A COR DO DINHEIRO

Crédito rural oferecido por bancos privados acelera no início da safra e reforça o papel do merca


Edição 41 - 17.03.24

Crédito rural oferecido por bancos privados acelera no início da safra e reforça o papel do mercado financeiro no crescimento das atividades no campo

Marco Damiani

Mesmo apreensivo em relação ao clima e à flutuação dos preços das commodities agrícolas, o produtor brasileiro iniciou a safra 2023/24 diante de uma oferta inédita, em termos de volume e crescimento, do principal insumo da agricultura e da pecuária: o dinheiro. Nos cinco primeiros meses da temporada de plantio de sementes e mudas e regeneração de pastos, entre setembro do ano passado e o início de janeiro deste ano, a tomada de crédito rural embutido no Plano Safra atingiu R$ 217 bilhões, um crescimento de 15% sobre o mesmo período da safra anterior. O total de empréstimos concedidos por instituições públicas e privadas consumiu até o início de janeiro a exata metade dos recursos oferecidos para o financiamento ao agronegócio na safra atual, de R$ 364,2 bilhões. Na safra anterior, o desembolso total do crédito rural entre julho de 2022 e junho de 2023 somou R$ 344 bilhões.

O papel dos bancos privados na oferta do crédito rural superou todas as expectativas, com um crescimento de 98% sobre o volume cedido na safra passada. Nos primeiros cinco meses da safra atual, os recursos captados pelos produtores junto a essas instituições chegaram a R$ 85,5 bilhões, contra R$ 43,1 bilhões no mesmo período da safra anterior. “Isso mostra que o governo agiu bem ao ajustar a legislação e o produtor sentiu-se confortável com as taxas e condições praticadas pelo mercado privado”, diz Wilson Vaz, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária.

As ofertas de recursos dos grandes bancos quebraram recordes. O Bradesco, líder histórico do segmento, saiu de R$ 9,7 bilhões desembolsados em crédito rural nos quatro primeiros meses da safra 2022/23 para R$ 16,6 bilhões agora. No Itaú, o pulo foi de R$ 3,9 bilhões para R$ 10,5 bilhões. O Santander liberou R$ 10 bilhões neste primeiro quadrimestre ante R$ 4 bilhões no mesmo período do ano passado. O Banco Safra cumpriu o crescimento mais radical, saindo de R$ 642 milhões na safra anterior para R$ 10 bilhões no atual período. Os números foram divulgados formalmente pelo Ministério da Agricultura e Pecuária no final do ano passado.

Não foi por acaso que os bancos privados aumentaram a disponibilidade de recursos para o crédito rural. Em junho do ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; do Planejamento, Simone Tebet; e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, baixou portaria que, na prática, conduziu o mercado privado à situação atual. Na reunião do dia 29 daquele mês, o CMN aumentou de 35% para 50% a exigibilidade do direcionamento dos recursos captados por meio da chamada Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) para o financiamento ao setor.

No dia seguinte à portaria, as reações dos executivos das maiores instituições privadas foram todas pessimistas. Dizia-se que a medida iria “travar ou desacelerar o crescimento” das LCA, definindo-se a maior exigibilidade como um “retrocesso” em relação ao modelo anterior. As críticas, porém, se mostraram equivocadas. O que se viu, após a publicação das novas regras, foi um veloz enquadramento dos bancos privados, que passaram a captar mais LCA e, também, a emprestar mais. Para o governo, a comemoração deveu-se à maior arrecadação em IOF, de 0,38% sobre cada contrato fechado.

As LCA representaram nada menos que 45% do funding do crédito rural privado desde a publicação da portaria do CMN até outubro de 2023. Houve, também, um aumento de 32,4% nos estoques de LCA com as instituições privadas, que atingiram R$ 446,3 bilhões em novembro último. Construiu-se assim, entre uma decisão ousada e uma dinâmica positiva, um cenário de bancos privados mais capitalizados no segmento e cumprindo metas até dez vezes mais altas, como no caso do Safra, nas suas carteiras de crédito rural. “Houve uma discussão bastante intensa no CMN em torno dessa portaria”, diz Cláudio Filgueiras, diretor do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro do Banco Central. “O BC se comprometeu, no voto em ata, a atuar para corrigir qualquer disfuncionalidade no mercado.” Com o passar do tempo, esse procedimento não se mostrou necessário.

Até o início de janeiro, 52% dos valores desembolsados pelas instituições financeiras no Plano Safra 2023/24 são de fontes não controladas, entre elas as LCA. Para terem competitividade, as concessões de empréstimos lastreadas nesse papel demandaram uma forte calibragem dentro das grandes instituições privadas, o que foi feito por meio da redução das taxas de juros e, também, estreitamento das margens de spread.

“Estamos em pleno curso do maior Plano Safra da história”, afirma Wilson Vaz, do Ministério da Agricultura. “O acesso ao crédito rural cresceu perto de 20% nos primeiros cinco meses desta safra em relação ao mesmo período do ciclo anterior.” Em relação às taxas de juros, elas têm variado entre 8% e 12,5% ao ano, de acordo com as condições de cada contrato.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) enviou à PLANT PROJECT uma nota com números e interpretações sobre a imensa diferença entre os recursos privados disponíveis na safra atual em relação ao ciclo anterior. “O desempenho é reflexo de uma procura maior dessas instituições em utilizar a LCA como instrumento para potencializar o financiamento ao agro”, disse a entidade. “E não só a LCA, mas também com a utilização de outros títulos do agro, tal como a CPR (Cédula do Produto Rural), por exemplo, uma vez que encontram nesses títulos um ambiente de negócios mais favorável.”

Para o segundo período de plantio, até junho, as previsões são de recuo na tomada de crédito, em razão de uma quebra esperada nas safras de milho e soja no Centro-Oeste, iniciadas sob duras condições climáticas. Há, ao mesmo tempo, preocupação em relação aos preços das commodities, que podem não ter a valorização nos mercados internacional e doméstico sonhada pelos produtores brasileiros. Como nas críticas aos efeitos da portaria do CMN, porém, todos os humores podem mudar no caso de uma recuperação dos preços.