No rastro da sustentabilidade

Programas de monitoramento da cadeia evoluem em ritmo acelerado e já contemplam boa parte dos produ


Edição 42 - 12.05.24

Programas de monitoramento da cadeia evoluem em ritmo acelerado e já contemplam boa parte dos produtores do País 

Por André Sollitto 

Há dez anos, quando as principais iniciativas de rastreamento de cadeias do agronegócio foram anunciadas pela primeira vez, a ideia de garantir que 100% da produção, seja ela direta ou indireta, fosse totalmente verificada e sem nenhum passivo ambiental parecia distante. Agora, contudo, algumas empresas estão próximas de alcançar o ambicioso objetivo. Um dos casos mais surpreendentes é o da Bunge. A gigante do setor anunciou, em 2015, um programa de verificação socioambiental, rastreabilidade e monitoramento de fornecedores. A meta final era alcançar cadeias livres de desmatamento em 2025. Depois de atingir 100% de monitoramento da cadeia direta de fornecedores de soja em 2020, a empresa anunciou no ano seguinte que passaria a estender o sistema para a cadeia de fornecimento indireta por meio do Programa Parceria Sustentável. Hoje em dia, já alcança 82% desses fornecedores. 

Trata-se de um conjunto de protocolos e ferramentas para verificar qualquer passivo socioambiental. As medidas incluem a checagem permanente de listas públicas de áreas embargadas pelo Ibama e do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo. “Checamos também compromissos públicos setoriais dos quais somos signatários, como a Moratória da Soja, na Amazônia, e o Protocolo Verde de Grãos, no Pará”, afirma Pamela Moreira, gerente sênior de Sustentabilidade da Bunge para a América do Sul. “Propriedades que apresentam restrições socioambientais ou não conformidade aos compromissos mencionados são bloqueadas em nossos sistemas e impedidas de comercializar com a Bunge.” 

O que a Bunge faz é oferecer todo o suporte para que as revendas parceiras possam monitorar os produtores de quem compram a soja. “As revendas que participam do Parceria Sustentável têm metas e recebem incentivos para progredir gradualmente na rastreabilidade de suas cadeias”, diz Pamela Moreira 

O programa começou com revendedores de grãos que trabalham com volumes maiores. A partir dos bons resultados alcançados com esses parceiros, a empresa passou a trabalhar com as revendas de menor porte para garantir monitoramento integral das fontes indiretas. Para alcançar a meta proposta, especialmente em áreas prioritárias, com risco de desmatamento – como o Cerrado brasileiro –, é fundamental contar com a participação de todos os elementos da cadeia. “Estamos confiantes de que vamos atingir nossa meta de rastreabilidade integral das fontes indiretas de abastecimento em alinhamento com a data determinada em nossa política”, afirma a profissional da Bunge. 

A Bunge não é a única a investir em processos de rastreamento de sua cadeia. A JBS, maior produtora de proteínas do mundo e a segunda maior empresa de alimentos, monitora, via satélite, 100% do rebanho de bovinos de seus fornecedores diretos na Amazônia. A tarefa é complexa, já que inclui 50 mil fazendas distribuídas por 45 milhões de hectares. Em 2020, a empresa passou a ampliar o monitoramento também para os chamados fornecedores de fornecedores, como os criadores de bezerros. A decisão, que faz parte de seu programa Juntos pela Amazônia, também tem como objetivo alcançar uma cadeia totalmente livre de desmatamento ilegal e de outros passivos ambientais, como invasão de terras indígenas e unidades de conservação ambiental.  

Há inúmeros casos notáveis no Brasil. Amaggi, uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro, também estipulou o ano de 2025 como data-limite para alcançar o monitoramento completo de sua cadeia de fornecedores de grãos. Em 2016, lançou a plataforma Originar, que cruza dados das fazendas dos fornecedores de grãos e outros insumos, como biomassa, com os critérios socioambientais da empresa, e faz análises de inteligência territorial, uso do solo e monitoramento de desmatamento. No ano seguinte, divulgou um compromisso de enfrentar o desmatamento, que foi atualizado em 2021 para incluir a produção agrícola, originação e financiamento da produção de grãos de fornecedores diretos, intermediários e indiretos. 

O sucesso dessas iniciativas depende, em grande medida, da participação das revendas e de outros parceiros agrícolas das empresas. Especialmente no caso dos fornecedores indiretos, são as revendas que estão em contato direto com eles e podem intervir ao identificar alguma irregularidade. Para incentivar a participação desses agentes da cadeia, as companhias têm oferecido vantagens, como linhas de crédito diferenciadas e outros benefícios. Alguns desses incentivos só são oferecidos à medida que as revendas avançam no monitoramento de seus parceiros.  

Na jornada de rastreabilidade, a tecnologia desempenha papel fundamental. No caso da Bunge, o grande trunfo é o acesso à plataforma Lyra, desenvolvida pela agtech Vega. Criada em 2018, a startup integra o Grupo Imagem, especializado em TI e geotecnologia. O sistema criado pelos empreendedores usa sensoriamento de dados com a ajuda de satélites de ponta e a inteligência de dados, construída a partir de uma extensa base de informações, para identificar mudanças no uso do solo e plantio de soja, além de mostrar a abertura de novas áreas de plantio. Se houver qualquer irregularidade, é possível fazer a verificação com grande precisão. Atualmente, o Programa Parceria Sustentável monitora 16 mil propriedades, que somam cerca de 20 milhões de hectares. Além da Bunge, a plataforma Lyra é usada por outras grandes companhias do agronegócio brasileiro, como Bayer, Cargill e Raízen, entre outras.  

A JBS desenvolveu uma solução de blockchain para garantir uma camada adicional de proteção em sua cadeia de monitoramento. Por meio do sistema, a empresa pode acessar as Guias de Trânsito Animal (GTAs), de forma automatizada e com o consentimento dos produtores parceiros, e identificar exatamente a procedência de cada animal do rebanho. De um lado, o sistema de monitoramento via satélite identifica as fazendas que têm algum passivo ambiental. E as GTAs mostram de onde o gado veio. Cruzando as informações, é possível apontar infratores. Nessa cadeia, a tecnologia blockchain, que garante o sigilo dos dados, permite que informações sensíveis do ponto de vista comercial presentes nas GTAs não sejam acessadas aleatoriamente. 

A Bunge também vai desenvolver uma solução semelhante com blockchain. Em outubro do ano passado, anunciou a colaboração com a Bangkok Produce Merchandising Public Company Limited (BKP), uma empresa subsidiária da Charoen Pokphand Foods Public Company Limited (CPF), líder mundial em alimentos, para criar um sistema de rastreabilidade de soja e produtos livres de desmatamento. O acordo envolve grãos originados pela Bunge no Brasil com destino a diversos países na Ásia, onde a CPF e a BKP produzem e vendem rações e alimentos. Inicialmente, a parceria vai realizar estudos de viabilidade técnica e operacional antes de colocar em prática a cadeia integrada digitalmente. 

Em um cenário de crescente pressão do mercado por cadeias produtivas mais responsáveis, o compromisso das empresas com a rastreabilidade dos produtos e o monitoramento dos produtores e parceiros é parte fundamental das políticas que cumprem a agenda ESG. As boas práticas ambientais, sociais e de governança passam, obrigatoriamente, por vários dos fatores analisados por esses programas. 

Por enquanto, os programas de rastreabilidade têm ajudado os produtores infratores a regularizarem a situação. Isso envolve o fornecimento de conhecimento e ferramentas para uma transição para boas práticas agrícolas, bem como incentivos financeiros que devem ajudar nesse processo. “Entendemos que temos o papel de engajar e instrumentalizar a cadeia para apoiar produtores e clientes na transição para uma agricultura ainda mais sustentável e de baixo carbono”, afirma Pamela Moreira, da Bunge. “Em nossa abordagem, mostramos aos produtores o que as práticas sustentáveis significarão para eles no curto, médio e longo prazos e fornecemos conhecimentos, assistência técnica e soluções financeiras para promover a expansão sustentável e desestimular a abertura de novas áreas.”  

Estratégia semelhante foi adotada pela JBS em sua Plataforma Pecuária Transparente. Até 2025, a adesão dos produtores será voluntária. Nas áreas de abate da região amazônica, a companhia instalou o que chama de “Escritórios Verdes”, onde fornecedores com problemas poderão realizar a regularização de suas propriedades e terão acesso à assessoria técnica e ambiental. Eles contarão com auxílio jurídico e ferramentas para migrar para práticas mais responsáveis. De acordo com a empresa, há uma demanda do próprio mercado por maior transparência na origem dos produtos. Ou seja, o consumidor quer cada vez mais informações sobre o que está comprando.