnologias prontas para uso de gás em veículos pesados, substituindo o diesel, que é fóssil, caro e em grande parte importado”, diz Gardemann. “O Brasil poderia substituir 44% do diesel com o biometano produzido de maneira descentralizada somente com os resíduos não aproveitados hoje, reduzindo custos para o consumidor e gerando renda local, e o RenovaBio é o caminho para essa realidade acontecer.”
De acordo com a ABiogás, o Brasil tem potencial de gerar 71 milhões de metros cúbicos de biogás por ano, o que equivale a 115 mil gigawatts-hora (GWh) de energia elétrica com o aproveitamento de resíduos do setor sucroenergético, de outros resíduos agroindustriais e dos rejeitos urbanos. Esse volume equivale à produção de quase uma Itaipu e meia, e seria suficiente para suprir 25% de toda energia elétrica consumida no País em 2016.
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