Edição 40 - 16.02.24
Instituto Inhotim exibe obras da artista plástica japonesa Yayoi Kusama e renova sua aposta em unir artes e botânica
Por André Sollito
Antes de ver a primeira obra de arte exposta, o visitante que vai ao Instituto Inhotim é arrebatado logo de cara pela exuberância da vegetação e pela beleza dos jardins. São palmeiras, aráceas, helicônias e orquídeas que compõem um cenário imersivo, como uma verdadeira reserva ecológica. É só depois, ao caminhar pelas rotas do museu, que as obras externas e as galerias são descobertas – e o fascínio continua.
A recente inauguração da nova galeria dedicada a duas obras da artista japonesa Yayoi Kusama é um exemplo da busca constante por equilibrar botânica, artes visuais e preservação.
O museu já tinha uma obra de Kusama em exposição, Narcissus Garden, composta por 750 esferas de aço inoxidável sobre o espelho d’água na cobertura do Centro de Educação e Cultura Burle Marx, próximo à abertura do parque.
Agora há um espaço inteiro que contempla duas obras icônicas da artista, I’m Here, But Nothing (2000) e Aftermath of Obliteration of Eternity (2009). Além da arquitetura, a parte botânica da galeria foi planejada para representar, por meio de plantas, as origens japonesas de Kusama. “O jardim é mais baixo, como costumam ser os jardins japoneses, e trouxemos espécies específicas, como uma palmeira do Japão”, afirma Juliano Borin, curador botânico da instituição. “Foi o primeiro projeto mais integrado que fizemos entre a parte artística e a parte botânica.”
O Instituto Inhotim abriu as portas para o público em 2006, quatro anos depois de sua fundação oficial. No início, o objetivo de seu criador, o empresário Bernardo de Mello Paz, era abrir a propriedade de mil hectares, repleta de obras de arte que comprou ao longo dos anos, para visitantes selecionados. Além das artes visuais, Mello Paz era um entusiasta da botânica e também havia comprado inúmeros espécimes, alguns raros. “Inhotim começou com um JB: não um jardim botânico, mas um jardim bonito”, brinca Borin. Sempre houve cuidado especial com o paisagismo. Os jardins começaram a ser construídos ainda na década de 1980, quando o empresário decidiu criar o Instituto, sob supervisão do paisagista Pedro Nehring (1955-2023), que continuou trabalhando na instituição até a sua morte.
O rigor científico na escolha de plantas e flores surgiu em 2011, quando o Inhotim recebeu do Ministério do Meio Ambiente a classificação oficial de jardim botânico. “A partir dessa classificação, passamos a refletir sobre a contribuição que o Instituto teria nos debates sobre preservação e conservação”, diz Borin. Existem outras instituições importantes no Brasil, como o centenário Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas a intenção de Inhotim, segundo o curador, nunca foi competir com elas, mas encontrar um caminho único.
O espaço está inserido dentro do bioma da Mata Atlântica, com trechos do Cerrado. Isso gera a oportunidade de manter espécimes raros desses dois biomas, com o cuidado em aproximar cada planta e flor dos visitantes por meio da contextualização. Além disso, a equipe de botânica foi integrada ao time que cuida dos projetos artísticos, e o próprio cargo de curador botânico é recente. O resultado é um trabalho mais integrado.
No futuro, outros projetos como o da galeria de Yayoi Kusama serão a regra no Instituto. Borin conta que uma galeria dedicada a uma artista negra africana terá plantas usadas para rituais místicos ou religiosos pelos povos africanos trazidos ao Brasil. Nada ainda está definido, mas o processo de compra dos espécimes começa agora, pois eles precisam ser levados ao Instituto e aclimatados antes de finalmente serem utilizados nas galerias.
Além disso, há um trabalho de conservação que nem sempre fica claro para os visitantes da instituição. Atualmente, 140 hectares estão abertos à visitação, mas há outros 250 hectares de Reserva Particular de Patrimônio Natural Inhotim (RPPN) dedicados à preservação, não acessíveis ao público, mas que compõem a vasta propriedade.
Nesse espaço, foi instalado um laboratório de pesquisa e conservação, e há um enorme viveiro onde são cultivadas as espécies que fazem parte da coleção. Apenas estudantes, membros da Embrapa e de outras instituições podem visitar as áreas restritas. Esse esforço fez com que o Instituto Inhotim fosse contemplado, em 2021, pelo Grant Awarded – BGCI’s Global Botanic Garden Fund, incentivo internacional que reconhece e apoia projetos que atuam em prol da conservação de plantas.
Um dos trabalhos atuais da equipe botânica do Inhotim é fazer um tipo de resgate de variedades ameaçadas em áreas de mineração. Quando uma mineradora recebe a permissão para derrubar a vegetação local, os profissionais vão até lá e estudam a retirada das espécies mais raras e que precisam ser preservadas. “Algumas mineradoras fogem de nós, mas outras acabam nos abraçando”, diz Borin. Recentemente, o curador comandou a retirada de plantas de um desses locais. Segundo ele, dessa vez a mineradora apoiou o projeto, cedeu caminhões e pagou pelo transporte. Os espécimes foram levados ao Instituto para uma área conhecida como Jardim de Transição.
Agora a equipe de Borin se dedica ao mapeamento de todas as espécies que existem na propriedade. Não é tarefa fácil. Mello Paz comprou muitas espécies, que hoje estão espalhadas pela enorme área. Aos poucos, cada uma está sendo identificada e catalogada. O trabalho deve ser concluído apenas em meados de 2024, e dará uma noção mais precisa da riqueza botânica do Instituto. A estimativa é de que a coleção tenha 4,3 mil espécies nativas brasileiras e exóticas. “Existem outros jardins botânicos maiores, mas não com a mesma qualidade”, diz Borin. Que Inhotim continue com sua nobre missão de unir, no mesmo espaço, artes, exuberância botânica e preservação ambiental.