Edição 41 - 21.04.24
Projetos de biometano aceleram no Brasil e criam oportunidade para o agronegócio com a transformação de resíduos em combustível renovável
Por Paula Pacheco
O mundo tem visto uma corrida pelo desenvolvimento de alternativas ao combustível fóssil. Nesse contexto, o Brasil se consolidou como um mercado promissor por contar com uma matriz energética dominada por fontes limpas. Em 2023, 93,1% de toda energia elétrica produzida no País foi de fonte renovável – trata-se de um recorde histórico, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Além do crescimento da geração de energia a partir dos ventos, do sol e o próprio etanol, já consagrados, quem também começa a ganhar espaço é o biometano.
É importante ressaltar a diferença entre o biogás e o biometano. O biogás é obtido a partir da degradação de matéria orgânica de diferentes materiais. Já o biometano consiste em um produto gerado da purificação do biogás, que envolve a retirada de umidade, do gás carbônico e do sulfeto de hidrogênio. Após o processo, o que se obtém é um gás com maior poder de combustão. O biometano pode ser obtido de diferentes fontes: resíduos animais e vegetais do agro, aterros sanitários e do esgoto sanitário. Além se ser usado como combustível para veículos, é empregado na indústria, comércio, residências ou ainda ter função termelétrica, quando injetado em gasodutos de distribuição de gás natural.
Os agentes financeiros têm acompanhado de perto o potencial do biometano no Brasil, seja por alinhamento à pauta ESG, pela mitigação de danos ambientais, seja por causa das perspectivas animadoras para o setor. Recentemente, o BNDES aprovou financiamentos para sete projetos de produção de biometano no País, com desembolsos estimados em R$ 690 milhões, conforme levantamento feito pelo banco a pedido da PLANT PROJECT. A instituição tem fomentado projetos tanto pelo lado da oferta quanto da demanda de indústrias interessadas em descarbonizar suas atividades. Além disso, está atento ao segmento de distribuição do biometano, que pode se dar via gasodutos de distribuição ou caminhões GNC (gás natural comprimido).
A Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) traz projeções otimistas. Hoje em dia, o Brasil possui 20 unidades de produção de biometano – 14 são usadas para consumo próprio, num modelo de negócio baseado na economia circular. As outras seis são autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para a comercialização da produção.
A produção atual é de 1 milhão de metros cúbicos de biometano por dia, enquanto a capacidade de comercialização está estimada em 417 mil metros cúbicos diários. Segundo Renata Isfer, presidente executiva da ABiogás, o biometano é o combustível com maior taxa de crescimento nos últimos tempos. Até 2029, diz a representante do setor, espera-se chegar a 90 plantas e a uma produção diária de 7 milhões de metros cúbicos. A executiva ressalta que o biometano tem potencial para crescer tanto na mistura com o gás natural quanto para uso exclusivo. Outro fator relevante para o avanço do segmento é a possibilidade de o biometano avançar pelo interior do País, pelas próprias características do negócio.
Parte da holding de investimento em energia renovável da Urca Energia, a Gás Verde lidera a produção latino-americana de biometano. Atualmente, a empresa conta com 17 plantas de biogás e biometano, distribuídas por sete estados, com 47 biodigestores em operação e capacidade instalada de 57 MW de energia renovável. Por dia, a produção de biometano chega a 130 mil metros cúbicos a partir do aterro sanitário de Seropédica, na Baixada Fluminense, o maior da América Latina, para onde são destinadas 10 mil toneladas diárias de lixo urbano.
Em 2023, o grupo adquiriu a empresa portuguesa ENC, o que possibilitou expandir a presença para cinco novos estados. Agora, dez térmicas a biogás estão sendo convertidas em plantas de biometano, com prazo de conclusão até 2026. Com isso, o objetivo é que a produção ultrapasse os 500 mil metros cúbicos por dia.
“Além disso, vamos produzir CO2 verde a partir de nossa planta em Seropédica já em 2025”, diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde. “Trata-se do substituto sustentável do CO2 tradicional produzido a partir do biogás e com processo alinhado aos princípios da economia circular.”
O executivo está otimista com o potencial do negócio. Segundo Jorand, hoje a demanda por biometano é maior do que a oferta. “Pela sua natureza renovável e capacidade de reduzir em até 99% as emissões de gases poluentes, o biometano vem sendo considerado uma solução estratégica para os processos industriais e o abastecimento de frotas leves e pesadas.”
Como pontua Renata Isfer, representante da ABiogás, os pontos positivos do combustível vão além dos custos ou do desenvolvimento de novas fontes de receitas. “O biometano tem uma série de vantagens ambientais e econômicas”, diz ela. “Se usado em algumas atividades, como na siderurgia, poderá permitir que o Brasil exporte aço verde para a Europa.”
Para a multinacional suíça Nestlé, a inclusão do combustível possibilita que a operação brasileira se alinhe às metas globais de redução de emissões de poluentes.
Não à toa, a subsidiária anunciou no final de 2023 a decisão de incorporar o biometano. Como explica Jefferson Meneghel, gerente de Energia e Serviços Industriais na Nestlé Brasil, desde 2017 toda a energia usada pela companhia provém de fonte renovável. As mudanças na matriz energética para o abastecimento de suas unidades de produção incluem o uso de biomassa e, mais recentemente, a incorporação do biometano.
Em 2024, segundo Meneghel, do total de energia proveniente dos gases combustíveis que a Nestlé utiliza em suas operações, 15% será biometano. As fábricas de Caçapava e Marília, ambas em São Paulo, estão sendo adaptadas para o recebimento desse tipo de energia advinda de cana-de-açúcar e de aterros sanitários. O início do uso está previsto para o segundo semestre. Na unidade de Araçatuba, a instalação da estação de descompressão está em fase final para início do suprimento de biometano no primeiro semestre deste ano.
O projeto de biometano da Cocal Energia em Paraguaçu Paulista (SP) foi um dos selecionados pelo BNDES para receber recursos. A primeira usina foi inaugurada em 1973 e, com o passar do tempo, foi preciso adequar o modelo de negócio, conforme revela André Gustavo Alves da Silva, diretor de Operações e Desenvolvimento de Negócio da empresa. Em 2016, na revisão do planejamento estratégico, identificou-se que era preciso aproveitar mais o potencial da operação, com novos usos para subprodutos, como a torta e a vinhaça.
Entre 2020 e 2021, foi construído o primeiro projeto voltado ao biometano. Agora, a produção é comercializada para um cliente em Ribeirão Preto, também no interior paulista, que aderiu ao combustível como parte de sua meta de descarbonização da operação.
Além de contar com a participação da operação sucroalcooleira na produção de biometano, a Cocal tem investido em testes para novas fontes de produção do gás. Destaca-se o uso do esterco das granjas de Bastos (SP), cidade conhecida pela produção de ovo. Também está sob avaliação a possibilidade de utilizar os rejeitos de outras agroindústrias e centrais de distribuição, como as unidades do Ceasa.
Outro projeto que tem chamado a atenção está sendo construído em Triunfo, no Rio Grande do Sul. Em julho do ano passado, a eB Capital anunciou estar à frente de um investimento de R$ 600 milhões em gestão de resíduos e produção de biogás. O negócio, que contará com R$ 157 milhões do BNDES, envolve uma parceria entre a eB Capital, que tem entre seus sócios Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, e a SebigasCótica, usina de biometano, gás carbônico e fertilizantes. A previsão é de que sejam três unidades até 2025.
A SebigasCótica, segundo conta Lorenzo Pianigiani, diretor Comercial e gerente de Produto, vem sendo procurada por usinas que já têm uma visão de economia sustentável e que sabem da importância de melhorar a eficiência por meio do aproveitamento de cada subproduto. De acordo com Pianigiani, o mercado financeiro também tem se interessado pelo setor de biometano, seja pela rentabilidade ou por se tratar de um investimento em um produto sustentável. “São estratégias sempre alinhadas a uma política de descarbonização”, diz o diretor.
Os novos projetos de produção de biometano impulsionam negócios no mercado de equipamentos para a produção do gás. Eduardo Acquaviva, CEO da ZEG Biogás, explica que a empresa leva soluções completas para a produção de biometano – desde a concepção do projeto até a avaliação de como será feita a sua distribuição. A ZEG Biogás tem entre seus acionistas a distribuidora Vibra Energia (ex-BR Distribuidora), com 50% de participação, o grupo ZEG e a consultoria FSL. “Podemos estudar como fazer a integração de frotas, qual pode ser a melhor fonte para a produção do biometano e até colocar em prática um mix de diferentes matérias-primas”, diz Acquaviva. Os projetos são sob medida. No caso de uma usina sucroalcooleira, a ZEG Biogás leva a vinhaça para o laboratório para saber qual é a capacidade de produção de biogás e assim dimensionar o biodigestor e a planta.
No segundo semestre, a ZEG Biogás vai inaugurar um projeto de biometano a partir de resíduos da fabricação de etanol em parceria com a usina sucroalcooleira Aroeira. A unidade, em Tupaciguara, será a primeira de biometano em Minas Gerais. Estão sendo instalados dois biodigestores com capacidade inicial de 15 mil metros cúbicos de biometano. A planta poderá dobrar de capacidade com a instalação de mais dois biodigestores.
Presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton José Leme Duarte afirma que, no caso das usinas, dependendo do uso que se pretende dar, ainda é mais econômico produzir o biogás e usá-lo na cogeração de energia. Já o biometano, lembra o presidente da Cogen, “é muito nobre” para ser queimado com esse objetivo e por isso faz mais sentido usá-lo como combustível de máquinas pesadas e na comercialização para outras empresas. Para
Marcelo Mendonça, diretor técnico-comercial da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), falta ao mercado de biometano o que ele chama de “oferta concreta” no processo da aquisição. “Há uma dificuldade de interligar a operação de produção, distribuição e consumo”, diz. Apesar dos desafios, o biometano é uma tendência que veio para ficar – e que certamente deverá gerar negócios bilionários nos próximos anos.