A disparada bilionária do etanol

Uma fabulosa rodada de investimentos em novas plantas capacita o Brasil para desbravar um mercado qu


Edição 41 - 12.05.24

Uma fabulosa rodada de investimentos em novas plantas capacita o Brasil para desbravar um mercado que não para de crescer 

Por Marco Damiani 

Em meio à maior alta de reconhecimento internacional da sua história, o etanol brasileiro disparou em todas as projeções sobre qual será, de agora para as próximas décadas, o combustível renovável mais requisitado na transição energética global. A resposta é unânime. Num mix que envolve metas ambientais crescentes no setor global de aviação, investimentos bilionários diretos no Brasil de gigantes da indústria automobilística e avanços sensíveis na legislação brasileira para biocombustíveis, os primeiros três meses deste ano foram formidáveis para o aumento na relevância desse produto extraído da cana-de-açúcar e do milho. A virada do etanol está sendo coroada pela mais espetacular rodada de investimentos na criação de agroindústrias já verificada desde a criação do Proálcool, em 1975.  

No início de março, o tradicional grupo 3Tentos anunciou R$ 1 bilhão em investimentos em uma nova indústria de etanol de milho em Porto Alegre do Norte, no estado do Mato Grosso. O início das operações está previsto para 2026, em linha com o calendário que projeta maiores mercados para o combustível renovável. A implantação deve proporcionar cerca de 2,5 mil empregos e gerar outras 500 vagas de trabalho na operação da nova planta industrial. 

De dimensão semelhante, uma parceria entre a Petrobahia; a Impacto Bioenergia, encarregada da operação; a J&H Sementes; e a americana ICM, que fornecerá tecnologia, anunciou no início de março R$ 902 milhões para a construção da primeira biorrefinaria do estado da Bahia dedicada à produção do etanol a partir do milho. O funcionamento está previsto para o segundo semestre de 2026. A planta industrial terá capacidade para gerar 258 mil metros cúbicos de etanol anidro por ano, além de diversos outros produtos. “O etanol e o óleo vegetal que iremos produzir são ótimas matérias-primas para a produção de biocombustíveis de segunda geração, o que inclui o diesel renovável (HVO), e-metanol e o SAF (Combustível Sustentável de Aviação, na tradução da sigla em inglês) para a aviação”, enumera o presidente da Petrobahia, Thiago Andrade. “As perspectivas são as melhores.”  

Em março, os grupos Mafra e CMAA (Companhia Mineira de Açúcar e Álcool) anunciaram R$ 2 bilhões, com aporte de R$ 600 milhões até o final do ano, na construção de uma biorrefinaria de etanol de milho em Redenção, no sudeste do Pará. A previsão é de que a industrialização já comece em 2025, utilizando a safrinha do milho. As duas companhias formam a Grão Pará Bioenergia, que projeta gerar 600 empregos diretos com a nova planta e 3 mil indiretos na região. “A pauta da sustentabilidade converge totalmente com a estratégia de investimentos das nossas organizações”, afirma Carlos Mafra Júnior, diretor da companhia. 

Acompanhando a safra alta de investimentos, a Raízen anunciou R$ 1,2 bilhão para a construção de duas novas usinas de etanol de segunda geração (E2G), em Morro Agudo e Andradina, em São Paulo. Em Houston, no Texas, durante a conferência de energia CERAWeek, o vice-presidente comercial da Raízen, Paulo Neves, disse à agência Reuters que a companhia está buscando onde erguer a primeira usina de SAF à base de etanol do Brasil. “Estudamos até mesmo o local e as condições que são necessárias para construí-la”, afirmou. Concretizada, a usina será a segunda do mundo voltada exclusivamente para a produção de SAF, após a inauguração, em janeiro, da primeira unidade, nos Estados Unidos, pertencente à LanzaJet Inc. O executivo da Raízen externou à agência de notícias todo o seu otimismo sobre o aproveitamento do mercado de SAF pelos produtores brasileiros. “Não há óleo de cozinha usado ou sebo suficiente disponível no mundo para produzir todo o SAF que é demandado”, disse Neves. 

O mercado brasileiro de etanol vive, de fato, um momento único. Recentemente, a FS tornou-se a primeira indústria brasileira de etanol de milho a receber a certificação internacional ISCC (International Sustainability & Carbon Certification), atestando que o seu processo produtivo atende aos requisitos internacionais para a produção e fornecimento de etanol e óleo de milho para o mercado de SAF. Não é só isso. A empresa é também a primeira produtora de etanol no mundo a obter a certificação de Low LUC Risk em colaboração com um de nossos fornecedores de milho de segunda safra, o Grupo GGF. Atualmente, a FS produz 2,2 bilhões de litros de etanol por ano, mas a meta é expandir a capacidade para 5 bilhões de litros no futuro próximo.  

As apostas bilionárias na produção de etanol estão todas calçadas no posicionamento do produto como um dos principais vetores da transição energética no mundo. “O etanol tem pela frente um mercado virgem de 450 bilhões de litros por ano na aviação global para desbravar”, disse à PLANT PROJECT o presidente do Conselho do Agronegócio da Fiesp, Jacyr Costa. “O uso do SAF pelos aviões é peça central do compromisso da IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos) de zerar as emissões no setor até 2050. A rota do SAF pelo etanol traz vantagens ambientais, porque reduz três vezes mais as emissões do que quando utilizado o óleo vegetal”, aponta o especialista. 

Dos mais de 22 milhões de voos anuais comerciais pelo mundo, apenas 2% utilizam o SAF atualmente, ou cerca de 400 mil. “Essa tecnologia é relativamente nova e o setor de combustíveis para aviação é muito complexo”, ressalva a pesquisadora Laís Forti Thomaz, da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Sustentáveis para Aviação (RBQAV). “Há entraves como escala de produção e custo, mas o seu desenvolvimento é um caminho sem volta no qual o etanol está inserido”. 

Em contraste com a quebra de expectativas na safra de grãos, as boas notícias para o etanol chegam de todos os lados. De Brasília, a aprovação do projeto Combustível do Futuro, que deve ser chancelado pelo Senado, determinou o aumento da adição imediata do produto à gasolina. A margem de mistura subiu de 22% para 27%, podendo chegar até 35% nos próximos anos. Da frota nacional atual de cerca de 40 milhões de veículos leves, 83% são modelos flex, o que dá uma dimensão da mudança de patamar no consumo. “Depois de décadas de incentivos à produção e uso de combustíveis fósseis, finalmente conseguimos uma legislação para a ampliação do mercado do etanol, renovável e limpo”, assinala o gerente financeiro e de planejamento do grupo Moreno, Wagner Ferreira. “A produção, as vendas internas e a exportação têm tudo para disparar nos próximos períodos, porque o aumento da demanda, tanto aqui como lá fora, será gigantesco”. 

A legislação favorável à ampliação do uso do etanol para a geração de energia limpa acontece em meio ao anúncio de mais de mais R$ 100 bilhões em investimentos no País, até 2030, pelas maiores montadoras de veículos do mundo. Num arco que envolve uma dezena de montadoras e vai da Hyundai, com previsão de aportes de R$ 1,1 bilhão, à Stellantis, cuja promessa é de R$ 48,7 bilhões, as companhias passam a ter foco nos carros elétricos movidos por energia renovável. Esses veículos já vão sendo chamados de bioelétricos. O interesse no etanol brasileiro como elemento central dessa estratégia de propulsão motivou cada um dos anúncios. 

Relator do projeto Combustível do Futuro, o deputado federal Arnaldo Jardim aponta a múltipla utilidade do etanol como a sua maior qualidade. “A cadeia produtiva do etanol pode resultar em biometano, para mitigar emissões dos setores de carga pesada e equipamentos agrícolas, o diesel verde, em substituição ao fóssil, e o hidrogênio, que é o vetor energético do futuro”, aponta. “Mais de 60 países já adotam o etanol na mistura obrigatória nos combustíveis fósseis, com tendência de mais adesões no curto prazo.” 

O etanol extraído do milho tem vantagens econômicas sobre o produto que também pode ser obtido pela cana-de-açúcar. “O mix na produção das usinas tem sido, nos últimos anos, mais para o lado do açúcar”, lembra a consultora de produção e manejo Patrícia Resende Fontoura. “Os incentivos obtidos agora pela cadeia do etanol, no entanto, devem aumentar a colocação e melhorar a precificação do produto. Em consequência, isso vai beneficiar as usinas alcooleiras, que estavam precisando de uma boa injeção de ânimo como essa.” 

Hedge da área de agronegócios do banco Santander, Caroline Perestrel diz que a capacidade instalada das usinas do setor sucroenergético absorve as atuais demandas de mercado. “Mas o aumento da adição do etanol na gasolina vai gerar uma nova reorganização entre a produção de açúcar e etanol”, projeta. “O Combustível do Futuro tem ganhos para o etanol no curto prazo, mas também já sinaliza que a transição energética brasileira passará pelo produto em todas as etapas de longo prazo. Isso contribui muito para as decisões de investimentos dos empresários do setor.” 

A cadeia produtiva do etanol ainda pode saborear a tramitação, no Senado, de um projeto de lei que proíbe a venda no Brasil de carros movidos a gasolina ou diesel, a partir de 2030, e o fim da circulação desses veículos de 2040 em diante. Polêmico, de autoria do senador Ciro Nogueira, o projeto conta com boas justificativas do relator Carlos Viana. “Uma legislação forte como essa reafirma os compromissos internacionais do Brasil na redução de emissões de gases de efeito estufa e sinaliza o nosso compromisso com a descarbonização da economia brasileira”, diz o senador. Por qualquer ângulo que se olhe, o etanol se tornou a bola da vez para ganhar espaço na transição energética em que o Brasil vai obtendo, cada vez mais, status de líder global. 

O combustível do futuro 

A substituição do petróleo por biocombustíveis levará a demanda por etanol a ser 9,4 vezes maior do que a atual até 2050 

O consumo do etanol hidratado no mercado brasileiro de combustíveis pode superar a marca de 2 bilhões de litros em março, com um crescimento projetado para 29%, acima dos 26% registrados em fevereiro. Segundo números divulgados durante a oitava edição do Santander DATAGRO Abertura da Safra – Cana, Açúcar e Etanol, em Ribeiro Preto (SP), o uso do etanol hidratado cresceu, em janeiro, 68% em comparação ao mesmo mês de 2023. Ao mesmo tempo, o consumo de gasolina declinou 3,1% no mesmo período, totalizando 2,656 bilhões de litros em janeiro, contra 1,776 bilhão de litros para o etanol. 

O presidente da Datagro, Plinio Nastari, calcula que a substituição do petróleo por biocombustíveis na economia global levará a demanda por etanol, em 2050, a ser 9,4 vezes maior do que a atual. Para abastecer esse mercado, o Brasil está em condições de multiplicar por quatro a sua produção de etanol até a mesma data. 

“Há ainda um trabalho muito grande a ser feito de educação da população brasileira em torno da descarbonização da economia”, diz Nastari. “As pessoas precisam saber que o etanol é o que está por trás do ar limpo das nossas cidades, que ele promove emprego descentralizado no interior do País, desenvolvimento e, também, a economia circular. A renda do etanol fica dentro do Brasil, circulando, ao contrário do que acontece com os combustíveis fósseis.”