Edição 40 - 07.01.24
Grandes empresas e produtores rurais usam a inteligência de dados para melhorar as operações dentro e fora das porteiras
Por Ronaldo Luiz
Até pouco tempo atrás, a digitalização agrícola era mais intensa no âmbito da produção primária, dentro das fazendas, com a utilização de tecnologias como sensores para medição da umidade do solo e controle de irrigação, softwares para tarefas de plantio e colheita, telemetria de máquinas, estações meteorológicas e drones para mapeamento de áreas, entre outras. Agora as ferramentas se expandiram para “fora da porteira”, em atividades como transporte e armazenagem, crédito rural, seguro, comercialização e rastreabilidade de produtos e processos, para citar apenas algumas. Trata-se de nova era para um setor marcado por grandes transformações nos últimos anos.
“O agro tem experimentado uma revolução digital significativa”, diz Katherine Buso, CEO da empresa de tecnologia Blue Bi Solution. “O advento de ferramentas de Internet das Coisas (IoT), Business Intelligence (BI), sistemas de big data, automação e outras soluções de inteligência têm alterado profundamente a forma como as operações agrícolas são gerenciadas.”
A agricultura digital pura e simples virou “commodity” e o caminho para a diferenciação passa necessariamente pela incorporação da Inteligência Artificial (IA). Segundo o estudo MarketsandMarkets, da Statista, serão aplicados US$ 2,5 bilhões em IA no agro mundial em 2024, ultrapassando os US$ 2 bilhões investidos em 2023.
Outro levantamento, desta vez feito pela consultoria Deloitte, constatou que 20% dos empresários do agronegócio brasileiro utilizam inteligência artificial em suas operações cotidianas, e 32% têm intenção de começar a adotar a tecnologia. “Isso mostra que o setor está atento às tendências do mercado e focado em adotar novas ferramentas que ajudem no seu desenvolvimento”, afirma Mateus Magno, CEO da Sambatech, empresa especializada em transformação digital.
O executivo diz que é fundamental reconhecer o papel revolucionário da inteligência artificial para melhorar a eficiência, reduzir custos e aumentar a receita do agronegócio. “O uso de IA no setor ainda está em fase inicial, mas certamente irá crescer muito nos próximos anos, à medida que empresas perceberem os benefícios de implementar a tecnologia”, diz Magno.
Como não poderia deixar de ser, as grandes empresas lideram essa transformação – uma das linhas de frente é a incorporação de plataformas de análises de dados para melhorar suas operações.
A Bayer apresentou recentemente o aplicativo para Android FieldView Cab, que simplifica e torna mais acessível a coleta de dados de campo. Por que Android? Segundo a Bayer, a escolha se deve ao fato de 80% dos brasileiros utilizarem esse sistema operacional.
O aplicativo, que estará disponível a partir de 2024 no Brasil, faz parte da gama de soluções da Climate FieldView, plataforma de agricultura digital da multinacional alemã, que conta com 25 milhões de hectares mapeados no País. “A digitalização no agronegócio permite que os produtores rurais, com o uso de dados, moldem o futuro do setor, tornando-o ainda mais digital, sustentável e rentável”, diz Abdalah Novaes, líder de Soluções Agrícolas Digitais da Bayer para a América Latina. “Nosso comprometimento é nos tornarmos facilitadores da transformação no campo.”
As protagonistas do setor, de fato, estão atentas a esse movimento. Gerente sênior de Excelência Comercial e Modelos Analíticos Avançados Latam da Basf, Mariana Beber diz que a empresa investe significativamente em ferramentas de Business Intelligence, Big Data, Data Science, Machine Learning e Estatística Avançada. “Esse pacote tecnológico nos permite processar grandes volumes de dados de forma eficiente, extrair insights valiosos e facilitar a análise preditiva”, afirma a executiva.
Para as atividades ligadas diretamente ao campo, a Basf possui a plataforma xarvio Field Manager, que usa algoritmos de processamento de dados e imagens dos talhões capturadas por drones e satélites para fornecer informações acerca das condições do solo e das culturas.
Os exemplos se sucedem. Rodrigo Fonseca, digital partner Latin America da DSM-firmenich, frisa que não há progresso sem tecnologia. Partindo desse pressuposto, a empresa trabalha com um ecossistema digital formado por variadas ferramentas, com foco em melhorar processos internos, de clientes e fornecedores. “Sendo um pouco mais específico, a DSM-firmenich utiliza produtos das principais empresas de tecnologia do mercado, como Google, Amazon e Microsoft, dependendo do objetivo da solução”, diz Fonseca. “Essas plataformas trazem aplicações de Business Intelligence e Big Data que fornecem informações importantes para a gestão da empresa, contribuindo para a automação de atividades e a melhor tomada de decisão.”
Recentemente, a empresa lançou sua plataforma de Inteligência Artificial, batizada de Lore. Entre outros atributos, a ferramenta informa se a quantidade de alimento e água oferecida ao rebanho está correta, analisa as alterações metabólicas que podem afetar a engorda e indica até mesmo se a altura da pastagem é a ideal para manter o gado saudável.
A tecnologia blockchain, que dá sustentação para as moedas virtuais, também passou a ser usada nas inovações ligadas ao campo. Localizada no Mato Grosso, a biorrefinaria Uisa, dona de 90 mil hectares produtivos, assinou uma parceria com a plataforma de integração de dados Sensedia que visa à adoção de ferramentas baseadas em blockchain. O diretor de Inovação da Uisa, Rodrigo Gonçalves, explica que a tecnologia mostra em detalhes a cadeia produtiva do item que está exposto nas prateleiras dos supermercados. “Quando o consumidor conseguir checar com um QR code todo o processo produtivo, ele saberá exatamente tudo o que está comprando, e isso deverá gerar um ganho de imagem para a marca, além de segurança alimentar para o cliente.”
Um dos projetos mais antigos em Inteligência Artificial voltada para o agronegócio foi criado em 2019 pela BP Bunge Bioenergia. Na ocasião, a empresa implementou o Leaf, uma solução que utiliza IA para o controle de processos industriais. Desenvolvida pela iSystems, a tecnologia foi introduzida na unidade de Frutal (MG), e mais tarde levada para as plantas de Santa Juliana (MG), Guariroba (SP) e Tropical, em Edéia (GO). A previsão é de que até a safra 2027/28 todas as usinas da BP Bunge tenham o Leaf implementado em seu processo industrial.
“Com o Leaf em operação, a equipe de processos industriais da BP Bunge obtém informações antecipadas sobre o funcionamento da caldeira, o que resultou em ganhos significativos, como a melhora na geração de vapor em 10% e a economia de energia em 9%”, diz o co-CEO da iSystems, Danilo Halla. “No tratamento do caldo e evaporação, houve redução de 80% em eventos de transbordo e de 34% na variabilidade de temperatura do caldo de etanol e açúcar. Além disso, a estabilidade da caldeira reduziu o estresse operacional, proporcionando mais tempo para a tomada de decisões.”
Apesar do notável avanço tecnológico nos últimos anos, há muito por ser feito no agronegócio. “O setor possui carências nos aspectos de gestão, principalmente nos negócios de origem familiar”, afirma Márcio Games, gerente sênior de Transformação Digital na Delaware, empresa global de tecnologia. “Muitos produtores ainda resistem em usar recursos tecnológicos avançados ou têm dificuldade para aplicá-los no dia a dia.”
Bernardo Fabiani, CEO da TerraMagna, empresa especializada em crédito agrícola via plataforma digital, cita a escassez de conectividade no campo como um gargalo que precisa ser superado. “O acesso deficiente de internet nas áreas rurais acaba por dificultar mais ainda a coleta de dados com frequência e qualidade padronizadas”, diz Fabiani.
Para o chefe-geral da Embrapa Agricultura Digital, Stanley Oliveira, a transformação digital no campo não diz respeito apenas a inovação e tecnologia. “Ela tem a ver com pessoas, com capacitação, e, sobretudo, com aderência da solução à realidade, respondendo a uma dor concreta do produtor e do mercado”, diz. “A primeira coisa que o produtor pergunta quando se depara com uma nova tecnologia é o que ela trará de ganhos ou redução de custos. Qualquer tentativa de inovação tem que começar por aí.”