Um bom trabalho no campo

Por Costábile Nicoletta Em 1º de maio de 1943, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)


Edição 7 - 21.12.17

Por Costábile Nicoletta

Em 1º de maio de 1943, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entrou em vigor, o Brasil tinha 41 milhões de habitantes. Desses, 13 milhões constituíam a população urbana, enquanto a rural era de 28 milhões. A base da economia era a agricultura, mas o País tinha discreta expressão no mercado internacional. Hoje, em 2017, o contingente populacional brasileiro soma 210 milhões de pessoas. A proporção de moradores no campo e nas cidades inverteu-se. A população rural é de apenas 15% (31,5 milhões de pessoas), ao passo que a urbana é de 85% (178,5 milhões de pessoas).

Ao longo desses 74 anos, a economia brasileira diversificou-se, mas os produtos vindos do campo ganharam mais importância ainda, seja em quantidade, seja em evolução tecnológica, seja em contribuição para a manutenção do desenvolvimento do País e de sua importância para o mundo. “Curiosamente, à medida que cai a população rural, a produção do setor cresce”, constatou o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto, em um debate sobre a nova legislação trabalhista promovido no início de novembro passado pela Sociedade Rural Brasileira (SRB). “A safra 2016/17 foi de 241 milhões de toneladas, quase 30% superior à anterior, mas esse ganho de produtividade não tem relação com a quantidade de empregados, e sim com pesquisas e desenvolvimento de novas variedades vegetais, de cultivo e de equipamentos, e boa gestão da mão de obra, que deveria contar com uma legislação trabalhista compatível. Infelizmente, a legislação sobre o trabalho rural é tão arcaica quanto a CLT”, concluiu.

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Uma nova lei trabalhista, agora em vigor, deve trazer avanços nas relações entre patrões e empregados também nas propriedades rurais. Muito antes de ela ser sancionada, no entanto, o cenário trabalhista vinha mudando para melhor nas empresas ligadas ao agronegócio. Os principais empregadores do setor mantêm há anos políticas avançadas de recursos humanos, comparáveis às apontadas como modelos em outros segmentos. Segundo Igor Schultz, sócio da consultoria Flow Executive Finders, seus clientes do campo demonstram estar em um estágio bastante avançado em termos de recursos humanos e muito evoluídos em relação aos padrões de segurança do trabalho (ergonomia, prevenção de acidentes, como manusear herbicidas e fungicidas, insumos e defensivos agrícolas). E não se limitam ao cumprimento da lei brasileira. “Elas têm buscado as melhores prá­ticas também fora do País, sobretudo na Europa e na Ásia, outro grande polo de commodities como café e de manejo florestal, como eucalipto”, exemplifica.

Mais do que questões legais, pesam sobre muitas das companhias do agro o fato de estarem inseridas em um negócio de competição global, em que se observa não apenas a maneira de produzir, mas também a de gerenciar pessoas. “O mercado não quer somente qualidade e melhor preço, quer também práticas justas e legais de políticas de recursos humanos e de saúde e segurança dos colaboradores”, afirma Marcella Novaes, gerente de recursos humanos da Agropalma (4.933 funcionários, dos quais 3.101 em atividades rurais). “Temos certificados internacionais que nos permitem ser a única empresa brasileira de óleo de palma a vender em países bem rigorosos com relação às normas e práticas aplicadas em gestão de pessoas.”

Operações em propriedades da Amaggi: investimento na formação de lideranças leva gestão à ponta da produção

Nos últimos anos, a Agropalma reforçou suas preocupações com a satisfação e o bem-estar de seus trabalhadores. “Melhoramos o alojamento dos colaboradores, dei­xando-os mais confortáveis, fornecemos ônibus com infraestrutura adequada, alimentação de qualidade, horário reduzido na sexta-feira e remuneração variável, focada pa­ra área rural”, enumera Marcella. “Toda a equipe de gestão está presente diariamente no campo e passa frequentemente por treinamento por meio do Programa de Desenvolvimento de Líderes, com o objetivo de mantê-los sempre qualificados e preparados para apoiar e desenvolver todos os nossos colaboradores.”

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Por ser um setor que trabalha com grandes volumes e margens bastante apertadas, a qualificação dos empregados é um fator determinante. Por isso, muitas empresas colocaram a área de recursos humanos no centro de suas estratégias de crescimento – e a mão de obra acabou sendo valorizada. É o que aconteceu na Tereos, uma das principais companhias do setor sucroenergético no Brasil. A empresa conta com cerca de 9 mil funcionários, dos quais 5.500 em atividades rurais, e lançou-os, nos últimos anos, em uma verdadeira “jornada de transformação cultural”.

Nas palavras de Carlos Leston Belmar, diretor de recursos humanos, o projeto destaca o conceito de accountability (responsabilidade), que consiste em descentralizar a organização e empoderar as equipes das sete unidades da empresa no País. “Se temos alcançado melhores resultados e aumentado nossa produtividade, isso se deve a um processo de inclusão do conceito de responsabilização para os times”, explica o executivo. “Hoje, a régua busca mensurar mais resultados do que esforço.” Para Belmar, por atuar em um setor de commodities, é crucial para a companhia ter disciplina operacional em todas as etapas. “Se não temos controle sobre fatores como o clima ou volatilidade do mercado, temos de ser muito eficientes no que podemos controlar: aumento de produtividade, eliminação de perdas, planejamento e análises de cenário acuradas, de forma a dar suporte às decisões e mitigar os riscos”, afirma. “No Brasil e no mundo, incentivamos a produção e o desenvolvimento de práticas agrícolas que conciliem performance com sustentabilidade. Com isso, a Tereos melhorou seu desempenho em termos de qualidade e obteve novas certificações de sustentabilidade para suas usinas.”

“A busca por resultados é razão de ser em qualquer relação entre empregados e empregadores”, afirma Nereu Bavaresco, diretor de Gente da Amaggi (uma das maiores produtoras de commodities agrícolas do País, com 5 mil funcionários, 2.883 no campo). O grupo, que pertence à família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, transformou a permanente procura por melhor desempenho em um programa de desenvolvimento profissional oferecido aos seus funcionários. Na base de sua política de RH está a Escola de Líderes Amaggi, na qual “oferece conceitos, processos e metodologias que capacitem o gestor a conduzir a si e às suas equipes rumo a um resultado sustentável, consciente e alinhado à missão, à visão e aos valores da companhia”, conforme define Bavaresco.

Colheita de cana em lavoura da Tereos: valorização da mão de obra levou a aumento de produtividade e práticas sustentáveis

O executivo acredita que uma liderança bem desenvolvida e consciente traz resultados com fluência e bem-estar, sabendo por que está fazendo suas ações, sabendo direcionar e minimizar os impactos, tendo maior possibilidade de assumir riscos e, com isso, tendo maior possibilidade de novos negócios e/ou de melhoria de processos. “Tudo isso faz a organização crescer com maior saúde financeira, com um bom clima de trabalho, com colaboradores mais felizes, tendo senso de propósito compartilhado, a fim de manter a companhia competitiva e inovadora no mercado.”

Fato raro no passado, hoje é cada vez mais comum encontrar companhias do agronegócio incluídas nas listas de boas empresas para se trabalhar. A ADM Brasil (multinacional processadora de soja e milho com 3.300 funcionários no País, dos quais 350 em atividades rurais), por exemplo, aparece há três anos consecutivos nos rankings do estudo Great Places To Work (GPTW), um dos mais prestigiados na área de recursos humanos. A empresa se destaca, sobretudo, em itens como segurança no trabalho e clima organizacional. Resultado, segundo Viviane Navarro Soares, gerente regional de RH da ADM, de ações como o Programa Relatar, canal que possibilita a todos os colaboradores comunicar preocupações sobre saúde e segurança no trabalho. As contribuições são analisadas e tratadas pelos líderes e técnicos de segurança, com o objetivo de garantir a integridade física e psíquica da equipe. “Além disso, fazemos a supervisão e o monitoramento constante dos técnicos de segurança e dos técnicos agrícolas que atuam no campo, para garantir o cumprimento das diretrizes de processo e de segurança adotadas pela ADM”, afirma Viviane.

É um investimento que rapidamente se paga. A gaúcha SLC Agrícola (produtora de commodities como algodão, soja e milho, com 2 mil empregados no setor rural e 550 na área administrativa), por exemplo, conseguiu reduzir em até 40% o número de acidentes de trabalho com afastamento dos empregados graças a campanhas e programas de aperfeiçoamento profissional como o SQP (Segurança, Qualidade e Produtividade), que busca alinhar e resolver problemas de gestão, lançado no ano passado. Nele, reforça-se a importância desses três conceitos e quanto o funcionário tem papel fundamental no alcance desses objetivos. “Ele passa a entender que, qualquer que seja sua atividade, ela é importante para atingirmos nossa produtividade, sempre fazendo tudo com qualidade e segurança”, conta Álvaro Dilli, diretor de recursos humanos e sustentabilidade da SLC Agrícola Dilli.

Marcella, da Agropalma; Belmar, da Tereos; Dilli, da SLC Agrícola; e Bavaresco, da Amaggi, concordam que a Reforma Trabalhista em vigor desde 11 de novembro contempla pontos que reconhecem peculiaridades da atividade rural, como as horas in itinere (trajeto casa-trabalho-casa), contrato por tempo determinado e trabalho in­termitente. “A legislação trabalhista rural deveria ser mais flexível na jornada de trabalho, levando em consideração as dificuldades do campo como uma indústria a céu aberto”, analisa Dilli. “Também existe a dificuldade da recontratação de safristas em cumprimento das cotas legais, pois não há muita mão de obra qualificada para atender esse modelo de trabalho. Mas a nova legislação já avançou bastante em alguns desses aspectos.”

“A Reforma Trabalhista traz uma oportunidade para o amadurecimento das relações de trabalho, permeada pela flexibilidade nas negociações e mais segurança jurídica”, diz Belmar. “Temos de enfatizar que as mudanças não deverão subtrair nenhum direito dos colaboradores”, afirma Bavaresco. “Mas alguns interesses, de fato, serão afetados e há de se promover um esclarecimento mais amplo quanto a essa nova realidade nas relações laborais, o que, a meu ver, está faltando no debate nacional.”

Embora reconheça pontos po­­sitivos na atual Reforma Trabalhista, o ex-ministro Pazzianotto a considera pouco clara em diversos pontos e afirma que ainda é cedo para avaliar os efeitos das modificações propostas. O deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), relator do projeto que deu origem à nova lei, calcula em dois anos o tempo para que ela seja mais bem entendida. “A CLT era uma camisa de força à expansão do emprego”, explicou Marinho. “Nosso principal ob­jetivo foi diminuir suas amarras para oferecer um cardápio com novas formas de contratação e aperfeiçoar algumas regras que antes causavam insegurança jurídica, co­mo a da terceirização e do trabalho temporário, muito importantes pa­ra o setor rural.”

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