Na cana, um mix mais açucareiro

Com expectativa de um quadro mais lucrativo, produção do adoçante deverá continuar sendo privile


Edição 41 - 17.03.24

Com expectativa de um quadro mais lucrativo, produção do adoçante deverá continuar sendo privilegiada pelas usinas

Por Ronaldo Luiz

O setor sucroenergético brasileiro é feito de números superlativos – o País, afinal, é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. Estatísticas da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) estão aí para provar a força do segmento. São 360 usinas em atividade e valor bruto de produção estimado em extraordinários US$ 100 bilhões. No novo ciclo, a moagem de cana na safra 2024/25, que começa oficialmente em abril no Centro-Sul do País, tem potencial para ficar entre 600 e 610 milhões de toneladas. “Mesmo inferior ao montante do período anterior, uma safra esperada acima de 600 milhões de toneladas pode, sim, ser considerada positiva”, afirma Bruno Wanderley de Freitas, economista sênior e sócio da consultoria Datagro.

É preciso reconhecer que o ciclo 2023/24 surpreendeu, especialmente no último terço da temporada, marcado pelo forte ritmo de moagem em novembro e dezembro. CEO da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), José Guilherme Nogueira ressalta que normalmente a safra é encerrada em novembro, mas nesta temporada precisou ser prolongada em razão da quantidade de cana ainda a ser colhida e processada. Um aspecto positivo diz respeito à produtividade – no ciclo 2023/24, atingiu 87,6 toneladas por hectares, configurando o melhor desempenho dos últimos 15 anos, segundo o Centro de Tecnologia Canavieira. De acordo com o CTC, o rendimento elevado foi alcançado em decorrência da excelente condição climática, com chuvas bem distribuídas e acima da média na maioria das regiões produtoras.

No entanto, o quadro climático apresenta tendência inicial menos favorável para a nova safra. “Desde novembro, observamos registros de uma má distribuição das chuvas ao longo da região Centro-Sul, com índices pluviométricos abaixo do esperado”, diz Bruno Wanderley. “Somente em janeiro, as chuvas ficaram em torno de 35% abaixo da média histórica.” Além disso, a temporada 2024/25 também herdará um menor volume de cana bisada – aquela que deveria ter sido colhida na safra, mas que, por falta de tempo, ficou para a seguinte –, além dos impactos da colheita tardia do ciclo anterior, o que poderá comprometer o tempo de desenvolvimento da cana.

Previsões da Climatempo apontam que o fenômeno El Niño, que segue em ação e encontra-se no pico, deverá perder força a partir do segundo semestre, cedendo lugar a um curto período de neutralidade climática, sucedido pela La Niña, invertendo assim o panorama atual do clima. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos, há 59% de probabilidade de que a La Niña ocorra a partir de julho e de 63% a partir de outubro. No entanto, a sua atuação sobre as condições climáticas não é exatamente linear. “O esfriamento das águas do Oceano Pacífico já pode estar influenciando o clima no Centro-Sul à medida que as chuvas permanecem abaixo do esperado”, diz Wanderley. Caso o fenômeno se confirme, pode-se esperar irregularidade nas chuvas sobre as regiões Sul e Sudeste. Também chama a atenção o fato de que a massa verde dos canaviais já não está como a aguardada, o que traz riscos para o desenvolvimento da nova safra.

A fabricação de açúcar provavelmente deverá aumentar na safra 2024/25, já que as usinas planejam priorizar a produção do adoçante, que apresenta, em fevereiro, um quadro mais lucrativo em relação ao etanol. Segundo o diagnóstico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ao menos 50% da cana processada será destinada à fabricação do alimento. “Alguns fatores no campo macroeconômico, como petróleo mais barato e dólar menos estável, podem contribuir para uma safra mais açucareira”, afirma a pesquisadora Ivelize Bragato. “Além disso, investimentos em cristalização reforçam os indicativos de intenção de aumento da produção de açúcar.” A especialista prossegue: “Um mercado internacional de açúcar com preços elevados – em função de déficit e da impossibilidade de aumento imediato e representativo da capacidade produtiva mundial – deverá impedir uma aproximação dos preços de açúcar e de etanol no mercado brasileiro”.

Em 2023, o preço do açúcar negociado no spot do estado de São Paulo chegou a remunerar 100% mais que o etanol, mostram cálculos do Cepea. Por enquanto, a perspectiva, de fato, é de outra safra com as usinas buscando maximizar o mix para a produção de açúcar. O preço do VHP – o adoçante que ainda está em estado bruto – para a exportação permanece, por exemplo, 70% acima da remuneração proporcionada pela venda do etanol hidratado na região Centro-Sul, de acordo com o cálculo de equivalência de preços da Datagro de fevereiro.

De acordo com o economista sênior e sócio da Datagro, mesmo em um cenário de menor moagem, a produção de açúcar não deverá ser muito diferente por causa do aumento do mix de produção, podendo chegar a 41,5 milhões de toneladas. “Por outro lado, a oferta total de etanol tende a cair 10%, para 30 bilhões de litros, mesmo considerando um aumento na produção de etanol de milho de 6,1 bilhões de litros em 2023/24 para 7,1 bilhões em 2024/25, o que pode servir de fator de suporte aos preços”, diz Bruno Wanderley.

Importantes polos de cana-de-açúcar, o Norte e Nordeste também colhem bons resultados no setor. O volume de cana processado do início da safra 2023/24 em setembro até o final da primeira quinzena de janeiro chegou a 45,86 milhões de toneladas. Segundo dados da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio), a região observou um aumento de 5,9% na moagem em comparação a igual período da temporada anterior. A previsão de encerramento do ciclo na região é para o início de abril.

Outros indicadores da entidade, que congrega 35 usinas e destilarias de etanol em 11 estados brasileiros, revelam que a produção de açúcar e de etanol (anidro e hidratado) manteve tendência de crescimento em relação ao mesmo período do ciclo 2022/23. Foram registradas altas de 11,8% para o adoçante (2,55 milhões de toneladas contra 2,28 milhões na safra anterior) e de 1,9% para o biocombustível (1,81 bilhão de litros ante 1,78 bilhão no mesmo período da temporada anterior).

Com 72% da projeção para a atual safra já realizada, o açúcar mantém a liderança na produção, ativando exportações originadas no Nordeste. Para Renato Cunha, presidente executivo da NovaBio e presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar/PE), a produção do adoçante cresceu na atual safra em grande medida devido ao câmbio mais favorável ao exportador e sobretudo pelo desequilíbrio na competitividade do etanol com a gasolina, causado pela ausência de uma política mais previsível e estável. “A previsão é de 67% da produção seja destinada ao exterior, com os embarques do VHP, refinado e cristal direcionados para países das Américas, África, Europa e Oriente Médio.”

Com mais de dois terços da safra realizados no Norte e Nordeste, a produção de etanol hidratado cresceu 10,3%. Foram fabricados 902,6 milhões de litros em relação aos 818 milhões verificados em 15 de janeiro de 2023. No caso do biocombustível anidro, que é misturado à gasolina, houve retração de 5,3%, com 914 milhões de litros em relação aos 964 milhões do ciclo anterior. Entretanto, segundo o presidente da NovaBio, o estoque físico do anidro, que garante segurança no abastecimento, aumentou 30%. Estão armazenados 236,4 mil litros, ante 181,8 mil registrados nos primeiros 15 dias do ano passado. Para o hidratado, o recuo foi de 17,43%, totalizando 130,7 mil litros versus 158,3 mil estocados na safra 2022/23.

Até 15 de janeiro, somando-se o anidro e o hidratado, o estoque total de etanol atingiu 367,1 mil litros, volume 41,54% superior se comparado aos 259,3 mil observados na safra passada. Para o ciclo 2024/25, a estimativa inicial da NovaBio é de um processamento entre 59 e 63 milhões de toneladas de cana no Norte e Nordeste.

Como está o cenário da cana em outros países com produção relevante? Na Índia, o volume de açúcar deverá alcançar 32 milhões de toneladas no fechamento da safra 2023/24, um pouco abaixo das 32,7 milhões produzidas na temporada anterior, o que se deve sobretudo à decisão do governo de limitar o uso do caldo da cana na produção de etanol. “Ainda assim, a Índia continuará fora do mercado de exportação por buscar a construção de estoques internos, a fim de atender a possível menor produção prevista para 2024/25”, diz Bruno Wanderley, da Datagro.

Na Tailândia, a previsão atual é de que a produção de açúcar caia de 11 milhões de toneladas da safra 2022/23 para 8,1 milhões no encerramento do ciclo 2023/24, embora com possibilidade de ser ainda menor, em virtude da queda da produtividade agrícola e do rendimento industrial. “Por consequência, as exportações poderão recuar quase pela metade, para algo em torno de 4 milhões de toneladas em 2023/24, comprimindo ainda mais o já deficitário fluxo mundial de comércio do produto.”