O desafio da produtividade

Referência global em eficiência no campo, o Brasil precisa investir cada vez mais em disseminaçã


Edição 42 - 12.05.24

Referência global em eficiência no campo, o Brasil precisa investir cada vez mais em disseminação de conhecimento, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e qualificação de mão de obra para seguir na vanguarda do agronegócio 

Lucas Bresser 

Produtividade e eficiência são termos onipresentes nas metas de qualquer corporação moderna. Produzir mais com menos, otimizar recursos, inovar para gerar valor: em grande medida, é assim que os mercados globais seguem crescendo. O agronegócio não é diferente. A busca por maior produtividade guia grande parte das decisões estratégicas que norteiam o campo – e, em especial, as gigantes corporações do agro. Nesse quesito, o Brasil é referência global. Desde a virada do milênio, o País ascende como líder em crescimento da produtividade agrícola global.  

Essa posição de destaque, conforme indicado por um estudo do Serviço de Pesquisa Econômica (ERS) americano, vinculado ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), abrange um espectro de 187 nações. Entre 2000 e 2019, o crescimento anual médio da produtividade agrícola brasileira foi de 3,18%, muito acima da média global de 1,66% e à frente de nações como Índia, China e Estados Unidos. Na análise dos dados completos, que abrangem índices desde 1961, o Brasil também aparece na liderança, com crescimento anual médio de 2,43%, ligeiramente à frente de Chile e Espanha, ambos com 2,4%. Agora, o grande desafio dos produtores é encontrar maneiras de manter o crescimento da produtividade em meio a um cenário de drástica mudança climática, flutuações econômicas e desafios sociais. 

Afinal, como é calculada a produtividade agropecuária de um país? Segundo a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, a chamada Produtividade Total dos Fatores (PTF) é a relação entre dois índices: de um lado, o Índice do Produto Total; do outro, o Índice dos Insumos. O PTF é calculado pela diferença entre as taxas de crescimento do Produto Total e dos Insumos. O Índice do Produto Total agrega tudo aquilo que resulta do cultivo das lavouras e da produção animal. Já o Índice dos Insumos inclui área de terras (lavouras e pastagens), máquinas agrícolas, mão de obra, fertilizantes e defensivos. Portanto, só é possível falar em aumento de produtividade se o Índice do Produto Total crescer num ritmo maior que o Índice dos Insumos. 

Segundo o próprio Ministério da Agricultura e Agropecuária, múltiplos fatores explicam o salto de produtividade no Brasil. Entre eles, destacam-se: reformas abrangentes, abordando áreas como financiamento, política de preços, redução de subsídios, seguro rural e outras medidas; aumento significativo de recursos, especialmente no crédito para investimentos, com o estabelecimento de linhas de financiamento para agricultura comercial e familiar; investimentos substanciais em pesquisa e desenvolvimento de novos sistemas de produção, como o plantio direto e sistemas integrados envolvendo lavouras, pecuária e florestas. 

Para os especialistas entrevistados por PLANT PROJECT, o País vem colhendo os frutos de anos de investimento. “Nas últimas quatro décadas, calcada no empreendedorismo do produtor rural brasileiro, com apoio de um conjunto de políticas públicas que envolveram desde a infraestrutura até o apoio à produção e a comercialização, passando por pesquisa, desenvolvimento e inovação, o Brasil aumentou em cinco vezes a produção de grãos, com aumento de apenas 60% na área plantada”, diz Eduardo da Silva Matos, pesquisador da Superintendência Estratégica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Todas essas políticas tiveram como eixo central os ganhos de produtividade dados pela inovação, a produção em escala e o acesso aos mercados internacionais”, complementa Pedro Abel Vieira Júnior, também da Embrapa. 

Segundo a Embrapa, a estratégia de pesquisa, desenvolvimento e inovação na agricultura brasileira passou por duas fases distintas. Inicialmente, houve um esforço para adaptar técnicas agrícolas de regiões de clima temperado ao contexto nacional. Posteriormente, focou-se no desenvolvimento de tecnologias específicas para a agricultura em ambientes tropicais, possibilitando assim a expansão da produção em larga escala no Cerrado e na Caatinga. Os resultados são aumento anual da produção, melhoria da qualidade dos alimentos, incremento das exportações, exploração de fontes alternativas de energia, preservação ambiental e geração de conhecimento estratégico para o País. “A Embrapa e o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), sem dúvida, deram uma contribuição espetacular, especialmente a partir dos anos 1970 e 1980”, diz Paulo de Tarso Ziccardi, diretor de Agronegócios da gigante de consultoria Accenture. “Mais recentemente, também temos os grandes produtores de sementes e insumos como importantes pesquisadores. Há ganhos significativos em qualidade de sementes, manejo, defensivos e novos insumos. Evoluímos, mas o caminho não termina por aqui.” 

Qual é, então, o caminho para manter o crescimento da produtividade? Mais uma vez, os fatores envolvidos são diversos, mas todos se encontram na necessidade de desenvolver e espalhar cada vez mais o conhecimento, a tecnologia e a inovação entre todos os players do setor. “Uma boa parte dos ganhos virá da difusão de conhecimentos e tecnologias que já são aplicadas hoje em dia, mas que ainda podem estar restritos a um ou outro setor”, diz Felipe Serigati, pesquisador da FGV Agro. “Existem aqueles que estão na liderança e existe o mercado mais geral. Se você tornar isso mais espalhado, o ganho será expressivo.”  

Serigati salienta que, para absorver as inovações, o campo deve estar sustentado por um modelo financeiro robusto – seja na figura do crédito bancário, seja no autofinanciamento pelos atores setoriais – e apoiado por uma cadeia logística eficiente, que não encareça o recebimento dos insumos nem o escoamento da produção. Para o especialista da FGV Agro, culturas como milho, café, trigo e hortifrúti são algumas das que mais têm a ganhar com a difusão do conhecimento. Serigati também afirma que essa evolução demanda um olhar atento para a gestão do negócio agropecuário. “A tecnologia, a inovação, a máquina, a semente melhorada, tudo é importante, mas por trás disso há muita evolução em termos de gestão do negócio”, diz.  

Fato é que, cada vez mais, o agronegócio deverá andar lado a lado com o desenvolvimento científico, a evolução digital e o uso intensivo de dados. “Mudanças climáticas, descarbonização, insumos biológicos, bioeconomia, métricas de sustentabilidade, novas exigências dos consumidores, o conceito de saúde única, ciências ômicas, edição gênica, nanotecnologia, big data, automação, agricultura digital e de precisão, ciências cognitivas e tantas outras abordagens são essenciais para a agropecuária dos próximos 50 anos”, diz Daniela Biaggioni Lopes, da Embrapa. 

Sim, a sopa de termos é capaz de deixar até os agricultores mais experientes confusos. No entanto, essa é uma realidade que veio para ficar. “O próprio Ministério da Agricultura e Pecuária lançou o programa Agro 4.0, que oferece apoio financeiro a projetos de implantação de tecnologias 4.0 no setor agrícola”, diz o consultor agropecuário Carlos Cogo. “Essas iniciativas e tecnologias, quando implementadas corretamente, podem trazer ganhos significativos de eficiência para o campo brasileiro.” E não são apenas os produtores que saem ganhando. Consumidores, meio ambiente e a economia do País também se beneficiam. 

Diante de um cenário tão grande de possibilidades e da pressão constante por mais produtividade, impulsionada especialmente pelo mercado externo, o campo deverá, cada vez mais, ser capaz de medir os resultados das ações adotadas. Se hoje muitos dos fatores de produtividade são avaliados segundo médias ou com base em materiais acadêmicos nem sempre atualizados, o futuro próximo demandará informações bem mais específicas. “Será preciso entender a terra, a capacidade de produção, o efeito da insolação, da chuva, da quantidade maior ou menor de adubo para cada talhão específico”, diz Paulo de Tarso Ziccardi, da Accenture. “Hoje em dia, ainda não se faz um cruzamento de tudo o que foi aplicado versus tudo o que foi extraído.” 

Segundo o especialista, a tendência é de que os líderes do agronegócio passem a colocar menos foco na gestão dos ativos de produção e mais no valor que pode ser gerado pela plantação ou pela criação, com olhar atento para áreas de maior produtividade e retorno. Isso, no entanto, exigirá uso massivo e intenso de dados. “É preciso transformar os dados em informação, em correlação, e ganhar granularidade”, diz Ziccardi. Para que isso seja possível, mais uma vez, a tecnologia terá papel fundamental, tanto para coleta e processamento quanto para transformação desse mundo de dados em algo mais palatável, inclusive com uso de inteligência artificial.  

O campo estará pronto para absorver tudo isso? Um dos desafios da produtividade começa antes mesmo de qualquer semente cair no solo. “É preciso um olhar atento para o aperfeiçoamento profissional, o processo de sucessão familiar e o preparo desses jovens que vêm para o campo”, diz Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Na visão de Cassio Rodrigues, diretor da consultoria Exagro, o problema da qualificação de mão de obra começa ainda mais cedo. “Nossas escolas estão iguais ou piores que há 20 anos, ou seja, nossos trabalhadores continuarão com baixa qualificação nos próximos dez anos”, diz. “É incompatível operar sistemas intensivos em uso de insumos, máquinas e tecnologia com pessoas com dificuldade de ler, interpretar textos e fazer cálculos.” Para que o campo possa produzir cada vez mais, a semente da educação e do conhecimento deve ser plantada cedo.