PODE VIR QUENTE

Como um lote especial do Guima Café, empresa do Grupo BMG, faturou uma das principais premiações


Edição 41 - 21.04.24

Como um lote especial do Guima Café, empresa do Grupo BMG, faturou uma das principais premiações da cafeicultura no mundo 

Por Paula Pacheco 

No Cerrado mineiro, a quase 400 quilômetros de Belo Horizonte, três fazendas do Grupo BMG, dono do banco BMG, faturaram o título “Best of the Best” na oitava edição do Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy. Produzido em uma área de 860 hectares entre os municípios de Varjão de Minas e Patos de Minas, o Guima Café é fruto de um projeto iniciado em 2008, quando o grupo decidiu focar em sustentabilidade. Agora, os resultados começam a aparecer. 

A decisão de virar a chave foi tomada por Flávio Pentagna Guimarães, filho do fundador do Banco BMG, falecido em janeiro de 2023, aos 94 anos. Apontado como visionário, o banqueiro e empresário começou a produzir café em 1977. Com o passar do tempo, Guimarães percebeu que era hora de mudar a forma de interação entre a agricultura e o uso dos recursos naturais. Paralelamente à visão da sustentabilidade, o empresário trouxe para o dia a dia das fazendas aprendizados da gestão interna do grupo. 

CEO do Grupo BMG, Eduardo Domilicale foi aos Estados Unidos para participar do anúncio do prêmio da Illy. “Foi difícil segurar a emoção”, diz. “O Flávio sempre foi um empreendedor nato, que olhava para investimentos em áreas em que acreditava, como o agro.” O que esperar depois de conquistar um dos principais prêmios internacionais da cafeicultura? A vitória, na opinião do CEO, é um estímulo para novos planos.  

Entre eles, está a possibilidade de aquisição de mais áreas para aumentar a produção. No entanto, o tema ainda não tem data para ser apresentado ao conselho de administração do grupo. Atualmente, o café representa um dos menores negócios no grupo em termos de receita, o equivalente a 5% do valor apurado em 2022. Já o Banco BMG responde por cerca de 70% do faturamento. 

O café brasileiro sempre foi atrelado à busca por grandes volumes, que atendessem tanto ao mercado local quanto ao internacional. Com o crescimento da procura por cafés especiais, começaram a surgir iniciativas no Brasil, como a aposta na produção regionalizada, com a busca pela certificação de denominação de origem. A região do Cerrado mineiro, onde é produzido o Guima Café, foi a primeira a receber o reconhecimento. 

Ricardo Oliveira, técnico agrícola do Guima Café, lembra que as adaptações, há cerca de uma década, para a produção do café especial – da infraestrutura às práticas de cultivo – permitiram a busca por certificações internacionais para a comercialização, uma iniciativa que ainda não era muito comum naquela época. De fato, o processo de rastreabilidade do Guima Café é completo, com a comprovação de todos os processos, desde a florada até a xícara, o que é muito valorizado no mercado internacional e doméstico.  

No ano passado, o Guima Café obteve a renovação do selo Rainforest Alliance, organização internacional sem fins lucrativos. A produção conta ainda com a certificação Regenagri, concedida pela Control Union, o que rendeu o título de cafeicultura regenerativa. 

O escrutínio, feito presencialmente por especialistas, analisa o uso da tecnologia aliada ao manejo responsável (como o gerenciamento hídrico e energético, otimização dos insumos agrícolas, introdução de soluções biológicas e orgânicas), garantindo alta produtividade da lavoura em harmonia com o bioma. “Os investimentos em projetos de melhoria das propriedades e nas práticas de plantio e colheita, alinhados à sustentabilidade, foram fundamentais para fazer a transição do café como commodity para um produto de fato especial”, ressalta Oliveira. 

A mudança de vocação demandou ainda uma série de investimentos, como a compra de maquinários de pós-colheita e a construção de terreiros de café, além da instalação de secadores, lavadores e despolpadores de café.  

A adoção do processo artesanal também faz diferença. É o caso da colheita seletiva dos grãos, segundo uma série de características, como seu ponto de maturação. “Seguimos padrões rígidos, que passam pelo uso de água potável na lavagem dos grãos e a quantidade predeterminada de vezes que a produção será revolvida”, diz o técnico agrícola da Guima Café. 

Os especialistas que trabalham nas fazendas se dividem em diferentes tarefas. Quem acompanha mais de perto a seleção dos grãos para a composição dos microlotes treina diariamente o olfato para sentir as características do aroma da bebida, com atenção redobrada a cada etapa, como o tempo de escaldar o café e a temperatura da água. 

Oliveira é um profissional experiente. Técnico em agropecuária e criado em uma região produtora de café, ele trabalha com a cultura há 24 anos. “Faz parte da minha vida”, diz. 

No processo convencional para a produção do café para macrolotes, a mistura dos grãos colhidos é feita no terreiro de café e são usados secadores mecânicos. Já nos microlotes, com volumes menores, a prioridade é a qualidade. Todo o processo para que os grãos estejam prontos para a comercialização leva de 12 a 15 dias. Se for o grão natural (café com casca), são necessários de 15 a 20 dias no sol para chegar a 11% de umidade – quando o café está pronto para ser beneficiado, torrado e moído para o consumo. No passo a seguir, o lote de café recebe uma plaquinha, responsável pela sua identificação e que garante a sua rastreabilidade, como se fosse uma pulseira de maternidade colocada no pulso do recém-nascido. 

A produção do Guima Café é vendida para a Expocaccer, cooperativa do Cerrado mineiro, que define o padrão desejado com a degustação do café segundo a classificação oficial americana. Na safra passada, foram produzidas 35 mil sacas. Nesta safra, a expectativa é de chegar a 25 mil sacas. Isso porque uma parte da área plantada entrou em processo de renovação dos cafezais – o que foi necessário devido às condições climáticas desfavoráveis e ao déficit hídrico dos últimos meses. Na região, as plantas têm, em média, 18 anos, variando de 15 a 16 safras até que os pés de café sejam substituídos.  

A evolução na qualidade do café e o amadurecimento do consumidor brasileiro levaram o Guima Café a lançar, há quatro anos, uma marca própria, negociada apenas no seu e-commerce. São microlotes, selecionados segundo suas características, que passam pelas mãos, olfato e paladar de uma barista e vão para as embalagens estampadas por ilustrações de alguns representantes da fauna local – tatu, lobo-guará, seriema e papagaio.  

O café está entre as bebidas mais presentes na vida dos brasileiros – seja qual for o tipo de preparo escolhido, a estação do ano, a classe social, região ou idade do apreciador. O fruto, de origem etíope, se adaptou muito bem ao Brasil, que se tornou o maior produtor e exportador do produto. O País só fica atrás dos Estados Unidos em consumo per capita. 

Dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) apontam que o consumo de café do Brasil chegou a 21,7 milhões de sacas no ano comercial 2022/23 (de novembro a outubro). A alta foi de 1,6% em relação ao ciclo anterior. O avanço ocorreu em um momento de queda de 13,5% no preço do café no varejo. Não foi apenas o volume produzido e consumido no País que evoluiu, mas também a qualidade da bebida que vai para a xícara dos brasileiros. Em 2023, a Abic registrou um aumento de 61% no número de produtos certificados. Contudo, o tipo tradicional domina o mercado, enquanto os cafés especiais representam apenas 0,01% das vendas.  

CAMPO FÉRTIL 

Grupo BMG tem forte atuação no agronegócio 

O Grupo BMG é mais conhecido por seu braço financeiro, o banco BMG, mas atua também em diversas outras frentes. Além de possuir fazendas para a produção de grãos e criação de bovinos, investe no ramo imobiliário e controla a Brasfrigo, empresa especializada em logística de importação e exportação de congelados. Na área de tecnologia, a BMG UpTech faz aportes em cerca de 500 startups. 

Apesar do aumento das vendas no e-commerce após o anúncio do prêmio da Illy, não há planos de levar o Guima Café para o varejo. No entanto, o CEO do Grupo BMG, Eduardo Domilicale, admite a possibilidade de delimitar a distribuição para alguns restaurantes e cafés. O assunto deve ser levado para discussão pelo conselho de administração ainda neste ano.  

Além das fazendas de café, a divisão de agronegócio do Grupo BMG conta com propriedades dedicadas à produção de soja, milho, feijão e trigo. São três propriedades – uma está prestes a começar a produzir. As atividades do agro representam cerca de 10% da receita do Grupo BMG. “Enxergamos o potencial para aumentar a produção de grãos e há projetos para outras quatro fazendas que atualmente estão arrendadas”, diz Domilicale.